Diretora baiana fala sobre nu artístico de mulheres com mais de 60: 'Muito amor'

No documentário Nuas e Cruas, Mariana Ayumi, 21, reflete sobre corpo, nudez e feminismo

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  • Da Redação

Publicado em 15 de fevereiro de 2020 às 06:20

- Atualizado há um ano

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Surpresa, alegria e vergonha. São esses as três coisas que a fotógrafa e diretora baiana Mariana Ayumi, 21 anos, sentiu ao ficar diante de duas mulheres com mais de 60 anos que se dispuseram a participar de um nu artístico para o documentário que ela vinha preparando há quase quatro anos.

Contraditórios, os sentimentos talvez dêem conta da mais intensa experiência vivida por Ayumi até então. “Foi o dia mais bonito da minha vida. Acho que essa mistura de sensações aconteceu porque eu não tinha a expectativa de ser algo realmente belo, não existia esse glamour em torno da velhice no meu imagético social. A sociedade fada o envelhecimento à feiura, ao descaso, e o que eu vi ali, era exatamente o contrário”, conta.

Parte do que a diretora viu está nas fotos que ilustram a reportagem de capa desta edição, que trata sobre sexo aos 60. O filme de Ayumi, no entanto, não é focado nisso.

“Nuas e Cruas é sobre mulheres e sua relação com seus corpos nus em sua subjetividade, para com sociedade e ao longo da história da arte, sempre respeitando o local de fala de cada uma delas. O diferencial é que é um documentário artístico que parte da minha visão como fotógrafa, e de como eu entendi e mudei essa reflexão sobre a nudez ao longo dos anos através dessas mulheres e suas histórias”, explica a diretora, que antes de estar atrás das câmeras, atuou como modelo em alguns trabalhos profissionais. (Foto: Matheus L8/ Divulgação) Quem vê ela falando assim, até esquece que ela só tem 21 anos, e que a primeira cena do filme foi gravada quando ela tinha 17, com uma máquina Cybershot, presente de seu pai, que custou menos de R$ 300.

As últimas cenas, que incluem as fotos do ensaio com as mulheres de 60, e também as fotos desta página - em que a própria diretora aparece despida sobre os trilhos que levam ao mar da Baía de Todos-os-Santos - foram feitas em julho do ano passado, um mês antes do lançamento oficial do documentário, em São Paulo. Para elas, Ayumi conseguiu alugar um equipamento avaliado em R$ 16 mil.

Amadurecimento Mais que a preocupação técnica, perceptível no resultado final, o processo é revelador do “amadurecimento forçado” da jovem diretora, que chegou a pensar que tinha um filme pronto em 2018. Questões de ordem pessoal, no entanto, fizeram ela reavaliar tudo que tinha feito até então.

“Passei por um processo depressivo, enfrentei problemas com meu corpo, e me sentia uma hipócrita em fazer um filme no qual eu falava de outras mulheres exatamente sobre isso. Além disso, o filme me parecia de um feminismo excludente, e até individualista, porque parecia um filme para mim, sobre mim. Só que nunca foi isso, ele só é por causa de outras mulheres”, explica.

Foi esse sentimento incômodo que fez ela buscar outras mulheres, diferentes daquelas que já tinha fotografado até então. “Sentia falta de mulheres mais velhas, com uma experiência de vida maior, que pudessem estar ali falando de seus corpos também”, destaca.

Depois de procurar muito, chegou a fechar com seis mulheres com mais de 60 anos a participação em um ensaio nu coletivo. No dia, no entanto, só apareceram duas, as mesmas que conversaram com nossa reportagem e toparam, junto com a diretora, publicar suas fotos sem tarjas ou qualquer outro tipo de edição."Se você ficasse nua daquilo que você tem mais medo de se despir?" , questiona Mariana AyumiQuem aparece sorridente e com as pernas cruzadas na foto de capa é a estudante Rosangela Souza, 62, que depois de se formar administradora e trabalhar por anos no serviço público, agora estuda Gastronomia - sua quarta formação acadêmica, depois de também passar por Artes Visuais. A outra “senhora”, que está na foto interna, é a professora universitária Ana Beatriz Factum.

“Quando me vi diante delas, cheguei a dizer: ‘Meninas, eu não sei fazer isso’. E Bia me respondeu: ‘Vamos aprender juntas’”, recorda Ayumi.

Ainda que incomodadas com pequenos traços da velhice, como rugas e cicatrizes, as duas sabem que a juventude, a velhice, ou o que quer que seja, está dentro da cabeça de cada um.

"Para realizar esse filme conheci uma centena de mulheres, parei diversas vezes por não ter as 'condições adequadas' de filmar. Mas filmei, editei, produzi sem nem saber o que estava fazendo, por que em um momento eu percebi que toda essas centena de mulheres eram extraordinários demais para não valerem a pena", afirma Mariana.