Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Com pouco poder de reduzir preços, medida deixa para presidente desgaste pela greve dos caminhoneiros
Jairo Costa Jr.
Publicado em 30 de outubro de 2021 às 07:00
- Atualizado há um ano
Com o país em pé de guerra por causa dos sucessivos reajustes da Petrobras e diante da iminência de uma nova paralisação dos caminhoneiros, os governos estaduais decidiram, em reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) realizada na sexta, congelar o ICMS sobre os combustíveis por 90 dias. A medida, no entanto, tem maior impacto político do que eficácia para conter o galope no preço do diesel e da gasolina.
Ao anunciar a decisão do Confaz, o Ministério da Economia destacou que o objetivo é tentar controlar os aumentos frequentes dos combustíveis. Atualmente, o valor pago pelo consumidor é calculado de 15 em 15 dias pelos estados, a partir do que se vende nas bombas. Com a medida, o cálculo do ICMS, baseado no chamado Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF), ficará congelado até 31 de janeiro de 2022.
Em síntese, a Petrobras pode reajustar seguidas vezes o preço da gasolina e do diesel até o fim dos próximos três meses, mas o imposto recolhido pelos estados sobre o litro dos combustíveis permanecerá sem alterações. O problema é que o ICMS compõe somente uma parte do valor final ao consumidor, numa cesta que inclui ainda a fatia da Petrobras, os tributos arrecadados pelo governo federal e as margens de lucro das distribuidoras e revendas (veja infográfico acima).
Para tornar mais claro ainda a pouca eficácia do congelamento, não é o ICMS quem dita a dinâmica de preços praticados pela Petrobras, e sim a cotação do petróleo no mercado internacional e do dólar frente ao real. Se ambos sobem, a estatal automaticamente repasse esse acréscimo para cadeia do negócio, que começa nas distribuidoras e acaba no bolso do consumidor, sem que os governos estaduais tenham qualquer controle.
A princípio, a alavanca para a alta da gasolina e do diesel é o real perdendo valor gradativamente. Nessa curva, a moeda americana subiu cerca de 30% em 2020, mais 9% este ano. Na sequência, o petróleo tipo Brent atingiu, em setembro passado, a maior cotação em três anos. Em média, o barril está em cerca de US$ 84, de acordo com as variações mais recentes do mercado.
O impacto da variável formada por dólar alto e petróleo mais caro sobre o preço dos combustíveis se deve à política adotada pela Petrobras desde 2016, quando passou a praticar o chamado Preço de Paridade Internacional (PPI), que se orienta pelas flutuações do mercado externo.
Em meio à pressão crescente de consumidores e categorias diretamente afetadas, como os caminhoneiros, estatal e o governo federal vem tentando, ao menos nos últimos três meses, aliviar o efeito negativo do aumento em série. A solução improvisada foi amortecer o impacto com reajustes em intervalos maiores - o que tem se mostrado de baixa efetividade.
Em entrevistas às principais agências de notícia e portais jornalísticos, economistas ouvidos foram unânimes em afirmar que o congelamento, sem dúvida, representa um alívio que, além de temporário, é pequeno. “O ICMS incide sobre essa cadeia de componentes. Se você trava o ICMS, ótimo. Ele vai parar de variar. Mas não quer dizer que o resto não varie. Se a Petrobras aumentar o preço na refinaria, ele vai aumentar na bomba. Só não vai aumentar o ICMS”, disse Walter de Vitto, economista da Tendências Consultoria, em entrevista ao G1.
Presidente x Estados
Diante do pequeno efeito da decisão conjunta do Confaz sobre o ICMS, fica claro que a iniciativa é mais reação política do que medida com capacidade de mitigar a curva de alta dos combustíveis. Para entender bem esse componente, é preciso recuar ao início do ano, quando o governo Jair Bolsonaro começou a culpar os estados pelo salto da gasolina e do diesel, como tática para escapar do desgaste gerado pelo preço nas alturas. De lá para cá, o presidente tenta colocar o ICMS como grande vilão.
O tom de resposta política fica mais evidente com a posição do secretário estadual da Fazenda, Manoel Vitório, após a decisão do Confaz. “O congelamento dos preços de referência é um gesto de cooperação por parte dos estados. Mas o ICMS, como demonstram os especialistas, não é o fator que leva à alta de preços”, disse.
“Espera-se medidas concretas por parte da Petrobras, já que a política da empresa é um equívoco, ao não levar em conta sua produção de combustível no Brasil, indexando seu preço às oscilações do mercado e ao câmbio”, emendou Vitório, ao criticar também a capacidade ociosa nas refinarias da estatal.
Medida é insuficiente para frear caminhoneiros
Sobretudo porque líderes dos caminhoneiros já deixaram claro que consideram a medida insuficiente para reduzir o preço do diesel e que estão decididos a levar a greve adiante. Para representantes da categoria em todo o país, de nada adianta congelar o ICMS e manter a política de preços da Petrobras.
Em suma, avaliam que a medida servirá apenas para impor perdas de arrecadação aos estados, enquanto os lucros dos acionistas da Petrobras continuarão blindados. Ao longo da sexta-feira, caminhoneiros dos mais diversos estados se mantinham irredutíveis sobre greve.