Já dá para saber quando essa onda de covid vai passar? Alta de casos traz incertezas

Na África do Sul, casos de ômicron já reduziram, mas metade da população mundial deve ser infectada até março, segundo projeção da Universidade de Washington

Publicado em 15 de janeiro de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil

Numa mesma semana, uma série de anúncios: redução de público em eventos, obrigação de passaporte vacinal para frequentar bares e restaurantes e uma grande leva de cancelamentos. O aumento de casos de covid-19 na Bahia e no Brasil levou à volta de medidas de restrição, como as que têm acompanhado a população nos últimos dois anos.

O resultado não surpreende, diante de uma soma de componentes favoráveis à disseminação do Sars-cov-2: festas de fim de ano, flexibilização das restrições sanitárias e a variante ômicron, que aportou no Brasil no mês passado. Mas, depois de um segundo semestre de queda crescente de infecções devido ao alto número de vacinados, é natural que uma dúvida cresça na população: quando isso terá fim? Já é possível calcular quando essa nova onda de infectados deve começar a diminuir?

Parte das notícias que vêm de outros países são positivas. A África do Sul, primeiro país a identificar a cepa, ainda em novembro, informou na última semana de 2021 que havia superado a nova onda por lá. Segundo as autoridades locais, a queda acentuada nos registros foi tão rápida quanto o aumento de casos. Enquanto isso, no Reino Unido, as autoridades de saúde começaram a notar uma queda nas internações.

Por outro lado, as projeções de centros de pesquisa têm proporções inéditas. As estimativas do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, são de que o Brasil deve chegar a ter dois milhões de casos de covid-19 por dia, no início de fevereiro. Em todo o mundo, mais de três bilhões de pessoas devem ser contaminadas pela ômicron até março. 

Por isso, os pesquisadores ouvidos pela reportagem são unânimes: ainda não dá para dizer qual será a duração desse novo pico no Brasil.“A gente não tem essa noção. Estamos vivendo um momento difícil, de aprendizado. O que a gente pode esperar é que novas cepas vão surgir, porque os vírus fazem mutação mesmo”, pondera a infectologista Nanci Silva, professora da Escola Bahiana de Medicina.“A vacina tem sido efetiva para diminuir casos de gravidade, mas a gente não tem capacidade de fazer previsões. Acho que elas são infelizes. Temos que aprender a viver com o que está acontecendo”, acrescenta. 

Tempo  Desde dezembro, os casos de covid-19 vêm aumentando na Bahia. De acordo com o infectologista Victor Castro Lima, professor do curso de Medicina da UniFTC, o crescimento é um reflexo de fatores que vão desde a flexibilização das medidas de restrição e das aglomerações no final do ano quanto a introdução da variante ômicron no país. 

Esta semana, o Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen) informou que identificou 12 amostras da cepa ômicron no estado. No entanto, essas amostras foram todas do mês de dezembro, não incluindo os primeiros dias de janeiro. 

De forma geral, o Brasil não tem uma estrutura de vigilância genômica para sequenciar amostras do vírus em larga escala, o que prejudica o acompanhamento das variantes em um tempo menor. Ainda assim, pelo perfil das infecções agora, os especialistas atribuem o crescimento à nova linhagem.“Eu colocaria ainda uma outra questão, que é a velocidade da vacinação, que certamente reduziu no final do ano. Consequentemente, os anticorpos das pessoas vacinadas acabam ‘envelhecendo’, para usar um termo mais simples, e essa imunidade acaba reduzindo”, explica. “Essas são as condições perfeitas para o aumento do número de casos de covid-19 junto com outros vírus que vão surgindo”, completa. Em dezembro, a Bahia e outros 12 estados solicitaram ao Ministério da Saúde que suspendesse temporariamente o envio de doses da vacina da Pfizer por duas semanas - justamente o período do Natal e do Réveillon. Como uma reportagem do CORREIO mostrou, na ocasião, a decisão na Bahia foi motivada porque havia estoque suficiente de doses para enviar aos municípios - ao todo, 1,4 milhão de vacinas estavam paradas. No caso da Pfizer, quando os imunizantes deixam os ultrafreezers, o prazo de validade passa a ser de 31 dias. 

A principal razão por trás do estoque era o alto número de pessoas que não havia completado o esquema de vacinação. Na ocasião, ao menos 1,5 milhão de pessoas estavam com a segunda dose em atraso (dessas, mais de 900 mil eram da Pfizer) e outras 900 mil poderiam ter tomado a terceira dose mas ainda não tinham ido ao posto. Atualmente, os atrasados com a segunda ainda estão na casa do 1,5 milhão e outros 2,5 milhões não receberam o reforço, segundo a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab).  

Mas, como lembra o infectologista Vitor Castro Lima, as ondas anteriores no Brasil demoraram, em média, dois a três meses com os números elevados de casos de covid-19. No entanto, a duração dessa alta provocada pela ômicron depende, principalmente, do comportamento da população com relação à própria doença. 

“É uma onda diferente, porque você observa o número de casos, mas os casos graves e mortes não estão aumentando na mesma proporção. Com certeza, é um reflexo da vacina. Mas a gente não sabe se o comportamento das pessoas ou até mesmo as medidas de restrição do governo vão ser mais flexíveis. Isso pode estender esse aumento, porque as pessoas começam a perder o medo da covid. E essa é uma preocupação”, reforça. 

Sazonalidade  Embora, desde o começo da pandemia, a população tenha visto diferentes ‘ondas’, com altas de casos, ainda não se deve falar de sazonalidade da covid-19, como explica a pneumologista Rosemeri Maurici da Silva, membro da Comissão Científica de Infecções Respiratórias da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). “A sazonalidade ocorre em todos os meses do ano, independente da estação. Como se falava para a Influenza, ela ainda não pode ser um conceito adotado para a Covid-19, principalmente a ômicron”, diz. São dois vírus - influenza e coronavírus - com comportamentos diferentes até então. Enquanto a influenza provoca uma doença que há convive com a humanidade há séculos, 0 Sars-cov-2 é muito mais recente. Para o infectologista Victor Castro Lima, a influenza já teria tempo para ter um comportamento mais natural. 

“Tem estações do ano em que ela é mais predominante, que já é esperado ter algum surto de influenza. Com a covid, isso ainda é muito precoce. Considero que o comportamento está relacionado principalmente ao comportamento da população e das medidas restritivas importantes”, reforça. 

Mesmo em países da Europa, onde costuma acontecer aumento de casos nos meses do inverno, a situação não seria necessariamente relacionada à estação em si, mas ao comportamento que deriva dela: nos períodos mais frios, as pessoas tendem a ficar mais tempo em lugares fechados, que são menos ventilados. 

Apagão  Outra situação tem sido apontada como um problema para a situação do Brasil ter demorado tanto a ter algum resposta das autoridades: o apagão de dados que o Ministério da Saúde sofre desde o início de dezembro, quando os servidores do órgão foram vítimas de um ataque hacker. Nas últimas semanas, gestores e pesquisadores relataram instabilidade e dificuldade de acesso a estatísticas que incluem a covid-19 e a gripe. 

“Com os dados, daria para fazer algo antes”, afirma o infectologista Fernando Badaró, professor de Medicina da Unifacs. De acordo com ele, é preciso ir além das medidas que foram anunciadas. Para Badaró, é o momento de se antecipar e pensar até em mais restrições sanitárias. 

Um dos motivos para isso é que a cepa delta, considerada mais agressiva, ainda circula no Brasil. Ainda é um dos temores dos cientistas que, após uma mutação, surja uma variante que misture a ômicron com a delta, criando, assim, uma cepa mais transmissível e mais letal. Essa possibilidade chegou a ser ventilada nas últimas semanas, com uma amostra sequenciada no Chipre que foi até apelidada de ‘deltacron’. 

No entanto, pesquisadores dos Estados Unidos e da própria Organização Mundial da Saúde (OMS) identificaram que se tratava de uma contaminação de laboratório - não uma recombinação. Mesmo assim, essa continua sendo uma preocupação. “A maneira de conter a transmissão crescente é com restrições. Se não existe isolamento social, não existe queda de transmissão. Infelizmente, essa epidemia está fora de controle. A tendência é o vírus ir se adaptando, enfraquecendo cada vez mais ou surgindo cepas mais letais. Não estamos livres disso”, acrescenta Badaró. Parte da comunidade científica em todo o mundo acredita que a ômicron pode representar o caminho para o fim da pandemia, por seu alto índice de infectividade em curto espaço de tempo. 

“No Brasil, ela tem se manifestado como uma doença leve para as pessoas que já se vacinaram. Isso era esperado. Porém, para pacientes que não são vacinados, os casos podem ser graves, como também podem ser graves em pacientes que têm alguma condição imunossupressora ou algum fator de risco para doença mais grave”, diz a pneumologista Rosemeri Maurici da Silva, da SBPT. 

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Epidemia de influenza ainda continua, diz infectologista Ao contrário da covid-19, a gripe tem uma sazonalidade já conhecida dos cientistas. Mas os estudos e dados a respeito do vírus da influenza também indicam que a duração de um surto pode ser variável. Assim, é difícil estimar quanto tempo vai durar essa epidemia de influenza H3N2 que o Brasil enfrenta desde o final do ano. 

Segundo o infectologista Victor Castro Lima, professor do curso de Medicina da UniFTC, ainda que os casos de covid-19 tenham aumentado, os de influenza não diminuíram na prática clínica. Pelo último boletim da Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), divulgado no dia 4, a Bahia teve 259 casos confirmados de Influenza em 2021, com 35 mortes. 

"O que aconteceu no fim do ano foi que a influenza predominou, até superando a covid em alguns locais. Agora temos o aumento da covid, mas não considero que houve redução de influenza. Inclusive, temos casos e co-infecção", diz, referindo-se aos pacientes que se infectaram pelos dois vírus no mesmo intervalo de tempo. Em países anglófonos, isso tem sido chamado de ‘flurona’, em referência ao termo ‘flu’, que significa gripe em inglês. "Cada surto de influenza é diferente. Em 2009, tivemos uma pandemia que durou muitos meses. Mas existem anos mais curtos. Vai depender de cada ano", pondera. Da mesma forma, esses surtos distintos podem ser causados por diferentes cepas. Em alguns anos, a variante predominante será a H3N2, como agora. Em outros, pode ser a Influenza B, ou a H1N1, como na pandemia de 2009. 

"Em anos mais tranquilos, que não tem muitos casos, ela dura dois, três meses. Mas o que acontece é que tem influenza naqueles dois ou três meses e, no restante do ano, são casos muito esporádicos. É diferente da covid-19 que estamos vivendo agora. Apesar de termos enfrentado as ondas, no Brasil, nunca parou de ter caso de covid. Teve a redução no segundo semestre do ano passado, mas eles continuaram existindo", pondera o infectologista. 

Mas nem sempre o que pensamos ser ‘gripe’ ou o que atribuímos aos sintomas gripais é realmente alguma das variantes da influenza. A ‘virose’ do Carnaval, por exemplo, que é uma epidemia sazonal que sempre acontece após a festa, poderia provocada por diversos vírus - da própria influenza ao rinovírus (resfriado),  enterovírus (gastrointestinal), norovírus (que causa diarreia) e o vírus da mononucleose (conhecida como a ‘doença do beijo’).