Conheça Zé de Lessa, o líder do BDM: de Cafarnaum para a lista de mais procurados

Ele é suspeito de comandar um assalto de R$ 100 milhões no Maranhão, estando no Paraguai

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  • Thais Borges

Publicado em 14 de dezembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Da caatinga sem palmeiras de Cafarnaum, no Centro-Norte do estado, nascem juremas, mandacarus, aroeiras e caroás. Foi em meio a essa paisagem do sertão – mais especificamente, entre os pouco mais de 2 mil habitantes do povoado de Recife, quase na fronteira do município – que despontou o homem tido como um dos maiores criminosos do estado. Nesse cenário improvável de tranquilidade, nasceu José Francisco Lumes, o Zé de Lessa. 

Se nem o nome, nem a alcunha pela qual ficou famoso, trazem nada à mente, talvez o “currículo” o faça: Zé de Lessa é o Ás de Ouro do Baralho do Crime da Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), que indica os foragidos mais perigosos do estado. Segundo a polícia, ele é o líder do Bonde do Maluco (BDM), considerada hoje a facção mais truculenta do estado.

No último dia 25, uma quadrilha roubou R$ 100 milhões em um banco em Bacabal, no Maranhão. Quem teria comandado o assalto foi o próprio Zé de Lessa, segundo a Secretaria da Segurança Pública do Maranhão (SSP-MA). No entanto, ele estaria bem longe do Nordeste: os indícios são de que ele tenha ordenado o crime do Paraguai. Mas o irmão dele, Edielson Francisco Lumes, estava e foi morto pela polícia maranhense, após um confronto na mesma noite. No Maranhão, era Edielson, o Dó, o responsável por repassar as ordens de Zé de Lessa, direto de outro país, aos cerca de 30 homens da quadrilha. 

Na noite de segunda (3), a polícia de lá prendeu 10 pessoas e matou outros três suspeitos de terem participado do crime. Entre os dez presos está Ricardo Santos de Sousa, o sobrinho de Zé de Lessa conhecido como Ricardinho e que é apontado como um de seus homens de confiança. Líder do BDM, José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, nasceu em um povoado de pouco mais de dois mil habitantes (Foto: Reprodução) Enquanto isso, o grande líder do BDM permanece foragido desde 2014, quando a facção sequer existia como hoje. Na ocasião, ele conseguiu autorização judicial para fazer uma cirurgia, após o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-BA) ter concedido prisão domiciliar. Zé de Lessa nunca fez a cirurgia, nem voltou para a prisão. 

Seu perfil, porém, não chama tanta atenção quanto seu alcance.“É um cara bem tranquilo de conversa, não demonstra ser uma pessoa violenta. É bem articulado e, hoje, quem bota armas todas na Bahia é ele. Essas armas todas vindo do Paraguai, ele manda em caminhão de carga”, contou uma fonte ligada à polícia. Saída da prisão Ninguém sabe, ao certo, quando José Francisco Lumes virou Zé de Lessa. A alcunha, para o delegado Fábio Marques, da Polícia Federal, pode estar ligada a um possível apelido do pai de Zé de Lessa - Idalécio, o genitor, seria o Lessa. "Geralmente, o apelido é relacionado ao pai, principalmente com o pessoal do interior", explica o delegado, que investiga o BDM. Um exemplo desse tipo de apelido, segundo ele, é o de Paulo de Magnólia, alcunha de Paulo Pereira Amorim, preso em 2015 e acusado de assalto a banco em quatro estados. 

Se, um dia, Zé de Lessa teve algum ofício legal ou estudou formalmente, é uma incógnita. Seu início no crime é atribuído a roubos a instituições financeiras. Em 2015, o delegado Jorge Figueiredo chegou a dizer que ele era o maior assaltante de bancos e carros-fortes da Bahia. Seus cinco processos encontrados na busca do TJ-BA, todavia, são relacionados a drogas. Nos processos, a quadrilha comandada por ele é descrita como de "extrema periculosidade".  Um dos processos em que José Francisco Lumes é citado, de 2015, descreve a quadrilha dele como de "extrema periculosidade" (Foto: Reprodução) Por tráfico, Zé de Lessa foi preso provisoriamente em 28 de março de 2001, na Penitenciária Lemos de Brito (PLB). Em janeiro de 2002, foi condenado a cinco anos de prisão pela 1ª Vara de Tóxicos. Em 2005, teve progressão de pena para o regime semiaberto, mas já em fevereiro daquele ano, fugiu da prisão. Meses depois, em outubro, foi preso em flagrante. Passou pela Unidade Especial Disciplinar (UED) e, mais tarde, pela mesma PLB. Em novembro de 2006, recebeu outra condenação – dessa vez, por porte de arma.  Um dos processos afirma que Zé de Lessa atuava de dentro do presídio (Foto: Reprodução) Passou por Lauro de Freitas, voltou a Salvador. Foram anos de idas e vindas entre as unidades prisionais da Região Metropolitana (RMS), com notícia de faltas disciplinares enquanto estava na UED. Em 2013 e em 2014, de acordo com o Ministério Público do Estado (MP-BA), foram encontrados, no presídio, materiais ilícitos atribuídos a ele: eram dispositivos de comunicação, como chips e telefones celulares. 

Naquele mesmo ano de 2014, Zé de Lessa sofreu uma tentativa de homicídio na prisão. “Ele sofreu várias pauladas. Vários presos tentaram matá-lo lá dentro, exatamente porque tinha essa questão de liderança dele, pela representatividade”, lembra o promotor Pedro Araújo Castro, titular da 2ª Vara de Execuções Penais desde 2013. 

É justamente em 2014 que ocorre o episódio mais controverso da trajetória de Zé de Lessa com a Justiça: em 15 de julho daquele ano, o desembargador Aliomar Silva Britto autorizou que ele tivesse prisão convertida em prisão domiciliar.

Na decisão, o desembargador cita que a defesa do então detento explica que Zé de Lessa estava com “uma doença degenerativa, necessitando urgentemente de realizar uma cirurgia, sob pena do seu membro superior esquerdo, o qual se encontra atrofiado, ficar com degradação irreversível”. Pelo estado de saúde dele, o advogado Paulo César Pires alegou que havia necessidade de tratamento urgente para solução da enfermidade. 

Com base em princípios como da dignidade humana, o desembargador afirma que o requerimento para realizar uma cirurgia vem sido feito “há muito tempo” e não havia nenhuma solução até o momento.  A decisão do desembargador Aliomar Britto concedeu prisão domiciliar a Zé de Lessa (Foto: Reprodução) Ele conclui que o presídio não tinha as condições necessárias para prestar assistência ao estado de Zé de Lessa e que não seria “de bom alvitre” que um paciente com quadro de saúde grave ficasse a mercê da própria sorte. Mesmo tendo decidido em favor da defesa, o desembargador avisa que não se deve “descuidar do alto grau de periculosidade” do preso. 

Mão atrofiada O advogado que defendia Zé de Lessa na ocasião, Paulo César Pires, confirmou que ele não fez a cirurgia, nem obedeceu ao acompanhamento instituído pela 2ª Vara de Execuções Penais. Após ter sido solto, nunca mais voltou. Pires também explica que, desde então, não tem notícias do ex-cliente. Só fora seu advogado nesse período e, logo após a decisão do TJ-BA, nunca mais foi procurado. 

Segundo ele, só sabe de Zé de Lessa através das notícias que saem nos jornais. Mesmo assim, garante que o antigo cliente precisava da cirurgia. O problema, na verdade, não seria causado por uma doença degenerativa, mas por um erro médico. O advogado explicou que, quando Lessa fora preso pela última vez, sofreu um acidente de carro. O veículo virou e caiu por cima da mão esquerda dele. “Tratando-se de assaltante, os médicos não fizeram um trabalho bom na mão dele. Ficou com a mão defeituosa e aquilo impossibilitava de fazer algumas coisas básicas da vida. Com o passar do tempo, aquilo atrofia pela falta de uso”, disse. Ao processo, anexou fotos e laudos médicos que atestavam a gravidade do problema. Nas palavras de Pires, o problema era visível, principalmente porque um osso ficara proeminente. A cirurgia corretiva envolveria a colocação de pinos que sequer existiam na Bahia; tinham que ser trazidos de São Paulo. Após o procedimento, deveria fazer fisioterapia diária por um mês. 

Durante mais de 12 anos, até receber a conversão da prisão, Zé de Lessa usou uma tipoia. Vivia com a mão torta, retorcida. Se a família tinha condições de bancar o cirurgião ortopédico, argumenta o advogado, ele deveria poder fazer a cirurgia. 

“Tinha que cortar o osso, colocar o punho no ângulo correto e, depois, ser submetido à fisioterapia para melhorar a condição de vida dele. O preso está preso, mas existe o princípio da dignidade humana e o sistema não dava esse tratamento”, afirmou, citando a fila na regulação da rede estadual de saúde. 

Foram quase oito meses para conseguir tirar Zé de Lessa da prisão. “Um trabalho danado” para soltar um dos chamados ‘cabeças caras’ do crime baiano, completou Pires. E, em todo esse tempo, diz nunca ter visto o ex-cliente levantar a voz. Sempre falando baixo. Tido como uma pessoa extremamente educada e calma. 

“Ele é de uma família grande por ali de Irecê. São meio alourados. Todos eles são calmos, inclusive, Dó (Edielson) era”. Antes de virar advogado de Zé de Lessa, Pires tirou Edielson do presídio em duas ocasiões. 

Sem tornozeleira De acordo com o promotor Pedro Castro, a situação de saúde de Lessa demandava assistência do sistema e estava sendo acompanhada. No entanto, segundo o promotor, tinha sido compreendido na época – inclusive, pela juíza que era titular da 2ª Vara de Execuções Penais na ocasião, Andremara dos Santos – que, ainda que existisse a necessidade de intervenção médica, a saída da prisão não era justificada. 

“Inclusive, ele denotava interesse e aptidão para o trabalho (que desenvolvia na prisão)”, disse o promotor, que não soube especificar qual era a função cumprida por Zé de Lessa no cárcere. Por isso, a 2ª Vara indeferiu o pedido de prisão domiciliar em 13 de maio de 2014. 

No dia 10 de julho, Zé de Lessa prestou depoimento sobre a denúncia dos celulares e chips encontrados ilicitamente com ele. Nesse dia, ele declarou estar “bem de saúde”.

Cinco dias depois, porém, veio a decisão do desembargador. Diante disso, o MP encaminhou ao relator uma cópia do termo da audiência do dia 10 de julho, em que Lessa dizia estar bem de saúde. Além disso, o promotor advertiu que a Bahia não tinha tornozeleiras eletrônicas para monitoramento de presos. Os primeiros 50 equipamentos – de um lote de 300 adquirido através de licitação – só ficaram disponíveis para o estado em 2017. 

Mesmo ciente da falta de tornozeleira, o promotor Pedro Castro solicitou que, quando houvesse o equipamento, Zé de Lessa tivesse prioridade para receber. “Foi ouvida uma pessoa que se apresentou como companheira dele, que indicou o endereço onde ia fixar residência, mas, como prevíamos, ele jamais compareceu – seja no serviço médico da vara, onde deveria apresentar relatórios médicos, seja na central médica”. Na época, a esposa de Lessa morava em Itapuã.

Depois de Zé de Lessa ter sido procurado por um oficial de justiça em dias distintos e não ter sido encontrado, a prisão domiciliar foi revogada. Desde outubro de 2014, Lessa tem mandado de prisão em aberto. “Tudo que podia ser feito pelo MP foi feito. Nós sabíamos da periculosidade dele, por isso, agreguei pedidos de condições para que (a prisão domiciliar) fosse acompanhada da forma mais criteriosa possível, embora nós discordássemos da decisão”. Nem o promotor, nem o advogado souberam dizer quem era o médico que emitiu o laudo sobre a necessidade de cirurgia. O advogado Paulo César Pires, porém, informou que o profissional fora contratado pela família de Lessa. 

O CORREIO procurou também a juíza Andremara dos Santos, que, atualmente, é juíza auxiliar do Supremo Tribunal Federal (STF), para falar sobre Zé de Lessa. Ela explicou que não dá entrevistas sobre processos julgados. 

Sequestradores O delegado Cleandro Pimenta, do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco), prendeu Zé de Lessa em uma dessas vezes, entre 2004 e 2005. Na ocasião, o delegado estava à frente do Centro de Operações Especiais (COE) da Polícia Civil, e o encontrou na BR-324, nas proximidades de Candeias. Zé de Lessa estava acompanhado do irmão, Edielson, e de outra pessoa. 

“A gente conseguiu pegar ele, com uma certa quantidade de cocaína. Ele estava com uma casa alugada em Stella Maris”, lembra. Lumes não era tão grande quanto é hoje. Mas, diz o delegado, sempre foi traficante, assaltante. Depois, se ligou ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção de São Paulo, e virou o líder do BDM. 

Na família, não são apenas os irmãos, primos e sobrinhos que ganharam sua confiança. O principal sequestrador da Bahia hoje, segundo Pimenta, é justamente o cunhado de Zé de Lessa. Franklin Costa Araújo, preso em setembro de 2016, no município de América Dourada (também na região de Irecê), é casado com a irmã dele. 

No passado, Franklin trabalhou como segurança no Banco do Brasil. Como funcionário, passou a acompanhar a rotina da instituição financeira e começou a assaltar bancos. “Todo mundo vive do crime. O poder dele (Zé de Lessa) vem do tráfico. É muito dinheiro. Sempre movimentou ali a região de Irecê, Mulungu do Morro, com muito assalto a banco, sequestro. Eles ganharam muito dinheiro com sequestro”, diz Pimenta. BDM na prisão A origem exata do BDM, dentro do presídio, é um tanto incerta. Porém, a facção começa a despontar no fim de 2015, justamente quando Zé de Lessa já está foragido. Inicialmente, ela fora criada para desviar atenção da facção Caveira, de quem era uma ramificação. 

O promotor Edmundo Reis, da Unidade de Monitoramento de Execução, acompanha o sistema prisional e a movimentação das facções. Ele explica que todo o esforço do estado estava concentrado na manutenção de Genilson Lima, o Perna, no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. “Portanto, surge o BDM, como forma de atrair essa atenção. Ele (Zé de Lessa) sempre foi aliado de Perna e passou a ter uma atuação marcante com esse desmembramento da Caveira em BDM”, afirmou. Hoje, o BDM saiu da Bahia. Já está em pelo menos outros dois estados: Sergipe e Alagoas. Era em Maceió, por exemplo, que vivia Marcelo Batista dos Santos, o Marreno. Morto em confronto com a polícia em agosto do ano passado, Marreno era o número 2 do BDM e atuava como líder da facção no estado. 

Segundo o delegado Fábio Marques, da Polícia Federal, uma das características do BDM é justamente o fato de que, quando os líderes passam a ser procurados pela SSP-BA, mudam de estado. 

Desde a morte de Marreno, porém, além da própria família, é difícil apontar quem seja o maior responsável pelo BDM na Bahia, na ausência do próprio Zé de Lessa. "Tem alguns nomes, como Colorido (Antônio Dias de Jesus); Rafael (Almeida de Jesus), que está preso; Cristiano (da Silva Moreira), que está foragido. A gente não sabe quem é de fato o líder do BDM hoje", explica o delegado da PF Fábio Marques. Ao contrário da maioria dos acusados de tráfico de drogas que dominam o noticiário, Zé de Lessa é mais velho. Aos 55 anos, teve um destino diferente da maioria dos jovens que perdem a vida em confrontos ligados ao tráfico de drogas. “Pela idade, ele persistiu, porque muitos foram morrendo. Acho que ele durou muito tempo também porque ficou muito tempo preso. Desses todos, quem ficou mais tempo preso foi ele. Nunca correu muitos riscos estando fora como os outros”, pondera o delegado Cleandro Pimenta. Além disso, o promotor Edmundo Reis destaca que os supostos líderes e ex-líderes de facções criminosas brasileiras também não são jovens. É o caso de Fernandinho Beira-Mar (Comando Vermelho), com 51 anos; Marcola (PCC), com 50; Claudio Campanha (CP), também na casa dos 50, e do próprio Perna. “São pessoas encasteladas pelo próprio crime”, diz o promotor. 

Da mesma forma, Zé de Lessa não tem homicídios diretos atribuídos a ele. “Ele não disputa território. Ele tem uma função de atacadista e de fornecedor de drogas. Quem disputa território de tráfico é quem está na base”, completa. 

Perfil empreendedor O BDM, como explica o professor Luiz Cláudio Lourenço, um dos coordenadores do Laboratório de Estudos Sobre o Crime e a Sociedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia (Ufba), tem espírito mais “empreendedor”. Esse tino para os negócios – mais do que a Caveira e bem mais que o Comando da Paz – pode ter sido determinante para a ascensão da facção. 

E essa é uma característica que parece ter vindo do próprio Zé de Lessa. “Ele teve muito contato com o pessoal do PCC (Primeiro Comando da Capital). Tem histórias até de que ele foi batizado como ‘irmão’. Mas o que a gente sabe é que ele foi parceiro de negócios e acredito que tem a ver com isso”, explica o professor. “Irmãos” são como se chamam os membros do PCC, que pagam até mensalidade na facção paulista. Além de respeitar o estatuto do PCC, é preciso ter sido indicado por dois membros e ter “mérito” (como se destacar em uma rebelião em presídio, por exemplo). 

O PCC evita confrontos e disputas territoriais em toda a sua estrutura – dos grandes líderes até a base. Na Bahia, porém, mesmo no BDM, a base é violenta e os confrontos são constantes. Essa diferença se explica, segundo o professor Lourenço, pela forma como a qual as facções foram constituídas na Bahia – a exemplo do Comando da Paz e da Caveira como dissidência. 

Já o PCC, como ele destaca, nunca quis atuar no varejo, no estado. A eles, não interessa vender na rua, direto para usuários. O objetivo sempre foi fornecer drogas para as facções locais. Essas, por sua vez, têm em comum o fato de terem nascido em presídios. E esse não é um fenômeno isolado: ali estão pessoas que já trabalhavam em rede e não vão ter dificuldades em se articular lá dentro. 

“Existem coisas também como o próprio contato com presos de São Paulo, que já vinham se articulando há mais de dez anos, aliado com as mazelas, com o próprio perfil de quem está se prendendo, que são pessoas que trabalham dentro de uma lógica de rede. Tudo isso favorece a formação desses grupos”, pondera Lourenço. 

Além disso, existe uma falácia sobre o encarceramento, como destaca o professor: a de que ele serviria como fator de isolamento. “Isso nunca existiu aqui no Brasil e existe em pouquíssimos lugares do mundo”. 

Saiu há muito tempo Em Cafarnaum, ninguém quer falar nem dele, nem sobre a família. “Vixe!”, disse uma mulher, quando escutou o nome de Zé de Lessa. “O pessoal conhece, mas não sei se vai querer falar sobre ele. O pessoal tem medo, né?”, explicou outro homem, por telefone. 

Recife, o povoado onde Zé de Lessa nasceu, é o maior da cidade. Por telefone, outra moradora fez questão de se dissociar da figura. Decretou: na cidade, ninguém sabe dele. Saiu de lá há tempo demais para se lembrar – ela própria, com seus mais de 40 anos, era criança. 

Os rastros na cidade, porém, falam por eles. Em março do ano passado, a Polícia Civil encontrou uma plantação de maconha na zona rural do município avaliada em R$ 5 milhões. Com direito a sistema de irrigação com poços artesianos e reservatório de água com bombas de sucção, a plantação poderia render até 10 toneladas de droga.  A plantação tinha até sistema de irrigação (Foto: Divulgação/SSP-BA) Na época, a SSP-BA informou que a fazenda pertencia a uma facção criminosa que atua em todo o estado. Fontes ligadas à polícia, no entanto, confirmaram que a fazenda seria propriedade de Zé de Lessa. 

Ramificações familiares Conhecido como Dó, Edielson, o irmão de Zé de Lessa, foi enterrado em Mulungu do Morro, cidade vizinha a Cafarnaum, no último dia 30, uma sexta-feira. É lá que, hoje, parte da família Lumes vive – inclusive a matriarca, dona Anita Maria Lumes. 

Os Lumes têm um jazigo no cemitério municipal, o único da cidade. Lá, já estava enterrado pelo menos outro irmão de Zé de Lessa. O enterro de Edielson foi considerado tranquilo pela polícia e por moradores. Menos de 50 pessoas compareceram ao sepultamento. Não há, contudo, nenhum indício de que Zé de Lessa tenha aparecido por lá. 

A família é “grande”. Muitos irmãos, muitos filhos, embora ninguém tenha sabido dizer a quantidade exata. Os que moram na cidade não costumam se envolver em polêmicas.“Nem parece que são parentes”, disse uma mulher, sob anonimato, ao CORREIO. O pai do clã, Idalécio Francisco Lumes, também mora em uma cidade vizinha – Souto Soares, que fica a cerca de 15 quilômetros de Mulungu do Morro. A reportagem tentou localizar tanto dona Anita quanto seu Idalécio. Mais de 20 moradores foram contatados nas duas cidades, mas a maioria negou conhecê-los. 

O que se sabe é que boa parte da família, porém, se envolveu com o crime. Praticamente todos os delegados ouvidos pelo CORREIO confirmaram a mesma história: Zé de Lessa trabalha com os do mesmo sangue. Nos processos a que responde e em que há outros réus, pelo menos três têm alguma relação de parentesco com ele. É o caso de Fernando Lumes, o Fernandinho; de Ricardo Santos de Souza, o Ricardinho, e de Vitoriano Oliveira Campos.  “São pessoas ligadas diretamente a ele. O enterro do irmão dele foi tranquilo, não deu muito movimento. A mãe já é uma senhora de idade, deve ser aposentada. Ele é que não dá as caras por aí”, diz o delegado Almir Fernandes, titular da 14ª Coorpin (Irecê). Em 2009, familiares de Zé de Lessa se envolveram em um escândalo político em Cafarnaum. Na época, o MP-BA divulgou que investigava uma fraude em um concurso público da cidade. Dois sobrinhos de Zé de Lessa, Carmen Silvia Lumes, e o irmão dela, Edinaldo Francisco Lumes, passaram na prova. 

O problema é que Carmen é casada com o então vice-prefeito da cidade, Wilson Macambira. Ele chegou a se candidatar a prefeito, em 2016, mas perdeu o pleito. O CORREIO não conseguiu contato com nenhum deles. 

Operações Nos últimos anos, o cerco da polícia tem apertado. Em 2017, Fernando Lumes foi preso no Paraguai. Em agosto deste ano, outro integrante do BDM foi preso no país vizinho – Fábio Souza dos Santos, o Geleia, apontado como liderança da facção na região de Vila de Abrantes, em Camaçari.

Várias operações já tentaram prender Zé de Lessa. Uma das maiores foi a Operação Sapucaia, realizada em abril de 2016 pela Polícia Federal na Bahia e no Mato Grosso do Sul. Na época, as informações eram de que ele estava vivendo na cidade de Coronel Sapucaia (MS). Procurados pelo CORREIO, pelo menos 10 moradores da cidade de 14 mil habitantes afirmaram não conhecer Zé de Lessa.

De acordo com o delegado Fábio Marques, da Polícia Federal, após a operação Sapucaia, a PF já tentou prendê-lo no Paraguai, inclusive com ajuda da polícia local. As equipes chegaram a encontrar o local onde ele estaria escondido, mas ele não estava mais lá. 

Desde então, ninguém mais soube de seu paradeiro. As últimas notícias – ainda enquanto rumores – que chegaram foi de que ele estaria com câncer de próstata em estágio terminal. Isso, contudo, nunca foi confirmado. “A gente recebeu a informação de que ele estaria até querendo voltar (para o Brasil), por isso, foi uma surpresa essa ação do Maranhão ter sido noticiada por ele como uma liderança. Mas a gente não sabe se é verdade ou qual seria a gravidade (da doença)”, afirma. A Secretaria da Segurança Pública do Mato Grosso do Sul também negou conhecê-lo. A Polícia Federal naquele estado não divulgou informações sobre uma possível investigação. 

Colaborou Anuska Meirelles, da 13ª turma do projeto Correio de Futuro