Famílias criam estratégias para manter a segurança e avós voltam a exercer seu papel

Aquele abraço que é muito mais que só um abraço

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  • Laura Fernades

Publicado em 6 de dezembro de 2020 às 11:00

- Atualizado há um ano

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A pandemia tirou o abraço de muita gente, principalmente dos avós que estão no grupo de risco. Mas chegou um momento em que as chamadas de vídeo não dão mais jeito na saudade. O que fazer? Vale tudo na hora de se reaproximar dos entes queridos: até capa de chuva. Foi assim que a família da dona de casa Nalva Simoni, 79 anos, diminuiu a distância do isolamento.

“Estava me sentindo muito só, eu e meu marido. E era aniversário dele, 80 anos, e meu filho mais velho resolveu comprar uma danação de capa”, gargalha Nalva, sobre a comemoração diferente. Filhos, netos e parentes próximos vestiram capas de chuva, máscaras e foram celebrar mais um ano de vida do patriarca. “Foram quase três horas se abraçando e chorando”, lembra, emocionada.

A última vez que o neto Matheus Simoni, 27, tinha abraçado um deles tinha sido antes da pandemia, em meados de fevereiro. A família costumava se reunir aos finais de semana para passar um dia à beira da piscina, “tomando uma cachacinha” ou curtindo “um churrasquinho”. Mas com a quarentena, foram obrigados a suspender os encontros e adotar o meio virtual para se ver.

“Ajuda um pouco, mas não é a mesma coisa. Sinto falta de abraçar, do contato, de ficar de dengo e jogar conversa fora na rede”, conta o jornalista que, por causa do trabalho na rua, seguiu à risca os protocolos de segurança e se isolou dos avós. “Estava com muito medo de encontrá-los. Não queria de jeito nenhum ir no aniversário de meu avô”, confessa.

 Caos Até que se convenceu que o risco era mínimo. Tanto que a dose foi repetida no aniversário da avó. “Devo ter um Top 5 de dias mais felizes da minha vida. Com absoluta certeza, esse é um desses dias”, comemora Matheus, sobre o primeiro dos encontros. “Mesmo que ‘ensacado’, abraçar meu avô naquele dia foi uma das coisas mais felizes que poderia acontecer comigo em meio a todo esse caos”, lembra. O jornalista Matheus Simoni usa capa de chuva para abraçar a avó Nalva, 79 (Foto: Acervo pessoal) No aniversário da avó, semanas depois, a família repetiu a dose. “Estava sentindo falta desse aconchego dos netos”, confessa Nalva. “Ser avó é a melhor coisa do mundo, porque o filho você ama também muito, mas tem que educar. Neto, não: você pode mimar”, gargalha. “Pena que queria ser bisa, mas já me disseram que vou ter que procurar em um orfanato”, completa, rindo.

Foi assim que Nalva conseguiu uma dose a mais de fôlego para enfrentar a quarentena. Afinal, seu histórico de sete AVCs pede protocolos rigorosos. “Aqui no prédio todo mundo me vigia, não posso dar um passo”, conta a dona de casa. “Vai fazer 20 dias que tive uma paralisia facial, mas ninguém vê por causa da máscara”, ri, sobre a “parte boa” de seguir os cuidados à risca.

 Bisa Ao contrário de Nalva, a dona de casa Rita Fernandes, 85, conseguiu aproveitar o papel de avó duas vezes. Mas só depois dos 4 meses de vida de Vicente, filho de sua neta Letícia Gagliano, 30. Farmacêutica, Letícia suspendeu o contato com a avó quando seu primogênito nasceu e, por conta da pandemia, demorou para reunir os dois. 

O sofrimento era duplo, afinal a neta morria de saudades de Rita, com quem morava antes de casar. “Estava bem rigorosa quantos aos protocolos, mas ouvir da minha avó que Vicente era o maior presente que ela poderia ter recebido e ele já tinha 4 meses... Deixava meu coração apertado”, conta Letícia. Então, o primeiro contato foi à distância, com máscaras “e muitos receios”.

Com o tempo, esse contato foi aumentando e agora Rita já passa o dia com o bisneto, carrega no colo, ajuda a dar banho e comida. “É lindo ver a felicidade dela com esses momentos”, comemora Letícia. Mesmo com uso de máscara, ela fica apreensiva com os riscos que ainda existem. Mas decidiu atender ao desejo da avó e minimizar os impactos.

“Minha avó tem 85 anos e saber que ela pode conhecer meu filho, o primeiro bisneto é um presente”, justifica. Se não pudesse conhecer Vicente, Rita não pensa duas vezes na hora de responder. “Ia ficar chocada!”, gargalha. “Não tem palavra para explicar. Uma felicidade, um amor tão grande. Ave Maria, nasci de novo, me fortaleceu, me deu mais vida. A coisa melhor que tem é ser avó e bisavó”, vibra.

Mesmo preenchida com a presença do filho e do neto que moram com ela – pai e irmão mais velho de Letícia –, Rita diz que a alegria de uma criança em casa não tem preço. Vicente molhou o chão no banho? “Não tem problema, ele pode!”, ri a bisa. Questionada se tem medo de ficar doente, não hesita: “Já vivi o que vivi, o resto pra frente é lucro. Ficar com medo atrai o que não presta. Só peço, a Deus, misericórdia”.

Socialização gera saúde e bem-estar

“A necessidade de socialização vem do nosso instinto animal”, afirma o psiquiatra Cássio Silveira, especialista em psicogeriatria pela USP. “Nas nossas raízes evolutivas, somos animais sociais e atender a essa necessidade de socialização se faz fundamental para a nossa saúde e bem-estar”, completa. Confira os benefícios do suporte social e os malefícios da solidão:

Benefícios do suporte social Aumenta níveis de felicidade e otimismo  Melhora a qualidade de vida  Proporciona maior nível de bem-estar e satisfação em viver  Diminui níveis de depressão e suicídio  Malefícios da solidão Aumento do pessimismo e da baixa autoestima  Maior risco de depressão e de comportamento suicida  Aumento do risco de doença cardiovascular  Aumento de desnutrição  Má qualidade do sono  Maior declínio cognitivo  Maior mortalidade