Crônica do dia: Meu caro amigo, me perdoe, por favor

Só faltam dois dias de Copa!

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  • Gabriel Galo

Publicado em 13 de julho de 2018 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Roman Kruchinin/AFP

Meu caro amigo que odeia a Copa, em verdade lhe digo, eu tentei não entrar no clima. Lutei, arduamente. Reforçava mentalmente a pauta FIFA corrupta, CBF idem, jogadores alienados. Ficava pensando na situação do Brasil, na economia, nas propagandas do Tite, na saúde e educação, nas injustiças e mazelas, etc e tal. Procurei cercar-me de todas as fontes de tristeza profunda. Acredite, chafurdei nos comentários de publicações de grandes portais. Fui ao limite, ao fundo do poço: até entrei de novo naquele grupo da família especializado em fake news e bons-dias de gatinho, flores e musiquinhas.

Mas não deu.

E olha que quando a gente empatou com a Suíça na estreia, o alento veio na esperança da eliminação, mesmo que intimamente eu a odiasse com todas as forças. Hoje eu não sei dizer como é que eu fui parar com o rosto pintado com a bandeira do Brasil, nem como eu arrumava as desculpas necessárias para assistir a Irã e Marrocos. Deve ter sido tudo isso junto, que crescendo, crescendo e me absorvendo, e de repente eu me vi assim, completamente dela, da Copa.

O inimigo era poderoso demais. Não haveria de haver resistência mal-humorada que sobrevivesse a tanta alegria. Fui engolido pela massa.

Eu via as ruas sendo pintadas no meio da competição, e pensava, “tá tendo Copa”. Acompanhava as discussões de como cada um andava no bolão e lamentava eu ter demorado para entrar. No trabalho cada um escondia seu aparelho de ver o jogo, o segredo mais conhecido de qualquer repartição. Nos dias de jogos do Brasil, então, aquela algazarra pré-jogo, o trânsito, o buzinaço… Ah, que maravilha!

Quando Cueva perdeu o pênalti, fiquei triste por ele. Quando o VAR era chamado, eu era quase uma criança atraído à tela da TV assim como o árbitro era atraído à sua. Suspense! Tensão! Quando Mina dançou suas danças quebra-espinha, rebolei junto, principalmente contra a Inglaterra. Indignei-me com a injustiça da eliminação de Senegal por cartões amarelos, ora, onde já se viu? Quando Cristiano Ronaldo enfrentou sozinho a Espanha e sapecou três em performance histórica, admirei o craque. Pasmei-me embasbacado quando Pavard pegou de fora da área aquele chutaço contra a Argentina. Fiquei enternecido e comemorei junto o gol de Baloy pelo Panamá. E ainda contra a Inglaterra! E não vou nem entrar na linha dos memes e piadas da Copa, porque senão entro numa crise de riso interminável. E, sim, mandei a capivara do hexa no seu Whatsapp como provocação.

Perceba o cardápio completo de emoções! Como negar algo tão poderoso?

Ok, ok, sou um fraco, talvez. Deixei-me influenciar em meio a um barco afundado. Está lá o Titanic afundando e eu tocando violino. Mas tente entender o meu lado.

Eu estava ali, quieto mas apreensivo. Seleção travada contra a Costa Rica. Pressão, vai não vai. Daí o Coutinho, já nos acréscimos, chuta o balde. Quando eu me dei conta, eu pulava abraçado com o vizinho, jogando cerveja pro alto, gritando gol de ficar rouco. Estou até hoje sem voz. E como para quem já está no inferno é melhor abraçar o capeta, dei até um beijo na testa do cabra e ginguei ao som do Olodum imitando um Boneco de Olinda.

Depois da decepção de ver a Seleção Brasileira se despedir, ficam lições aprendidas.

Sim, sim, você estava certo, meu caro amigo desalmado. Tivesse eu ficado longe desta balbúrdia, nenhuma frustração tomaria conta de mim. Concordo inteiramente. Mas percebi que fugir de sentimentos te deixa fechado para as grandes surpresas e alegrias da vida. Futebol é integração, é interação, é elo, é aproximação. Não é isolamento. Prefiro sentir, doer, chorar, sorrir, gargalhar, construir empatia, confortar, galhofar. Prefiro viver.

Depois que estes seus argumentos anti-Copa têm mais furo que peneira velha. Qual argumento? Ora, qualquer um. Nada do que você fala faz sentido. Carece de lógica. Começa em algo e vai dar em lugar nenhum. Regride, portanto.

Mais do que isso, meu caro amigo, você possui a arrogância de se fazer moralmente superior, senhor da retidão e correção. Aprendi que de gente como sua senhoria eu quero é distância. Daqui de baixo mando uma banana para você aí de cima. E me perdoe, por favor, de no frigir dos ovos sentir até um pouco de vergonha de, em algum momento, ter sequer assentido com sua ladainha macambúzia e sorumbática.

Agora me dê licença que faltam dois dias, só mais dois jogos!, e, como num sonho, tudo será passado. Vou com espírito desarmado para aproveitar este tanto que resta ao máximo.

A você e a todo o seu pessoal, adeus.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo.