Livro traz panorama das lutas LGBTQIA+ no mundo e aponta novos desafios

CORREIO conversou com Renan Quinalha, autor do livro, que afirma que o atual momento é um dos mais delicados para comunidade

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 27 de junho de 2022 às 06:00

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A luta pela diversidade sexual e de gênero enfrenta atualmente um de seus maiores desafios. O moralismo autoritário e conservador exige uma ação política contínua para dar prosseguimento aos avanços inclusivos de uma parcela da humanidade. Essas são afirmações de Renan Quinalha, referência em estudos da diversidade sexual e do gênero, o autor, professor de direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que lançou o livro "Movimento LGBTI+: uma breve história do século XIX aos nossos dias". 

Na produção, Quinalha faz um levantamento do processo histórico desses movimentos no Ocidente, especialmente em países como Alemanha, Estados Unidos e Brasil. Com linguagem acessível para iniciantes e também com conteúdo para quem deseja se aprofundar nessa luta emancipatória, o autor utiliza conceitos para opinar sobre a questão identitária, a politização e o engajamento necessário para o futuro. Em entrevista exclusiva para o CORREIO, o professor dá mais detalhes sobre o projeto e fala dos desafios da comunidade LGBTI+ no Brasil. O lançamento acontecerá no dia 29 de junho (um dia após o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, comemorado em 28 de junho), a partir das 19h, na Livraria LDM.

CORREIO: Fale sobre o processo desse livro? Quando começou a escrever e como foi sua trajetória de escrita? RQ: Esse livro é fruto de alguns anos de trabalho. Já tinha feito algumas edições do curso 'história do movimento LGBTI+', presencial desde 2017, e depois fiz algumas edições virtuais. Na pandemia, tinha gente do Brasil todo, mais de mil estudantes passaram pelo curso e via que havia esse interesse crescente pela memória e história LGBTI+. Decidi sistematizar o conteúdo do curso num livro e aproveitei a pandemia, o isolamento, para esse processo de escrita. Eram conteúdos que vinha trabalhando no curso, mas a escrita foi um produto do próprio isolamento, quando consegui me dedicar ao livro.

CORREIO: Por que motivo escrever esse livro? Qual a importância desse panorama sobre as trajetórias do movimento? RQ: Tomei essa decisão porque notei que havia uma lacuna grande da produção de literatura de um livro que conseguisse, ao mesmo tempo, trazer aspectos conceituais básicos para quem não conhece muito bem essas discussões de gênero e sexualidade; trazer um panorama historiográfico e também fazer um diagnóstico de tempo presente desse momento crítico que a gente vive. Com esse livro, eu tentei fazer esse panorama. Tenho muitos outros trabalhos que cito como referência e são importantes para a construção da literatura, mas sentia que faltava um livro redigido de maneira mais didática, de linguagem mais simples.

CORREIO: E qual o seu ponto de partida para contar essa história? RQ: Foi uma grande dificuldade estabelecer a estrutura. Há várias histórias, no plural, e toda história é um processo de construção. A História LGBTI+ é marcada por registros apagados, invisibilizados e destruídos. O nazismo, por exemplo, destrói, literalmente, registros de ondas de ativismo LGBTI+ na região. É um desafio recuperar a história que é um inventário em negativo, apagada da história oficial e hegemônica.

Não tenho a pretensão de escrever uma história das vivências, dos desejos e identidades LGBTI+. Seria impossível fazer isso no mundo todo. Falo da história do ativismo político organizado, de pessoas que decidiram dar uma dimensão coletiva na sua luta, buscando mudanças institucionais e legais em vários lugares do mundo.

O livro pega tanto o fim do século XIX, na Alemanha, vem a ascensão do Nazismo e todo esse esforço frustrado com o autoritarismo que cresce em toda a Europa. Depois vamos aos EUA pós-Guerra para entender o contexto de surgimento das condições que vão levar a Stone Wall, que é um episódio importante no dia 28 de junho de 1979 e marca justamente esse mês de junho como o mês do orgulho LGBTI+.  No Brasil, falo desde o final da ditadura, em 1978, com o Grupo Somos, de SP, e analiso a partir daí como o movimento se desenvolveu desde então. Até no capítulo final, que trago os desafios que vejo no presente aqui em nosso país. Capa do livro (Foto: Divulgação) CORREIO: Por que motivo a luta pela liberdade sexual e de gênero vive seu momento mais delicado? RQ: Creio que a gente tem um cenário muito paradoxal no Brasil. Acabamos de ver a maior parada do Orgulho LGBT do mundo, com mais de 6 milhões de pessoas nas ruas, após uma pandemia, com as pessoas festejando e celebrando. Ao mesmo tempo, esse país, cheio de direitos reconhecidos, é o mesmo país que mais mata pessoas LGBTI+. Em 2021, uma pessoa LGBTI+ foi morta a cada 27h e ainda há um apagamento do ponto de vista estatístico. O IBGE não quer incluir no Censo de 2022 perguntas relativas à orientação sexual e identidade de gênero. Uma decisão da Justiça Federal do Acre em 1ª instância obriga a fazer essas perguntas e o IBGE está recorrendo.

É um paradoxo. O país tem uma sociedade que conseguiu reconhecer muitos direitos e ao mesmo tempo vive ascensão de uma extrema-direita muito conservadora do ponto de vista moral e que elegeu a população LGBTI+ como alvo de combate político. Por isso, é o momento mais delicado desde o fim da ditadura.

CORREIO: Quais os caminhos para que esse debate e, mais do que isso, esses corpos possam ter a dignidade que lhes é de direito? RQ: É o caminho traçado e nutrido por essa história: muita luta e resistência. Não houve conquista por benevolência ou generosidade do Estado. Qualquer luta por direito ou cidadania envolve muito debate, ainda mais quando bate em certos debates morais de uma sociedade brasileira que é muito conservadora e com um fundamentalismo religioso de tanta expressão no Congresso, Executivo e outros espaços de poder. Não há via de atalho para construção da cidadania. É muito debate, ocupação de espaços de poder elegendo mais pessoas LGBTI+ para que as políticas públicas e leis reflitam experiências e expectativas desse conjunto de população e disputando espaço em espaços de inserção como mídia, academia e cultura buscando uma sociedade mais respeitosa e diversa.