Competição em games influencia ações agressivas, diz pesquisadora

Assunto ganhou destaque depois do massacre de Suzano e preocupa especialistas

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 16 de março de 2019 às 16:26

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: NELSON ALMEIDA / AFP

O fato de os autores do ataque que deixou dez mortos em uma escola em Suzano (SP) na quarta-feira (13) serem obcecados por jogos de games violentos reforçou teorias sobre a má influência de videogames do tipo no comportamento humano.

Segundo a polícia paulista, Guilherme Taucci Monteiro, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25, varavam noites jogando “Call of Duty”, um jogo de guerra, ou “Counter-Strike”, em que o jogador atua como policial ou terrorista.

No carro que eles usaram no dia do ataque foram encontradas anotações que mostram táticas dos jogos, os quais seriam inspiração para o crime que cometeram, mas isso não aponta ligação direta do jogo com a motivação dos assassinatos. Luiz Henrique e Guilherme passavam horas em jogos violentos (Foto: Reprodução) Fato é que a constatação de que os jovens eram viciados nesses jogos fez muita gente, inclusive o vice-presidente Hamilton Mourão, por a culpa do massacre nos jogos violentos de videogame.

Contudo, isso não é uma verdade absoluta, afirma a psicóloga baiana Esther Sampaio Santos, 28, doutoranda do programa de Ciências Aplicadas a Saúde pela Brock University, na cidade de St. Catharines, pertencente à província de Ontario, no Canadá.

Ela observa que “pesquisas mostram que a competitividade nos games – independentemente de serem de conteúdo violento – apresentam maior influência na agressividade do jogador”; já os resultados das pesquisas sobre games violentos não são consensuais.

Natural de Itapetinga, no sudoeste da Bahia, a pesquisadora estuda a influência dos jogos de game no comportamento dos jogadores – em suas pesquisas iniciais não viu relação entre os jogos violentos e comportamento dos jogadores.

Hoje, no doutorado, ela pesquisa o comportamento das pessoas a partir da influência de jogos de “exergames”, os quais funcionariam como motivador para saúde física e mental. O doutorado dela está previsto para ser finalizado em abril de 2020. Esther Sampaio pesquisa o tema há alguns anos (Foto: Acervo Pessoal) Confira a entrevista abaixo:Em seus estudos iniciais você não viu na preferência por videogames violentos um fator que contribui para cognições agressivas. Ainda mantém essa opinião? Sim. Claro que existe uma longa discussão a respeito do impacto dos videogames violentos no comportamento, mas acredito que seria imprudente afirmar que jogar essa categoria de videogame seria a causa do comportamento violento.

Se por um lado existem alguns estudos que apontam que a exposição a videogames violentos está relacionada ao comportamento e pensamentos agressivos, redução da empatia e do comportamento pró-social, outros estudos não encontraram evidências suficientes para confirmar esses resultados.

Algumas pesquisas mostram, inclusive, que a competitividade nos games – independentemente de serem de conteúdo violento ou não – apresentam maior influência na agressividade do jogador.

Os games podem ser considerados fonte de inspiração quando o jogador já está disposto a agir de forma violenta e vê no jogo algumas ideias de como agir estrategicamente (o que aconteceu com os jovens de Suzano). Isso não significa que alguém sem nenhuma intenção de fazer algo parecido se tornaria violento da noite para o dia por jogar videogames de conteúdo violento.Sua pesquisa no doutorado é sobre a motivação das pessoas através de videogames, com foco específico no potencial de “exergames” como o motivador para saúde física e mental. Quais os primeiros resultados dessa pesquisa? A minha tese de doutorado consiste em investigar se exergames (vídeo games que exigem que você se movimente para jogar) podem contribuir para saúde mental do jogador. Existe uma ampla gama de estudos que apontam os benefícios da atividade física para a saúde mental do indivíduo. Os meus estudos objetivam investigar se esses benefícios se estendem também para os vídeos games. Por exemplo, se dançar faz com que a pessoa se sinta mais alegre, jogar vídeo games de dança também te faz se sentir mais alegre?

No primeiro estudo realizado pelo meu orientador e eu, entrevistamos 185 pessoas que jogam exergame pelo menos uma vez por semana por 40 minutos. Essas pessoas apresentaram significativo aumento em indicativos de saúde mental como maiores níveis de alegria, auto-estima e vitalidade e níveis reduzidos de stress e ansiedade quando comparados a pessoas que não jogam esse tipo de jogo.    Os exergames são realmente um motivador? De que forma? Sim, os exergames são um motivador. A partir do momento que o jogador começa a perceber que jogar exergames pode aumentar o seu processamento de informação, habilidades visuais, aumento dos níveis de atividade física, perda de peso, e também benefícios em indicadores de saúde mental, exergames se tornam ainda mais prazerosos. Motivação do comportamento faz com que o indivíduo não só inicie como também mantenha o comportamento.  Pode-se usar os exergames como uma forma de atrair jovens que eventualmente estejam levando uma vida sedentária e sendo supostamente mal influenciados por jogos violentos? Há algum estudo que mostre que isso é possível?  Exergames podem, sim, serem considerados como alternativa para promover atividade física, principalmente para aqueles que consideram exercícios tradicionais entediantes e difíceis de serem mantidos.

Porém, acredito que seja complicado afirmar que exergames poderiam “atrair” jogadores de games de conteúdo violento. Independente das consequências do jogo no comportamento do jogador, existe um fator muito importante: a preferência pelo jogo.

Não adianta o game apresentar diversas evidências de benefícios físicos, cognitivos e psicológicos (como é o caso dos exergames), se o jogador não sente vontade de jogar esse tipo de jogo.

Não consigo apontar na literatura estudos científicos que mostrem que exergames podem estar relacionados à mudança de comportamento violento. Mas afirmo com segurança que, assim como existem evidências que alguns vídeos games podem ser má influência para jogadores, outros vários estudos apontam que essa influência não existe.

Além disso, estudos mostram que algumas categorias de vídeo games são inclusive benéficas para o jogador, como é o caso dos exergames. Os vídeos games não se resumem apenas a aspectos negativos; existe um longo caminho até que se conclua quais são os seus malefícios e benefícios.