Literatura

Livro reúne mais de 120 obras do artista visual baiano J. Cunha

O Universo de J. Cunha será lançado quarta-feira (6), no Museu de Arte da Bahia, no Corredor da Vitória, às 19h

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  • Roberto Midlej

Publicado em 4 de abril de 2016 às 13:00

 - Atualizado há um ano

Nascido na Península de Itapagipe em 1948, na Cidade Baixa, o artista visual J. Cunha sempre prestou atenção nas manifestações populares, especialmente na Festa do Bonfim, que acontecia perto da região onde morava.Agora, comemorando 50 anos de carreira, não é difícil notar a influência que aquelas experiências provocaram em seus trabalhos, como reconhece o próprio artista: “Nasci vendo as pessoas nas manifestações religiosas, em lugares como o Monte Serrat. As pinturas e outras criações usadas nas festas me chamavam a atenção. E havia umas coisas que pareciam verdadeiras instalações improvisadas”.J. Cunha reconhece em suas criações influências africanas e indígenas, dos quais descendeMais de 120 criações do artista estão reunidas no livro O Universo de J. Cunha (Corrupio/R$ 80/164 págs.), que será lançado quarta-feira, no Museu de Arte da Bahia, no Corredor da Vitória, às 19h. No lançamento, a publicação será vendida por R$ 60. O livro tem curadoria e organização do pesquisador e artista visual baiano Danillo Barata, 39, também professor da Ufrb (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia).Para Barata, a maior marca das criações de J. Cunha é a presença de uma identidade brasileira nelas: “A brasilidade é muito forte na obra dele. Trata-se de uma obra complexa, em que estão presentes elementos indígenas, portugueses e africanos. Ele é capaz de relacionar todas essas características e acrescentar um colorido marcante. Apesar de suas criações terem um aspecto ‘feliz’, ele coloca o dedo na ferido, aponta as mazelas”.PesquisadoresBarata assina também um dos textos de apresentação do livro. Há também comentários dos pesquisadores Roberto Conduru, Marcello Moreira e Kabengele Munanga acerca da obra de J. Cunha. O organizador do livro ressalta que o artista já era conhecido principalmente por suas obras como figurinista e cenógrafo, já que, durante mais de 20 anos, J. Cunha foi responsável pela identidade visual do Ilê Aiyê. “O livro é para mostrar essa outra faceta de J., como artista visual mesmo”, diz Barata.Família de Vaqueiro - Inspirado em criações do mestre Vitalino, artista pernambucanoJ. Cunha fala comenta a importância do seu trabalho no bloco afro: “No Ilê, nos anos 70 e 80, trabalhei com a juventude da periferia, que queria entender de onde viemos e o que somos. Ali, trabalhei muito a questão simbólica, já que eu era muito interessado em antropologia. Contribuí também nas criações de algumas coreografias”.A aproximação entre J. Cunha e o Ilê Aiyê aconteceu por causa do interesse que o designer tem nos temas de origem africana. “Tenho ascendência banto e meu avô era babalorixá. Então, essa rede de informações que tenho sobre a África é por atavismo. Isso está no meu sangue”, observa J. Cunha.O seu conhecimento sobre cultura africana tornou-se ainda maior após uma viagem que ele fez para Angola, nos anos 80, com amigos como Vovô, presidente do Ilê Aiyê. “Estive lá como pesquisador e a guerra civil me chamou muito a atenção. Vi muito lugarbombardeado e fiquei na selva sem tomar banho porque não podia. Foi uma emoção muito grande ir ao lugar de onde eu descendia”, diz J. Cunha.As criações artísticas mais influenciadas pela memória africana estão em um dos seis capítulos do livro, Áfricas. “Ali, está expressada a relação que J. Cunha faz entre o continente africano e o Brasil”, afirma o organizador do livro.BarrocoA publicação tem ainda mais cinco partes: Barroco Safado, Mutum, Sertão e Luz, Carnavália e Códice. “Poderia ter ordenado as obras por ordem cronológica, mas preferi romper com isso. Afinal, J. trabalha todo dia e desenvolve pesquisas tanto afrobrasileiras como indígenas. Então, me orientei por esse caminho”, explica Barata.Festas - Usa figuras de referência ao povo baiano no seu cotidiano, procurando revelar a diversidade cosmopolita. Usa a influência das antigas pinturas das autênticas festas de lago de SalvadorEm Barroco Safado, estão reproduções de telas de grandes dimensões pintadas por J. Cunha. Uma delas tem, originalmente, 1,4 m x 3 m. O capítulo seguinte, Mutum, é dedicado à produção influenciada pela cultura indígena, já que o artista descende também de índios kiriris.Em Sertão e Luz, estão as obras que fazem referências ao universo sertanejo. Segundo Barata, essa parte remete à primeira exposição de J. Cunha, realizada no Museu de Arte Moderna nos anos 70. É desta parte que saiu a obra Aboio, objeto feito à base de tecido e madeira, que ilustra a capa do livro.Em Carnavália, estão criações ligadas ao Carnaval e à sátira. “Aqui, as pessoas vão notar um deboche que é próprio de Salvador”, diz Barata. PainelNa última parte, Códice, estão reproduzidas 21 telas em tinta acrílica, que, juntas, formam um gigantesco painel de 7 m x 3 m. Segundo Barata, é um inventário da religiosidade brasileira. J. Cunha aprofunda a análise: “Estas imagens utilizam a milenar matriz espiritual africana, que no Brasil a diáspora reconfigurou em panteão, tornando mais forte e rica a fusão de elementos”.Escapulário - Com tecidos usados, fitas votivas e garrafas PET pintadas com figuras populares do Nordeste O artista não esconde sua preferência por pinturas de grandes dimensões: “Gosto muito de telas grandes, a partir de três metros. Tenho uma tendência ao muralismo e por isso pinto em lonas também”.Embora muito influenciado pelo seu passado e suas origens, J. Cunha deixa claro que está de olho no futuro e está aprofundando os conhecimentos na arte digital: “Gosto muito de tecnologia, que nos permite uma nova linguagem . Sei usar o computador, mas não como os jovens fazem. Já comecei a fazer algumas coisas, mas quero o computador apenas como uma ferramenta. Quero dominá-lo porque o resultado não pode ter cheiro de computador. Tem que ter cheiro mesmo é de arte”.