Cerca de 75% dos municípios baianos demitirão servidores

Motivo é ter excedido o limite de 54% imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal

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  • Da Redação

Publicado em 16 de novembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Com dificuldade para pagar os salários e manter os serviços essenciais, a prefeitura de Itabuna teve de demitir cerca de 550 funcionários na reta final deste ano. A medida foi a solução encontrada pela gestão do prefeito Fernando Gomes (sem partido) para um problema que afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal: o município estava gastando acima do permitido na folha de pagamento mensal.

O caso da cidade no Sul da Bahia, contudo, não é isolado e afeta pelo menos 75% dos 417 municípios baianos, que devem demitir servidores - a maioria, comissionados - neste fim de ano para conseguir fechar as contas no azul. A estimativa foi dada pela União dos Municípios da Bahia (UPB), que afirmou que, além da demissão, as cidades baianas devem sofrer com redução de serviços essenciais e atrasar o pagamento do 13º salário.

Em Itabuna, a falta de repasse de verbas do governo federal e a redução na arrecadação dos municípios foram alguns dos motivos para que as despesas com pessoal extrapolassem. O limite é definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O máximo para gastos do município com pessoal é de 54% da receita corrente líquida.

No ano passado, 75% dos municípios também demitiram no final do ano. O vice-presidente da UPB, Antônio Carvalho da Silva Neto, prefeito da cidade de Araci, destacou que esse percentual deve aumentar, e as demissões devem ser em maior quantidade do que em 2017. Ele afirmou que a maioria dos municípios baianos - os menores - tem a prefeitura como maior empregadora, na ausência de grandes empresas.

O prefeito de Itapetinga teve de demitir mais de 300 pessoas neste fim de ano, entre pessoal da administração e de apoio. De acordo com ele, a medida foi necessária, porque serviços essenciais da cidade estavam sendo afetados. Professores e funcionários da área de saúde com nível superior foram mantidos pela gestão. A cidade estava com 10% acima do permitido na LRF, ou seja, estava destinando 64% da receita para pessoal. “O nosso 13º ainda não foi pago, mas estamos planejando para que ele seja distribuído na data limite”, contou Rodrigo Hagge.

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Rejeitadas Algumas das cidades já realizaram outras demissões ao longo de 2018, já temendo o cálculo das contas no fim do ano. Das 213 prefeituras baianas que tiveram suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), 16,1% tiveram como causa o limite com pessoal. O percentual, no entanto, pode aumentar, porque o TCM ainda está julgando pedidos de reconsideração das gestões.

Os prefeitos que ultrapassam os 54% são advertidos a reduzir o percentual e, caso repitam a extrapolação, pagam multa de 30% de seu salário anual. Os municípios ficam ainda sujeitos a outras punições, como restrições para o recebimento de repasses e financiamentos. Os gestores também podem ficar inelegíveis caso as contas não sejam aceitas. 

A cidade de São Felipe, no Recôncavo baiano, está em 60%, de acordo com a assessoria da prefeitura, que é a maior empregadora do município. Cerca de 250 demissões foram realizadas no fim deste ano e novas devem acontecer. As cozinheiras e os porteiros foram os mais afetados com os cortes. O 13º, por outro lado, será pago. As gratificações dos funcionários também foram cortadas pela gestão para minimizar a situação financeira. O CORREIO tentou contato com o secretário de Administração da cidade, Álvaro Neiva, mas ele não quis dar entrevista.

Distribuição Além dos maus gestores - que não podem ser desconsiderados -, o especialista em Direito Municipal e coordenador jurídico da UPB, Isaac Newton, acredita que o principal motivo para que os municípios enfrentem dificuldades financeiras esteja na divisão de recursos entre federação, estado e município.“De todos os recursos públicos arrecadados, quase 70% ficam para a União. O município só fica com 13% dessa receita, sendo que os cidadãos, geralmente, utilizam serviços municipais”, disse.A crise econômica também impacta nas demandas do município e influencia na receita das cidades, de acordo com Newton. “Quando há falta de circulação de verba, a população empobrece, e a gente vai ter nos municípios uma pressão maior por serviços básicos. Pessoas, por exemplo, largam os planos de saúde e a primeira porta que eles batem é do posto de saúde, que é do município”, destaca. 

Buscando fechar as contas, o prefeito de Tanque Novo, Vanderlei Marques Cardoso, decretou a redução de seu próprio salário e da administração da prefeitura em torno de 10%. O município também teve de demitir 150 pessoas. “Os setores mais afetados são os de limpeza e educação”, lamentou o prefeito, que ressalta que o município estava 15% acima do limite permitido para pessoal. “O 13º da cidade está sendo pago desde julho, parcelado”, afirmou.

Em Araci, o vice-presidente da UPB, Antônio Neto, demitiu 60 pessoas em agosto e outras 100 serão desligadas em novembro.“No final do ano, deve haver mais demissões e cortes em algumas gratificações e incentivos”, contou. O 13º dos trabalhadores também está atrasando. Ainda segundo a UPB, as receitas dos municípios dependem do padrão de arrecadação do país e dos estados. “As despesas que ocorrerem durante o ano de gestão têm tendência natural de aumento, enquanto a receita vai oscilando e, como estamos em uma crise, vêm oscilando negativamente. A receita nunca alcança a demanda da despesa imposta ao município”, lamentou o vice-presidente.

Antônio Neto complementou que o histórico das gestões dos municípios também influencia na realidade financeira. “Se ele contratou muito, fez concurso além da medida, por exemplo, isso dificulta a gestão dos próximos prefeitos, e quem sofre é a população”, disse. 

A cidade de Rio Real não teve de fazer demissões no ano passado. Neste ano, no entanto, 53 demissões foram feitas, além da redução de salários em 20%. A prefeitura informou que irá pagar o 13º dos funcionários efetivos, mas terá dificuldade no pagamento dos terceirizados. As finanças do município estão no limite do estabelecido por lei.

Prefeitos vão a Brasília para tentar melhorar a situação

 Prefeitos baianos vão a Brasília no fim deste mês para pressionar o governo federal e o Congresso. O movimento é nacional e estimulado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Eles querem solução para a receita municipal.

O presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB), Eures Ribeiro, afirmou que as agendas são importantes para destravar propostas de interesse dos municípios. 

Um encontro com o presidente da República, Michel Temer, será realizado na segunda-feira, primeiro dia de mobilização. Os prefeitos irão reivindicar pautas como o Encontro de Contas, Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, entre outras. Na terça-feira, os prefeitos irão se reunir no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir o julgamento dos repasses dos royalties de petróleo para os municípios.

Estado também enfrenta dificuldades

Não são só os municípios baianos que estão tendo problemas para fechar as contas. A gestão do governador Rui Costa (PT) superou o limite previsto na  Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de 60% da receita corrente líquida em gastos com pessoal. O dado foi divulgado na terça pela Secretaria do Tesouro Nacional. Além da Bahia, outros 13 estados também ultrapassaram o limite de gastos com pessoal: Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Sergipe, Acre, Paraíba, Roraima, Paraná, Santa Catarina e Alagoas.

Dos 60% de limite para o estado, 48,6% é o teto imposto pela lei para o Executivo e Defensoria Pública; 6% para o Poder Judiciário; 3,4% para o Legislativo; e 2% para o Ministério Público. Para fechar as contas, o estado terá que aumentar a receita e cortar gastos.

Em nota, o governo afirmou que a Previdência estadual encerrará o ano de 2018 com um déficit de R$ 4,08 bilhões, segundo estimativa da Superintendência de Previdência, unidade vinculada à Secretaria da Administração. 

“A quantidade de aposentadorias concedidas vem crescendo anualmente: em 2015 foram 3.745 aposentadorias; em 2016 foram 6.044; em 2017 foram 6.739. O número de benefícios concedidos até novembro deste ano já totalizou 5.932 aposentadorias, faltando ainda um mês para o exercício se encerrar”, diz a nota.

Para cobrir o déficit, o estado afirmou que irá aportar recursos do Tesouro. O déficit previdenciário consumirá quase 10%, de acordo com a Secretaria da Fazenda (Sefaz). O orçamento de 2018 é estimado em R$ 45,2 bilhões, para um déficit de R$ 4,08 bilhões.

"Desta forma, o déficit previdenciário limita muito a capacidade de investimento do Estado, atravancando o seu crescimento econômico", afirmou o governo por meio de nota.