Cidade dos pais: Utinga é a cidade baiana com maior número de reconhecimento de paternidade

Segundo dados do IBGE, Salvador ocupa apenas a 98ª posição no ranking de reconhecimento

Publicado em 12 de outubro de 2016 às 09:09

- Atualizado há um ano

Era uma vez uma cidade onde as pessoas não se casavam. Não é que não existissem casais, mas eles não oficializavam a união, como manda o figurino mais conservador. Mas o jogo virou e a culpa, por assim dizer, foi de um padre italiano que chegou à cidade de Utinga, no Centro-Sul da Bahia, em 2004. “O padre Gabriel falou, numa missa de domingo à noite, que era uma coisa que incomodava e surpreendia, porque ele não celebrava casamentos”, contou o prefeito da cidade, Alberto Muniz (PSD).

Foi o estopim. O alcaide, católico, resolveu então incentivar os casórios e criou um bairro para os recém-casados de qualquer religião, chamado Morada das Noivas – uma espécie de programa habitacional em que os beneficiários eram os mais novos casais da cidade. Não se sabe se foi essa a solução do problema. Mas, em 2014, dez anos depois da queixa do padre Gabriel, Utinga tornou-se a cidade baiana com a maior taxa de natalidade do ano: 49,13 nascimentos para cada 100 mil habitantes homens da cidade.

Mais do que isso: foi a cidade onde os homens baianos mais se declararam pais – ou seja, reconheceram e registraram os pequenos. Em 2014, a população de 19.490 moradores ganhou mais 439 novos residentes. E nem dá para dizer que essa é a faixa de nascidos vivos em cidades com a mesma quantidade de moradores: a maioria das cidades baianas com população entre 19 mil e 20 mil habitantes tiveram a metade do número de crianças nascidas no período. Neste ranking, a capital, Salvador, ocupa apenas a 98ª posição.

“Realmente, aqui na região temos muitos papais”, diz o comerciante Leomi Araújo Alves, 30 anos, pai da pequena Ana Cecília, 3. “Minha filha nasceu em 2013, foi planejada e registrada aqui em Utinga mesmo”, diz. Para ele, a explicação para tantas crianças por lá pode estar na falta de planejamento ou no fato de as pessoas se casarem muito cedo. “Tenho colegas que foram pais aos 16 anos”, afirma.“É meio difícil traçar um indicador (da razão do número de nascimentos), mas se observarmos um parâmetro, pode ser a qualidade de vida, os aparatos do município que funcionam”, aposta a secretária municipal de Assistência Social de Utinga, Stela Damasceno. Ela explica que, desde 2013, existe uma lei na cidade que determina benefícios para mães em situação de vulnerabilidade social.

Entre esses benefícios está um auxílio natalidade, cujo valor e período de pagamento variam de acordo com a criança e a situação dos pais, depois de uma avaliação feita por uma equipe multidisciplinar do município. Apesar do grande número de nascimentos, Utinga não possui maternidade. Partos são realizados no Hospital Municipal, mas em casos de parto de risco, as mães são transferidas para Feira de Santana ou Salvador, o que não impede que o registro seja feito na cidade.Paternidade responsávelOutra iniciativa de Utinga foi contratar um advogado exclusivamente para cuidar dos casos em que havia problemas com o reconhecimento da paternidade. O serviço funciona desde 2014. “Busquei apoio em Salvador e consegui instalar na cidade uma unidade da Defensoria Pública estadual que deu algum avanço nessa questão. Mas com as mudanças de governo, isso acabou não sendo estimulado. Quando voltei à prefeitura, em 2014, criei uma espécie de defensoria do município, que dá apoio às famílias junto com a Secretaria de Assistência Social”, afirma o prefeito.

Para ele, a presença de um advogado cuidando exclusivamente das questões de paternidade responsável ajudaram a mudar o quadro. “Quando começou, ele dizia que não ia aguentar, que ia sair, que a gente precisava de um reforço porque era muita coisa. Hoje, ele já consegue dar conta sozinho”, completa Muniz.

“É importante reconhecer a paternidade porque é um ser humano que você está colocando no mundo, além de ser uma dádiva de Deus se tornar pai. Um pai presente faz toda a diferença na vida da criança, vai ser onde ela vai buscar suporte para a vida adulta, sem contar com o amor e carinho que os filhos precisam”, aponta Leomi.

A Defensoria Pública do Estado da Bahia disse desconhecer o trabalho feito em Utinga, já que o termo “defensoria” não se aplica a órgãos municipais. No entanto, o órgão desenvolve a ação cidadã Sou pai Responsável desde 2007, em que o reconhecimento de paternidade é incentivado pela Defensoria. De lá para cá, em todo o estado, a Defensoria já viabilizou 13.090 exames de DNA gratuitos para comprovação de paternidade.

“O número diminuiu muito, mas ainda existem muitas crianças e adolescentes sem serem reconhecidos pelos pais”, diz a defensora pública Donila Fonseca, subcoordenadora da Especializada de Família da Defensoria Pública da Bahia. “No mês de agosto, fazemos uma intensificação em razão do Dia dos Pais em função e conscientizar sobre a importância de todo menor ter um vínculo com o pai”, completa.

O trabalho da Defensoria é feito a partir da coleta de documentos da representante legal e do menor. A partir daí, é feita uma carta-convite ao suposto pai para uma sessão de mediação. Nesse momento, já é feita a conscientização sobre guarda, visitas, alimentação e também para evitar casos de alienação parental. “Existe o reconhecimento voluntário. Mas caso haja dúvida e sinta a necessidade do exame de DNA, nós fazemos coleta do material nesse mês de agosto”, diz.

Quadro estadualO ranking de dez cidades baianas com mais taxa de natalidade em 2014 – sobretudo de crianças filha de pais baianos – é formado, além de Utinga, por mais oito cidades do interior da Bahia e uma da Região Metropolitana de Salvador. Madre de Deus, que tem 19.985 habitantes, segundo o IBGE, ganhou 306 novos madre-deusenses em 2014.

As outras cidades com maior taxa de nascidos vivos filhos de pais baianos são Bom Jesus da Lapa (taxa de 45,08 nascimentos para cada 100 mil habitantes homens), Santo Antônio de Jesus (42,76), Antas (36,94), Santaluz (36,76), Madre de Deus (36,53), Paratinga (36,17), Umburanas (35,66), Retirolândia (35,19) e Mulungu do Morro (34,98).

Mas há outras cidades onde nascimentos não são tão comuns assim – pelo menos não quando o pai da criança é baiano e a reconheceu. A menor taxa de natalidade do estado em 2014 é de Nova Ibiá, no Sul do estado – 6,87 nascimentos para cada 100 mil habitantes homens. Em números absolutos, quem menos contribuiu com novos habitantes para a Bahia foi a cidade de Lajedão, também no Sul, com apenas 13 novos lajedãoenses em 2014.