Livro revela perfil transgressor de Nilda Spencer, dama do teatro baiano

Vida da atriz é tema de livro do jornalista Marcos Uzel

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  • Roberto Midlej

Publicado em 18 de novembro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos 1)Nilson de Oliva Cesar; 2) Reprodução

O jornalista e pesquisador baiano Marcos Uzel, 53 anos, amante do teatro local, diz que pertence à "Geração Bofetada", em referência ao primeiro fenômeno de bilheteria do teatro besteirol em Salvador. Isso significa que sua formação como espectador de teatro se deu a partir de meados dos anos 1980, já que a peça da Cia. Baiana de Patifaria estreou em 1988.

Uzel, portanto, não teve a chance de acompanhar o auge de uma das maiores atrizes baianas, Nilda Spencer (1923-2008), já que foi justamente nos anos 1980 que ela diminuiu a frequência com que aparecia nos palcos de Salvador. Isso, no entanto, não impediu que o jornalista se encantasse por ela. Não apenas como atriz, mas por sua personalidade transgressora e sua atuação como feminista, ainda que ela não fizesse disso uma bandeira.

O livro Nilda - A Dama e o Tempo, que Uzel lança nesta quinta (18) na Flipelô, é resultado desse interesse na vida da atriz. "Nilda atuou mais até os anos 80. De 87 a 95, fez vários projetos, mas não nos palcos. Só a vi numa peça pela primeira vez em 1995, em Quincas Berro D'Água, quando reinaugurou a Sala do Coro do TCA", lembra Uzel.  Nilda Spencer com o diretor José Possi Neto (foto: Célia Aguiar) Uzel começou a escrever sobre teatro no jornal Bahia Hoje, nos anos 1990 e foi nessa época que conheceu Nilda, que era conhecida como "prefeita de Salvador" e era uma grande anfitriã da cultura baiana, segundo o jornalista. Esse papel, ela já exercia décadas antes, como observa Uzel: "Na casa dela, no Corredor da Vitória, João Gilberto tocou para ela, Caetano, Gil, Bethânia, Gal, Vinicius... Ela realizava saraus e promovia a Rota Bahia By Night, que inventou com Regi Catarino, uma musa da época".

A turma se reunia na casa dela para um happy hour e, de lá, saía para um tour pela cidade. Passava pelo Tabaris - um famoso cabaré da época -, dançava no Hotel da Bahia, dava uma parada na Ladeira da Montanha e, de vez em quando, ainda tinha o Yacht Club. Nilda era casada com Julius Spencer, um geólogo americano, que, mesmo vivendo numa sociedade conservadora, não se importava com a vida agitada e independente da esposa.

Nilda também estava acostumada a confrontar o conservadorismo da sociedade local. "Ela enfrentou uma província nos anos 1950, quando foi fazer teatro na época em que uma mulher não podia sequer pegar táxi sozinha. A Escola de Teatro da Ufba foi fundada em 1956 e ela formou-se na primeira turma", diz o autor de Nilda - A Dama e o Tempo.

O encanto de Nilda pela arte de interpretar vinha desde a infância, quando ela se apaixonara pelo cinema de Hollywood. "Havia uma atriz gritando dentro dela desde criança. Como ela não podia ser hollywoodiana, decidiu ser atriz na Bahia", brinca Uzel.

Nascida numa família de classe média alta, Nilda era filha de um homem que transitava bem entre os políticos. Isso lhe permitia transitar na alta sociedade baiana, em lugares como o Clube Bahiano de Tênis. E embora tivesse esse lado conservador, Nilda também tinha um pé na transgressão, que lhe permitiu começar a estudar teatro aos 32 anos, já casada e mãe de duas filhas - Judy e Susan, em homenagem às atrizes americanas Judy Garland e Susan Hayward.

Embora não fosse uma militante contra a ditadura militar, Nilda atuou politicamente através da arte. "Foi uma atriz versátil e abriu caminhos. Fez peças que desafiaram a ditadura e foram censuradas. E foi para o underground, fez cinema marginal, esteve em filmes importantes como Caveira, My Friend e Meteorango Kid, dois dos filmes mais cult do cinema baiano", lembra Uzel.

O jornalista reconhece que a personalidade transgressora e o trabalho de Nilda como atriz fizeram despertar seu interesse na vida dela. Mas há, segundo ele, um outro fator, subjetivo, que pesou na escolha: a dama do teatro baiano tinha, segundo Uzel, uma "energia" parecida com a mãe dele. Por isso, o livro é dedicado a Noemia Uzel. Marcos Uzel (foto: Graça Machado) A biografia de Nilda nasceu a partir da tese de doutorado de Uzel, que começou a ser desenvolvida em 2011. O livro que será lançado hoje, no entanto, está longe de ser uma tese acadêmica, já que o texto passou por adaptações. No entanto, usou como base o mesmo material de pesquisa e as 57 entrevistas que Uzel realizou com colegas, familiares e amigos da atriz. Entre os entrevistados, estão Gilberto Gil, Maria Bethânia, Marcio Meirelles e o cineasta Bruno Barreto, que a dirigiu em Dona Flor e Seus Dois Maridos.

Livro: Nilda: a dama e o tempo

Autor: Marcos Uzel

Editora: Edufba

Número de páginas: 287

Preço: R$48,00

Lançamento: Quinta-feira (18), às 19h, na Igreja São Pedro dos Clérigos (Terreiro de Jesus)