Ex-membro da máfia italiana é preso por tráfico de drogas em Salvador

Lelio Paolo Gigante, 84 anos, falsificou documentos por décadas para a Cosa Nostra; atualmente, testava pureza de cocaína em Salvador

  • D
  • Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2018 às 02:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução
.

Quem passava pela Ladeira dos Aflitos, no Dois de Julho, em Salvador, não desconfiava que o velhinho Lelio Paolo Gigante, 84 anos, escondia um grande e antigo segredo. Por trás da loja de joias que dizia manter no Centro de Salvador estava, na verdade, o polo de uma organização criminosa envolvida com tráfico de drogas internacional. O local era usado, na prática, como um laboratório de refino de cocaína, onde Lelio testava a pureza da droga antes de enviá-la para o exterior. Lelio Paolo Gigante foi preso nesta terça-feira (4), aos 84 anos, na Ladeira dos Aflitos (Foto: Reprodução) Lelio Paolo Gigante, preso nesta terça-feira (4) pela Operação Sicília da Polícia Federal (PF), é um mafioso, ex-integrante da Cosa Nostra, a principal organização da máfia da Sicília, na  Itália. De acordo com a PF, o brasileiro era parceiro de Tommaso Buscetta, um dos ex-líderes mais conhecidos da organização. 

Na Itália, ele era responsável por falsificar os documentos dos integrantes da associação, mas a ficha criminal de Lelio é gigante. Ele também é apontado oficialmente como responsável pela morte de dois policiais colombianos, na década de 1960, e acusado de estuprar e degolar uma adolescente de 14 anos, na cidade de Penedo, no Rio de Janeiro, em 1980. Lelio chegou ao Brasil na década de 1970 e ficou um tempo fora do olhar da polícia. 

A Operação Sicília, que terminou o prendendo, foi deflagrada nesta terça-feira (4) em Salvador. Foram expedidos 17 mandados de prisão e nove de busca e apreensão para a capital, Região Metropolitana e interior. Outros seis suspeitos foram presos e dez  estão foragids. Foram apreendidas 43 cápsulas de cocaína. 

Dentre os 17 envolvidos, quatro são estrangeiros: um italiano, um esloveno, um croata e um alemão. A operação abrangeu  Lauro de Freitas, Itaparica e Jequié, além da capital, e teve suporte das polícias italiana e americana.

Laboratório Dois episódios chamaram a atenção dos policiais federais baianos para a organização encabeçada por Lelio. Um deles aconteceu em 2013, quando um laboratório de refinamento de cocaína foi desmontado em Busca Vida, em Lauro de Freitas. No local, foram apreendidos cerca de 180 quilos de cocaína. O laboratório de refino funcionava em um condomínio de luxo.

O segundo episódio ocorreu três anos depois, no fim de 2016, quando uma pessoa foi presa com cocaína de grau de pureza de 94,4%.“Isso chamou a nossa atenção para a possibilidade de a organização ter voltado a atuar aqui na Bahia depois do desmonte em Busca Vida, e aí começamos a investigar”, explicou o delegado da PF Fábio Marques, à frente da investigação. Delegados Fábio Marques e Daniel Madrugada, da Polícia Federal na Bahia, detalharam a operação (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) O negócio O grupo era encabeçado por Lelio Paolo Gigante. O negócio se baseava na venda de cocaína com alto grau de pureza. O papel dele, além de fazer o contato entre criminosos na Europa e fornecedores no Brasil, era de atestar a qualidade da droga. Para isso, testes químicos eram realizados por ele em seu laboratório na Ladeira dos Aflitos.

De acordo com a PF, com uma porcentagem acima de 90%, a droga já é considerada pura. Apreensões anteriores encontraram pureza de 94,4%. O objetivo de Gigante era chegar a 95%.“A explicação é que a droga mais pura é mais cara. Eles priorizavam a qualidade em detrimento da quantidade”, disse o superintendente da PF na Bahia, Daniel Madruga.O caminho da droga Até chegar à Europa, a droga atestada por Lelio percorria diversos caminhos - e passava pelo estômago de muitas pessoas, as “mulas”. Elas engoliam cápsulas com cocaína e viajavam de Salvador para Portugal, entrada na Europa.

O início da trajetória se dava na Bolívia e no Peru. Depois, a droga chegava ao Brasil e seguia para os estados. Na Bahia, a cocaína era enviada para depósitos mediados por facções. Intermediários faziam a ligação dos depósitos com Gigante, para o “teste de qualidade”. Então, a droga era embalada em cápsulas e engolida.

A Polícia Federal não tem estimativa da quantidade de droga que foi enviada para o exterior ou a quantidade de dinheiro que foi movimentado pela organização. O único dado divulgado foi que Gigante tem um patrimônio de R$ 5 milhões, que eram “lavados” através da compra de terrenos e imóveis comerciais e residenciais. Em Salvador, as propriedades estavam no Centro. Somente um terreno à venda no Rio de Janeiro totalizava R$ 2 milhões.

Um laudo emitido pela PF atesta que, com a quantidade de imóveis que Gigante possui, ele não teria a capacidade de acumular tal quantia de bens. “A suspeita é que todo o montante encontrado seja proveniente do tráfico. Apesar do dinheiro, ele vivia uma vida simples. Ele morava com uma filha brasileira e tinha outros dois filhos que residem na Europa. Os três não têm envolvimento com o tráfico”, afirmou Daniel Madruga. A quantia deve ser confiscada.

[[galeria]]

Operação Durante a ação desta terça (4), houve três flagrantes. Em um deles, 10 quilos de cocaína foram apreendidos em uma casa no Trobogy, prontos para ser engolidos. O brasileiro dono do imóvel, que não teve o nome divulgado, foi localizado em Arembepe. 

Ao ser abordado pela PF, ele tentou fugir e acabou colidindo com um ônibus. Ele ainda tentou escapar pedindo carona de um caminhão, mas acabou preso. No carro dele também foi encontrada cocaína. Um esloveno foi flagrado com uma arma e um italiano foi encontrado em Itapuã com cocaína. 

Entre os 10 foragidos estão um croata que a polícia acredita estar na Europa, e um alemão que também teria retornado para a Europa, mas que pode estar morto. Pelo menos duas pessoas eram do PCC e atuavam na Bahia mediando a compra da droga.

*Colaborou Maria Clara Gibson, integrante da 13ª turma do programa Correio de Futuro, com supervisão da editora Mariana Rios