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Furtos em motéis de luxo viraram modinha entre grã-finos de Salvador

De toalhas a cobertores, de lâmpadas a caixas de som, levavam de tudo dos quartos em 1980. Relembre as medidas para conter onda de casos

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  • Da Redação

Publicado em 7 de maio de 2023 às 05:01

 - Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Jorge de Jesus/Arquivo CORREIO

“De dois ff se compõe esta cidade a meu ver: um furtar, outro foder”, são os versos que abrem o poema satírico ‘Define a Sua Cidade’, de Gregório de Matos, lançado no século 17 e perfeitamente assimilado no século 20 na referida urbe. Prova disso está na curiosa onda de furtos em motéis de luxo de Salvador, que motivou uma reportagem publicada no Correio da Bahia em 9 de setembro de 1980.

Intitulada “Souvenir dos motéis, furto para gente fina que vira uma moda baiana” colocou em xeque a finesse da grã-finada libidinosa da capital, que não aguentava ver cinzeiro, toalha, cobertor e até caixa de som dando vacilo, que já queria botar debaixo do braço.

A reportagem, que não está assinada, mostra a preocupação de alguns donos de motéis badalados, bem como as medidas tomadas por eles e seus funcionários para conter o avanço do crime pós-coito. 

No Le Royale, um dos mais visados pela turma de mão boba e leve, a medida adotada foi “deixar o mínimo de artigos supérfluos à vista para impedir a tentação dos usuários pelos souvenirs”, como contou o gerente geral do motel na época. 

Lembrancinha Mas como se tratava de uma das hospedarias mais caras da cidade, não pegava bem dizer que era reduto de larápios ocasionais, o que fez o gerente tentar ressignificar o ato – logo após sustentar que o Le Royale era o iPhone dos motéis.“Você precisa ver que existem os motéis, e o Le Royale. Então, por aí se pode ver o tipo de pessoas que frequenta. (...) Não é falta de educação. É uma maneira brincalhona de levar uma lembrança. O brasileiro inclusive é conhecido em todo o mundo pela mania de levar as coisas que vê nos hotéis onde se hospeda. Nos motéis fazem a mesma coisa”, justificava.Esse medo da estigmatização também pegou de raspão no dono do Sky. “Não, aqui ninguém rouba mais. Só vem gente fina. Entra, sai, deixa tudo no lugar”, respondeu ele, antes de saber que a onda de furtos só existia em motéis de luxo. 

Avisado, entrou na pauta. “Ah, realmente. Era um roubar que ninguém controlava, levavam tudo. Aí nós tivemos que colocar um aviso nos apartamentos, ameaçando o pessoal de pagar o que sumisse, e redobramos a vigilância. Por isso, ninguém rouba mais. Primeiro lê o aviso. Se facilitar, cai nas mãos da revista. Quem está doido de roubar nada?” Tirinhas com causos contados por moteleiros ilustravam reportagem de setembro de 1980 (Foto: Reprodução/Arquivo CORREIO) Pra quem sobrava Um dos itens mais visados eram as toalhas, mesmo com a maioria delas vindo com o nome do motel bem grande – segundo a matéria, não era raro vê-las sendo estiradas nas praias. “O motel Tocaia, que se orgulha de ser o primeiro de Salvador, está ‘com as mãos na cabeça’. A reposição semanal de toalhas já está em mais de 40”.

E como sempre, a corda sempre arrebenta do lado fraco. “Quem paga o pato na maioria das vezes somos nós, os empregados”, se queixava o então gerente do Tocaia. “Porque é o seguinte: quem tem obrigação de tomar conta dos pertences do estabelecimento são os empregados. E se a gente deixa esse pessoal chegar assim e levar tudo, o que vai ficar? O motel acaba. Então, o empregado é que sofre o prejuízo. Esse pessoal que leva as coisas parece que não tem consciência”, chiava, repetindo a filosofia patronal.

“Diversas vezes levaram as caixas de som dos apartamentos. Arrancaram e deixaram o buraco na parede. Dos banheiros, costumam arrancar a pia, o chuveiro, tomadas, e não deixam nem uma touca de banho”, dimensionou o gerente, que aprendeu a ficar na tocaia do Tocaia para não marcar touca.

No motel Big’s, o dono também não queria falar muito do assunto “para não aumentar a onda”. No entanto, foi o autor de uma das medidas mais fortes para contê-la. “Organizou uma lista com a chapa dos carros do pessoal que rouba, e com o nome dos que passam cheque sem fundo. ‘E essa lista a gente distribui entre todos os motéis para na hora em que o cliente pintar novamente, ser reconhecido’”, contava ele, antes de explicar que suas toalhas eram “de primeira qualidade de veludo, no valor de Cr$ 800 cada uma. E a diária no motel é de Cr$ 500”.

Cara dura Gatuno confesso, um instrutor de Educação Física contou que tinha uma coleção particular de 43 cinzeiros de motéis. “E veja bem, nenhum é duplicata. Porque todas as vezes que tenho um igual ao outro dou para uma colega de trabalho”, gabou-se o rapaz, antes de classificar como “desrespeito” as medidas tomadas por moteleiros para não serem mais lesados. “O Hotel Placaford chegou ao cúmulo de colocar uma lista de preços na porta do quarto. Se o cara levar a toalha paga Cr$ 300. Um cinzeiro Cr$ 150. O lençol tanto, o cobertor tanto. Ora, eles deviam ter mais respeito com o cliente e, se quisessem fiscalizar, que fiscalizassem”, protestou.Algo próximo dos anseios do cara dura foi feito pelo Le Royale, que arranjou uns souvenirs “nascidos para furtar”, que incluíam uma fita k7 com o famoso jingle do local. Este virara um dos maiores hits da carreira de Maria Bethânia: “Cheiro de Amor”, com letra de Duda Mendonça e música de Paulo Sérgio Valle, fora gravada pela primeira vez em 1979. 

Os itens antifurtos também incluíam toalhas com o nome do motel, chaveirinhos e até sabonetes com formato de bumbum.

Mas o que mudou de lá para cá, fazendo essa onda nunca mais subir? Segundo Daniel Dantas, presidente da Associação Brasileira de Motéis (ABMotéis) na Bahia, novos procedimentos e avanços tecnológicos foram decisivos. “A tecnologia avançou bastante e contamos com aparato de segurança que protege tanto nosso colaboradores quanto nossos clientes”, explica o dirigente, que cita de cerca elétrica com central de alarme a monitoramento por câmeras nas áreas comuns e corredores internos, tudo dentro de um protocolo de segurança bem planejado. Agora, fodeu de vez para quem for furtar.