Longa baiano faz história e está no maior festival de animação do mundo

Selecionado para Annecy Meu Tio José, de Ducca Rios, tem voz de Wagner Moura

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  • Roberto Midlej

Publicado em 15 de junho de 2021 às 09:06

- Atualizado há um ano

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Foram aproximadamente três anos e meio de produção até o longa de animação baiano Meu Tio José ficar pronto. Mas a ideia de fazer o filme começou inconscientemente há quase 40 anos, quando Ducca Rios, autor da história, teve seu tio José Sebastião de Moura assassinado, em 1983, nos anos finais da ditadura.  

O crime nunca foi resolvido, mas suspeita-se que tenha motivações políticas, já que José integrava o grupo de esquerda Dissidência da Guanabara e ele havia participado do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick. 

Ontem, Meu Tio José alcançou um marco importantíssimo e raro: foi o quarto longa brasileiro a ser exibido no Festival Internacional do Cinema de Animação de Annecy, na França, o mais importante evento do gênero no mundo. E o filme tem muitos outros itens que o credenciam, como Wagner Moura dando voz ao Tio José e a trilha com cinco músicas de Chico Buarque, sendo quatro delas em versão punk, para dar um tom bem anos 1980. Lorena Comparato, Jackosn Costa e Tonico Pereira também emprestaram a voz a alguns personagens.  No longa, o menino Adonias – que é o próprio Ducca – tem que escrever uma redação para a escola, no mesmo dia em que seu tio sofre o atentado e é encaminhado em estado grave para o hospital. Ducca, que além de autor, é diretor de arte, diretor e roteirista do filme, conviveu com o Tio José por aproximadamente dois anos, dos oito aos dez, quando o ativista viveu na casa do menino. “Eu construo uma trama pra esse garoto de dez anos e criei um paralelo com a ditadura para o universo da criança. A escola se parece com um quartel, com muros altos, semelhante às escolas de hoje, que são muito fechadas. A diretora ganha ares de general; o bedel é um sargento e Adonias é vítima de bullying, que é para reforçar a repressão”, revela o diretor.E a tal diretora não vê a hora de expulsar o menino, afinal ele é filho e sobrinho de “subversivos”. 

“É uma obra importante, cíclica. Começa num golpe e vai ser lançada durante um outro golpe. Ela toca as pessoas porque faz essa revisita, lembrando esse evento trágico da minha infância, que remete a tantas lembranças com ele. Foi meu tio que me ensinou a nadar, ele brincava muito comigo e com meu irmão”, conta o diretor. 

O convite a Wagner Moura começou a ser negociado através de um amigo comum entre Ducca e o ator, que é o cineasta baiano Lula Oliveira. “Lula trabalhou no filme no início e fez uns contatos importantes para a gente. Um desses contatos foi com Wagner, que é um cara incrível, um ator fantástico”, comemora Ducca.  Ducca Rios, diretor (foto: Maria Luiza Barros/divulgação) O diretor diz que intencionalmente convidou pessoas com pensamento progressista para participarem do filme. “Queríamos Wagner havia muito tempo e foi ótimo ele ter lido o roteiro. Ele gostou muito e fizemos questão de esperar, até que ele pudesse participar. Foram nove meses de espera”.   

Um fator contribuiu para tornar a participação de Wagner ainda mais especial: o ator estava nas filmagens de Marighella, seu primeiro longa como diretor, passado também na ditadura militar. “Ele estava mergulhado naquele período e conseguiu imprimir muita coisa da época. Expliquei a ele quem era o José Sebastião e ele entendeu muito rápido”, afirma Ducca. 

Das cinco canções de Chico Buarque que estão no filme, quatro são apresentadas em versão instrumental: Roda Viva, Construção, Deus lhe Pague, e O que Será. Apesar de Você, outro clássico do repertório do compositor, é a única cantada e ganha a interpretação de Lirinha, vocalista do Cordel do Fogo Encantado. O uso das canções foi negociado com a Marola Produções, que detém os direitos das músicas.“Eu queria muito as músicas dele e escolhi uma para cada um dos cinco capítulos”, diz Ducca, que lamenta não ter conversado com o compositor. “Queria muito ter falado qualquer coisa com ele. Mas soube que ele ouviu e gostou”, diz o diretor. Ficou curioso? Infelizmente, os brasileiros ainda terão que esperar até 2022, quando o filme deve chegar aos cinemas. Por enquanto, só os franceses tiveram o privilégio de ver o longa, que ainda terá mais duas exibições em Annecy nesta semana.