Chegada de parques solares revoluciona a vida de pequena cidade baiana

Moradores de Tabocas do Brejo Velho, no Oeste, lucraram e fizeram investimentos

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  • Da Redação

Publicado em 26 de fevereiro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Enel Brasil/Divulgação

Parque solar Horizonte, em Tabocas, é o segundo instalado na cidade. O outro, Ituverava, é o maior da América Latina (Foto: Enel Brasil/Divulgação) “É algo gigantesco. Me lembra o mar, um mundo de água a perder de vista”. A declaração quase poética é de um morador da pequena Tabocas do Brejo Velho, no Oeste baiano, ao admirar um empreendimento que custou um mar de dinheiro – 110 milhões de dólares – e mudou a história do município de 13 mil habitantes. Durante os dois anos de construção do parque solar Horizonte, que começou a operar no último dia 16, com capacidade instalada de geração de 103 MW, a cidade teve sua rotina totalmente alterada, sobretudo com a chegada de profissionais de fora para tocar o projeto.

Com  810 trabalhadores, ao todo, a maioria deles de outras cidades e estados, o aluguel de imóveis, por exemplo, chegou a inflacionar mais de 1.000% em Tabocas, e muitos moradores foram para a casa de parentes para lucrar com os ‘visitantes’ a serviço da multinacional Enel Green Power, responsável pelo parque. Além disso, teve quem lucrou trabalhando nas obras, que incluem ainda outro parque solar gigantesco – o Ituverava, maior da América Latina, com capacidade de gerar 254 MW. 

Apesar da comparação com o mar, feita pelo dono de supermercado Cleiton Vagner Santos, que registrou aumento de até 50% nas vendas, nada na cidade lembra o litoral, que fica a mais de 550 km de distância, em linha reta. “Fiz uns investimentos na estrutura do mercado e aumentei a quantidade de produtos, e foi muito bom”, comentou Cleiton, feliz com a vinda das usinas que usam a luz solar para gerar energia.

A Enel tem ainda um terceiro parque na Bahia, em Bom Jesus da Lapa, batizado de Lapa, com capacidade de 158 MW. Tanto ele quanto o Ituverava entraram em operação entre junho e setembro de 2017. A construção dos três parques gerou,  ao todo, 3.527 empregos diretos, 45% deles ocupados por moradores locais.

Juntos, os três parques solares (Horizonte, Lapa e Ituverava) possuem capacidade anual de geração de energia de 1.110 GWh, o que equivale ao consumo anual de 542 mil lares brasileiros, segundo a Enel.

O parque solar de Horizonte é apoiado por um acordo de compra de energia (Power Purchase Agreement - PPA, na sigla em inglês) de 20 anos com a Câmara de Comercialização da Energia Elétrica (CCEE).

“Tabocas nunca tinha presenciado uma movimentação de gente desse tipo. Melhorou tudo, não ouvi ninguém reclamando que não ganhou dinheiro. Foi muito bom e espero que tenha de novo outra empresa dessa aqui na cidade ou na região”, disse a professora de História e também dona de supermercado Sueli Santos Gonçalves, 37.

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De olho no futuro Sueli foi uma das centenas de pessoas que, no tempo em que os trabalhadores do parque se instalaram na cidade, deixaram seus imóveis para residir em casas de parentes ou locais menores. Ninguém estava se importando em deixar o conforto do lar para alugar a casa a ‘forasteiros’, afinal, o aluguel antes de R$ 300 chegou a até R$ 5 mil.“Deixei minha casa de três quartos e aluguei para quatro engenheiros por R$ 2.500, com os móveis dentro. Saíram em novembro de 2017. No tempo que ficou alugada, fui para um escritório pequeno que tenho, com sala e banheiro, junto marido e minha filha. Fizemos um sacrifício para não perder esse dinheiro e valeu muito”, contou.Um dos investimentos que ela está fazendo com a grana que ganhou do aluguel é em uma faculdade de Engenharia Civil na cidade vizinha de Santa Maria da Vitória. “É um curso caro e estou no segundo semestre. É um investimento meu que sei que terei muito retorno no futuro”, contou. Professora de História e dona de supermercado, Sueli Gonçalves investiu em negócio e na carreira (Foto: Divulgação) Mas o lucro dela por conta da chegada da obra do parque da Enel, onde estão 330 mil painéis solares, ainda não parou. Ela aluga o caminhão basculante para uma empresa terceirizada da Enel – cerca de 30 terceirizadas atuaram em Tabocas, segundo a Prefeitura local.

Caminhão este que o marido dela Mateus Gonçalves de Souza, 41, dirigiu para outra terceirizada por um ano.“Gostei muito do trabalho. Gente educada que paga direito, nunca teve atraso. Foi muito trabalho, mas não tenho do que reclamar”, comentou Mateus.Outros investimentos No supermercado, o casal fez investimentos também. Reformou e passou a fornecer mais itens para atender a demanda. Instalou, por exemplo, um serviço bancário que permite fazer algumas transações financeiras, como saques, pagamentos de boletos, dentre outros. E ainda gerou emprego, colocando mais duas funcionárias para trabalhar, somando quatro no total. 

Dona Valdirene Modesto também só tem a agradecer. Ela foi morar na casa da mãe e alugou a dela por R$ 2.500 a primeira vez e depois por R$ 1.500. “Os trabalhadores eram de Salvador. Primeiro ficaram sete pessoas na casa, depois quatro. Nunca me deram trabalho, só lucro”, destacou.

A grana que ganhou ela está investindo na carreira de futebol do filho João Pedro, de 13 anos, e que está no Rio de Janeiro com o pai, Pedro. “Estou pagando aluguel para eles lá. Meu filho está jogando no São Cristóvão, mas deve ir para o Vasco e estou torcendo para ele poder jogar a Copinha [Copa São Paulo de Futebol Júnior], que é uma vitrine para esses meninos. Meu investimento está sendo no meu filho”.

Antenados Os moradores de Tabocas que conversaram com a reportagem disseram que estão antenados na internet em busca de informações sobre outras empresas que possam vir para a Bahia. Por lá, já circula a informação de que haverá leilões de energia em abril.

E, segundo eles, já teve gente comprando terreno para fazer casa para alugar. Poucos moradores, no entanto, conhecem o parque de dentro, após a conclusão das obras, mas todos acham muito bonito visto de fora. A entrada no local só ocorre com permissão da Enel.

A Prefeitura local informou que a chegada da Enel foi boa para aumentar a arrecadação de Impostos Sobre Serviços (ISS), mas o secretário de Finanças Lucas Renan Santos da Silva, não soube dizer em quantos por cento aumentou.“Ainda não recebemos nada da Enel sobre geração de energia. Isso só vai ocorrer quando ela passar a comercializar. Vamos ganhar em cima do Imposto sobre Comércio de Mercadorias e Serviços [ICMS]”, comentou Lucas.***

Multinacional investe na Bahia mais de US$ 685 mi A Bahia é um dos estados do país em que a Enel mais investiu nos últimos anos. Considerando apenas os três projetos solares que a empresa possui no estado  - Lapa, Ituverava e, agora, Horizonte -, foram cerca de 685 milhões de dólares (cerca de R$ 2,2 bilhões na cotação atual). De origem italiana, a empresa atua no Brasil por meio de sua subsidiária de energias renováveis Enel Green Power Brasil Participações Ltda. 

“A entrada em operação de Horizonte representa um novo marco para a presença do grupo no mercado de energia solar do Brasil, onde em apenas oito meses adicionamos quatro novos projetos que somam uma capacidade de 807 MW de energia solar. Entre esses projetos, está a maior usina solar fotovoltaica da América do Sul atualmente em operação, Nova Olinda”, disse Antonio Cammisecra, responsável global da Divisão de Energias Renováveis da Enel Green Power.

“Confirmamos nossa liderança no setor de energias renováveis brasileiro. Dessa forma, estamos contribuindo para a diversificação da matriz de geração do país e para o desenvolvimento sustentável das comunidades locais”, completou.

A Enel informou que, durante todas as etapas do empreendimento, desenvolve ações junto às comunidades para entender de que forma as obras podem auxiliá-las. “Em Bom Jesus da Lapa, desenvolvemos um trabalho específico com as comunidades tradicionais quilombolas. As ações incluíram cursos de capacitação, educação ambiental, workshops de reciclagem para reutilização de materiais utilizados nas obras e a doação de livros sobre a cultura afro-brasileira para escolas”, cita a empresa.

“Parte dessas ações também foi desenvolvida na região de Tabocas do Brejo Velho. Ao todo, mais de 10 mil pessoas foram beneficiadas pelas ações de Sustentabilidade envolvendo os três empreendimentos”, conclui.

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Vale do São Francisco e Oeste atraem empresas de energia solar e eólica Para a Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), investimentos como os da Enel na Bahia são o reflexo do potencial natural de regiões do estado para a geração de energia solar e eólica. As de maior destaque são o Extremo Oeste e a região do São Francisco, mas áreas do sertão e da Chapada também têm atraído investimentos.

Essas áreas possuem potencial solar elevado, terrenos disponíveis e topografia favorável. Na divisa com Pernambuco, por exemplo, foi anunciado esta semana que a empresa ABB, gigante em tecnologias de eletrificação, automação industrial e robótica, vai instalar a primeira subestação digital da América Latina na cidade de Juazeiro.

A nova subestação de 230 kV e o bay de conexão na subestação Juazeiro II vão fornecer 156 MW da energia gerada em um complexo solar fotovoltaico em desenvolvimento na região.

O projeto solar de Juazeiro é operado pela Atlas Renewable Energy, braço de energia renovável da empresa de investimentos britânica Actis. A Atlas supervisiona mais de 1.500 MW de ativos solares de PV em operação, construção ou desenvolvimento avançado.

Quando estiver em plena operação, os projetos irão produzir energia suficiente para abastecer mais de 350 mil famílias, reduzindo em cerca de 1,5 milhão de toneladas as emissões de CO2 da geração convencional.

A ABB vai entregar toda a subestação de Juazeiro e fornecer um controle de supervisão e um sistema de aquisição de dados, dispositivos eletrônicos inteligentes para proteção e controle, bem como as merging units SAM600 incorporadas ao barramento de processo da subestação. Os cabos de cobre serão substituídos por cabos de fibra óptica.

Uma subestação funciona como o coração de uma rede de energia, transmitindo e distribuindo energia para locais distantes. Mudando as conexões para fibra óptica é possível reduzir a quantidade de cabos de cobre, com economia significativa de custos.