Lenha na fogueira: Acuado  por denúncias, CPI e rejeição recorde, Bolsonaro xinga Barroso

Presidente também  acusa o TSE sem provas e joga combustível na crise

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  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 10 de julho de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

A panela de pressão que envolve o presidente da República desde que a CPI da Covid acendeu a fogueira da crise política na porta do Palácio do Planalto explodiu no fim da manhã de sexta-feira. Com o governo rodeado por denúncias em série e acuado por índices recordes de rejeição, Jair Bolsonaro cuspiu gasolina sobre a lenha em chamas, ao xingar o ministro do Supremo Luis Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e acusar sem provas a corte de abrigar a fraude nas eleições.

Em conversa com apoiadores que se reúnem frequentemente para ouvi-lo na porta do Palácio da Alvorada, Bolsonaro iniciou a verborragia inflamável repetindo as ameaças sobre a realização do processo eleitoral de 2022. “Não tenho medo de eleições. Entrego a faixa a quem ganhar. No voto auditável. Nessa forma (o modelo eletrônico), corremos o risco de não termos eleição no ano que vem. Porque é o futuro de vocês que está em jogo”.

Na mesma retórica incendiária, o presidente despejou combustível em direção aos institutos de pesquisa. A escolha do alvo não foi aleatória. Na véspera, um levantamento do Datafolha apontou o maior índice de rejeição atribuído a Bolsonaro desde que ele assumiu o mandato - 51% consideram a gestão ruim ou péssima, 21 pontos percentuais acima da primeira sondagem, divulgada em 2 de abril de 2019. Sexta à tarde, o Datafolha noticiava a ampliação da vantagem do seu arqui-inimigo, o ex-presidente Lula (PT), sobre ele: 58% a 31% em eventual segundo turno.

Na narrativa do presidente, os institutos de pesquisa participariam de uma fraude ao lado do TSE para favorecer Lula. “Daí vem os institutos de pesquisas, fraudados também, botando ali o nove dedos lá em cima. Para quê? Para ser confirmado o voto fraudado no TSE. Já está certo quem vai ser presidente no ano que vem. A gente vai deixar entregar isso?”, afirmou, ao dizer também que a “fraude eleitoral está lá no TSE”. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, emendou.

Ofensas

Em consonância com a estratégia de colocar a urna eletrônica sob suspeita, mesmo sem apresentar qualquer prova de manipulação, e defender o voto impresso, o presidente apontou o lança-chamas na direção de Barroso, cujos argumentos contrários à proposta foram alvos de xingamentos. “É uma resposta de um imbecil. Eu lamento falar isso de uma autoridade do Supremo. Só um idiota para fazer isso aí”, declarou, antes de repetir que a fraude  levou à derrota do candidato do PSDB, Aécio Neves, no duelo contra a então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2014. Algo negado pelo próprio tucano.

Bolsonaro atacou ainda os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL), dois dos principais nomes da CPI da Covid, fonte maior de desgaste ao governo por investigar possíveis irregularidades na compra de vacinas. O primeiro foi indiretamente chamado de corrupto; o segundo, literalmente classificado como bandido.

Reações

Em nota, Barroso reagiu duramente aos ataques de Bolsonaro, classificados como “lamentáveis quanto à forma e ao conteúdo”. Disse ainda que a “acusação leviana de fraude no processo eleitoral é ofensiva a todos” os ministros que já presidiram o TSE. “Desde a implantação das urnas eletrônicas em 1996, jamais se documentou qualquer episódio de fraude. Nesse sistema, foram eleitos os presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Como se constata singelamente, o sistema não só é íntegro como permitiu a alternância no poder”, afirmou.

Ao abordar as ameaças sobre a sucessão de 2022, o presidente do TSE também mandou um recado velado a Bolsonaro, após destacar a realização de eleições, na data prevista na Constituição, como pressuposto do regime democrático: “Qualquer atuação no sentido de impedir a sua ocorrência viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”.

O coro de repúdio às declarações de Bolsonaro também foi encampado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). “Não podemos admitir qualquer tipo de fala, de ato, de menção que seja atentatória à democracia ou que estabeleça retrocesso naquilo que, repito, a geração antes da minha conquistou e que é nossa obrigação manter”, assinalou Pacheco. Nos corredores do poder em Brasília, as falas de Bolsonaro na sexta refletem o tamanho da tensão que o ronda, amplificada  pelo receio de um impeachment, pela perda gradual de popularidade e pelo temor de ser carbonizado na fogueira que ele mesmo alimentou.

A semana de um presidente sobre fogo alto:

CPI da Covid - Após dias de intenso cerco no Senado, comissão avança na coleta de informações que implicam diretamente a gestão de Bolsonaro na negociação para compra de vacinas da Covaxin. Novos depoimentos e documentos obtidos pela CPI reforçam a tese de corrupção na Saúde

Recorde de rejeição - Pesquisa divulgada na quinta pelo Datafolha mostra queda substancial da popularidade de Bolsonaro, que aparece com o maior índice de rejeição desde que assumiu o mandato. O instituto apontou também alto desgaste na imagem de presidente honesto, verdadeiro e inteligente

Postura exaltada - Em sucessivas declarações, presidente retoma narrativa de fraude no voto eletrônico, faz ameaças sobre realização da disputa eleitoral de 2022, dispara acusações contra rivais e, em live, diz que ‘caga’ para a CPI da Covid