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Da Redação
Publicado em 17 de abril de 2022 às 11:00
- Atualizado há 2 anos
Nome de personagem clássica da literatura russa, sobrenome em inglês, nascimento em Salvador. Quem lê A.K. McCallum nos créditos de alguma grande produção gringa talvez não desconfie, mas está sendo informado de que, por trás daquela obra audiovisual, está a mesma pessoa que cumpre os pré-requisitos da frase inicial deste texto.>
Tal qual o conflito na Ucrânia, a cineasta Anna Karenina McCallum, 28 anos, traz no nome um ensaio de guerra fria, mas no sangue a pura cultura de paz, aliada ao calor e à simpatia da Bahia. Essa tradução se dá no apelido, Nina, que vem desde menina, quando morava na Barra e visitava a avó, nos finais de semana, no Garcia. >
Só muda para A.K. com sua mudança de mala e cuia para U.K., há quase 10 anos. Foi lá, na Inglaterra, que frequentou a Arts University or Bournemouth, seguindo o caminho de grandes nomes do cinema como Edgar Wright, Michael Pearce, Nick Rowland. “Fiz um ano de um diploma de Fundação em Arte, focado em Mídia. E mais três anos estudando Produção Cinematográfica com foco em Produção e Documentários”, comenta a jovem, que antes de partir para a cena europeia – onde passou a produzir curtas, videoclipes, documentários, entre outros –, trabalhou em grandes produtoras baianas.>
Já na gringa, entre seus trabalhos mais repercutidos, destaque para ‘Boxing Day’, primeiro filme de Natal afro-caribenho da Inglaterra, distribuído pela Warner Bros. No longa, inspirado na vida do escritor, diretor e ator Aml Ameen, Melvin (interpretado pelo próprio Ameen) é um autor britânico que vive nos EUA e viaja a Londres para o feriado do Natal, quando vai apresentar sua namorada americana, Lisa (Aja Naomi King), para seus pais, um casal britânico-caribenho excêntrico. “Foi ali que comecei a entender melhor a dinâmica de set de filmagem. E pelo fato do elenco ser formado por pessoas negras, foi um momento de grande aprendizado. A gente acaba conhecendo bastante sobre questões que envolvem a diversidade e a sua importância na sociedade”, analisa Nina.A cineasta também tem participação em filmes de outros gêneros, como o dramático. Fez a produção de ‘Nurse’, filme que acompanha uma enfermeira londrina que vive uma rotina exaustiva e comete um erro durante o trabalho. O filme foi vencedor da última edição do Carmarthen Bay Film Festival, qualificador do Bafta (Oscar britânico), e também faturou o festival Venice Shorts, além de ter sido nomeado pela Sociedade Real Britânica de Televisão como melhor drama.>
Decolagem Filha da antropóloga Cecilia McCallum e do funcionário público Edilson Teixeira, Anna conta que a época do vestibular, uma década atrás, trouxe a ela muitas dúvidas, e o cinema não chegava a ser uma primeira opção.>
Filha única, a ex-aluna do Colégio Oficina queria ser médica de manhã, à tarde já cogitava virar arquiteta, e à noite vinham outras ideias na cabeça. Em 2012, no entanto, a oportunidade de desenvolver alguns trabalhos na Malagueta Filmes, uma das mais premiadas produtoras do Nordeste, fez o cinema ganhar a dianteira. Outra produtora ajudou a selar esse destino.>
“A Mangaba Produções me procurou para ser assistente de produção, quando a sua equipe, quase todos de Nova York, veio para Salvador fazer um trabalho [com o famoso chef e apresentador americano Anthony Bourdain, falecido em 2018]. Como notei que não valia a pena ficar no Brasil para trabalhar com cinema, por causa das poucas e polarizadas oportunidades, decidi ganhar experiência no exterior”, explica. >
Foi nesse momento que o DNA inglês, por parte de mãe, ajudou nos trâmites legais para a nova etapa, no Velho Continente. >
Cidade em cena Ainda quando estava sob as asas de painho e mainha na Bahia, Nina buscava referências para a construção de sua visão cinematográfica, muitas vezes nos filmes que assistia na SaladeArte ou no Cine Glauber (“Glauber Rocha é um ícone!”, diz), mas também encontrava na cidade inspiração para depurar seu olhar sobre o mundo.>
Festas na Ufba, cravinho no Pelourinho, acarajés em Dinha, bailes LGBTQIA+ na San Sebastian e, principalmente, ensaios no Candeal – “Eu sou fã da Timbalada desde que me dou por gente” –, também ajudaram a calibrar esse olhar, sem perder de vista a perspectiva histórica. E um retorno para produzir algo que retrate a cidade, assim como sua indecisão sobre a carreira, também passaria por longa depuração.“Salvador é feita de pluralidades, aí fica difícil de priorizar. O que me vem à cabeça no momento é a história da cidade. Primeira capital, como era a dinâmica colonial e como as consequências se traduzem na contemporaneidade. Adoraria poder ver uma história assim”, conta ela ao ser questionada sobre que tipo de filme gostaria de produzir na terra natal.Com mais uns segundinhos para pensar, mira novos alvos. “Ou algo mais atual, focado em atletas baianos. Acho interessante a interseção de ser brasileiro e o culto ao esporte. Porém, o grande paradoxo de atletas terem pouco apoio e terem que lutar muito para conseguirem seguir carreira. Instituições do esporte como o Balbininho, por exemplo, serem demolidas para dar lugar a estacionamento e não existirem propostas de incentivo a criar um ambiente similar, é difícil”, pontua.>
“Por último, acho interessante também uma história centrada na comunidade LGBT soteropolitana. Nos últimos 10 anos, vejo muitas mudanças em termos de visibilidade de inclusividade. Seria bom de se explorar também”, conclui sobre pré-roteiros ideais para questões locais.>
Sem incentivo Mas esse ambiente propício para produzir algo por aqui ainda está longe de surgir. A.K. McCallum cita a falta de maior incentivo para o setor audiovisual no país, embora os talentos existam e o avanço tecnológico venha permitindo a realização de boas produções, mesmo a baixo custo. “A gente exporta muito profissional bom, mas tem pouco incentivo para a volta dos mesmos. A Ancine não vive o seu melhor momento, tudo no Brasil é mais burocrático, além de problemas estruturais. Realidades que pesam na escolha por permanecer fora do país. Ainda existe a questão da distribuição desigual de editais de cinema, onde capitais como São Paulo têm um maior fluxo nesse sentido”, destrincha Anna.Aos baianos que também sonham em seguir carreira na indústria cinematográfica, A.K. aconselha a tecnologia (no caso, as redes sociais) como uma excelente forma de demonstrar seu talento para a coisa. A cineasta acredita que a internet deixou as produções mais democráticas, a exemplo de plataformas de vídeo como Youtube e TikTok. Entender quais fórmulas funcionam nesses locais podem dar um bom cartaz para candidatos a grandes produções lá fora, na busca do olhar das multidões em qualquer lugar do mundo.>