Luiz Candreva: ‘A inovação é fluída’

Empreendedor e futurista dialoga com os temas do Agenda Bahia 2018

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  • Andreia Santana

Publicado em 29 de julho de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Acervo Pessoal

Luiz Candreva começou sua trajetória de empreendedor depois de desistir de seguir carreira no Direito. Entre erros e acertos, fundou empresas que cresceram para além das fronteiras de sua cidade natal, São Paulo. 

Considerado um dos principais futuristas do Brasil, nesta entrevista, o mais novo colunista do CORREIO – ele escreverá sobre inovação – fala sobre futurismo, disrupção, erros e acertos no universo empresarial, empreendedorismo e educação na era digital. 

Aproveita ainda para citar a criação do Hub Salvador e a aceleradora Rede+ como espaços que fomentam o crescimento da comunidade empreendedora baiana. O CORREIO e a Rede+ estão promovendo o Desafio de Inovação Acelere[se], que vai oferecer um programa de aceleração de 12 semanas, gratuito, para oito startups baianas.

O Acelere[se] é um dos eventos do Fórum Agenda Bahia 2018, que prevê ainda a realização do seminário Sustentabilidade do Agora, no dia 08 de agosto, na sede da Federação das Indústrias da Bahia (Fieb). Luiz Candreva já fez três TEDx Talk e palestras em nove países Quem é - Luiz Candreva é considerado um dos principais futuristas brasileiros. Eleito um dos 100 jovens mais inovadores da América Latina e top 10 Mentor pelo Startup Award 2017, é o CEO e fundador da ezPark, maior plataforma de compartilhamento de vagas de estacionamento da América Latina, presente em quatro países. 

Empreendedor por natureza, com carreira construída em algumas multinacionais no Brasil e nos EUA, além de consultorias em setores governamentais estrangeiros, tem vasta vivência empresarial, sobretudo nas áreas comercial e de marketing. 

Hoje, divide seu tempo em lecionar, mentorar novos empreendedores, aprender e palestrar sobre disrupção digital, marketing digital, sharing economy, empreendedorismo e futurismo de modo geral. É ainda coordenador e professor de mbas, além de digital innovation advisor de grandes corporações dos segmentos automotivo, de serviços e bens de consumo. 

Confira a entrevista:

Você tem sido apontando como um dos principais futuristas do país. O que é ser um futurista? Que profissão é essa?

Definições são muitas, mas gosto da ideia de que um futurista, sobretudo no campo empresarial, é alguém que trabalha para garantir a longevidade das corporações — da padaria à gigante petrolífera — numa era de mudanças exponenciais. Assim, um futurista é alguém que identifica futuros possíveis para uma variedade de áreas diferentes. É, em suma, a capacidade de antever as ondas e ensinar e aprender a surfá-las.

Você acredita que a inovação dialoga com as tentativas e erros? Que sem cometer falhas ninguém consegue inovar?

Errar tem dois lados bastante importantes: aprender com os erros e permitir o erro. A primeira é mais conhecida e via de regra o pessoal confunde isso com se arrepender e não errar de novo. Na verdade, deveria observar os fatores e a cadeia de decisão que o levaram a esse erro específico, buscar a gênese do erro, desconstruir os passos que o levaram a isso, criar novas hipóteses, testar, e aprender efetivamente. A segunda, e mais importante na minha opinião, é permitir o erro. E isso é particularmente difícil e quase um tabu no Brasil. Errar, falhar, falir uma empresa e afins são vistos como situação vexatória no Brasil e isso inibe. Tomada de risco e empreendedorismo, e sobretudo inovação, existem a partir da abertura para o erro. Os principais hubs de inovação e empreendedorismo no mundo têm todos em comum uma grande abertura à experimentação e ao erro. Onde não se pode errar a inovação morre. Evidente que não se trata do erro do desleixo, da negligência e da preguiça. O erro realmente bom é o da tentativa e da experiência.

Nas suas palestras você fala bastante em disrupção, mudanças bruscas que rompem paradigmas. Como isso aplica ao mundo dos negócios?

Falar em Disrupção pensando em futuro ou passado é um engano. Disrupções são parte do mundo desde sempre, o que mudou agora é a velocidade. No passado alguém tinha uma baita ideia de modo isolado e isso acabava mudando o mundo em algum tempo. Foi assim com a roda, com a lâmpada, com o avião, computador pessoal, internet e mais um monte de coisas. Ocorre que agora a velocidade é infinitamente maior e crescente. Existem dois principais motivos para isso: o primeiro é o acesso. Hoje, basicamente, todo mundo tem acesso a qualquer informação de maneira organizada, estruturada e gratuita. Isso não tem precedentes na história da humanidade. O segundo, o mindset, ou seja, o modo de pensar da sociedade que gera, entre outros, esse boom de empreendedorismo e de pessoas assumindo seus papéis como protagonistas a frente de tudo que os agride ou aonde encontram dores.  Vivemos uma tempestade perfeita de inovação em que uma novidade cria ou potencializa outra que por sua vez maximiza outras: internet das coisas abastece big data que por sua vez permite avanços na robótica e na inteligência artificial, que aceleram estudos de genética e computação quântica e assim por diante. Tudo isso pode, por vezes, parecer muito distante da realidade das pessoas, uma análise mais aprofundada, contudo, mostra que tudo isso faz ou fez parte da vida de cada um. Disrupção é algo absoluto e quase instantâneo, ou seja, não é um processo gradual, mas sim que envolve uma quebra muito importante. Isso não quer dizer que ocorra em segundos em empresas e na comunidade como um todo, mas sim que, por exemplo, uma empresa de 20, 30, 40, 70 anos, pode desaparecer por completo em seis meses. Até por ser tão intensa e absoluta, muitos segmentos veem isso como um risco. O que eu tento mostrar é que se trata de uma enorme oportunidade.

Veja uma das palestras de Luiz Candreva no TEDx:

Esse boom de startups mostra como o empreendedorismo é a tendência chave para o futuro? Quem não empreender ficará para trás? 

Fico feliz que você tenha tocado nesse ponto porque hoje há uma enorme glamourização do empreendedorismo, como se empreendedores fossem uma categoria superior de trabalho. Nada mais distante da realidade. Obviamente, o empreendedorismo é, historicamente, a maior força motriz de ascensão social e econômica, além de geração de riqueza e valor para a sociedade como um todo. Ainda assim, é importante ressaltar que empreendedores sozinhos não fazem nada. É necessário contar com colaboradores e o funcionamento eficiente de todos os equipamentos do Estado e de governo também. Assim, é fundamental deixar super claro que ser empreendedor não é algo superior a ser um executivo, um funcionário ou um servidor público concursado, por exemplo, apenas uma opção e um perfil diferente.  Empreender é incrível e aqueles que tem isso correndo nas veias nunca se satisfarão com outra atividade, sem criar e desenhar o mundo, mas não é o único caminho. Tenho inúmeros amigos por exemplo que são excepcionais executivos, mas que fracassaram seguidas vezes como empresários, e isso é zero problema, só perfis diferentes. Teria todos eles em minhas empresas sem pestanejar. Outra coisa importante é fugir dos gurus que pipocam por aí, vendendo fórmulas mágicas e estratégias mirabolantes de como fundar e avançar com uma empresa, seja no segmento que for. Se proliferam também no marketing digital e acabam por ter um efeito perverso ao venderem uma facilidade e simplicidade que não existem. "Empreender é trabalho duro, superação de frustações e muita resiliência, mas é também ter boas conexões, estar preparado, saber identificar e aproveitar oportunidades e também uma bela pitada de sorte."O que é preciso para ser um empreendedor bem-sucedido? Como não se deixar abater pelas dificuldades iniciais?

Empreender é super difícil e é difícil para todo mundo, não tem exceção. É igualmente recompensador. O começo, como de tudo, é sempre mais complicado, mas isso não é garantia de que fica mais fácil depois. A jornada é dura, solitária e muito intensa. Estar cercado de um ecossistema e conectado com ele é fundamental. Busque sua comunidade local e se ela não estiver coesa, reúna-a e aja como um protagonista nesse processo. Salvador (e a Bahia por consequência) acaba de ganhar o Hub Salvador, comandado por um pessoal incrível e com apoio da Bossa Nova Investimentos (maior fundo investidor de startups do país), que visa ser o centro gravitacional do empreendedorismo digital não apenas em Salvador, mas na Bahia e no Nordeste como um todo. Está lá disponível para qualquer um. Visitem! Há aqui na cidade também a Rede+ que reúne a comunidade empreendedora já há alguns anos com muita propriedade. Além disso, a ABAS Associação Bahiana de Startups e também a ABS (Associação Brasileira de Startups) estão sempre de portas abertas para os empreendedores. Por fim, é fundamental ter um propósito. Se for empreender por fama, dinheiro, ou ‘nao ter um chefe’  e ‘fazer meu próprio horário’ etc., vai desistir rapidamente. Tenha e se apaixone por um propósito, não pela sua empresa. E encontre outros malucos que também são apaixonados por ele e o persiga todos os dias de modo incansável. Talvez você tenha sucesso, mas não há fórmula mágica. Mais trabalho = mais resultado. Candreva também é mentor de novos empreendedores Por que, em geral, boa parte dos empresários ainda são tão conservadores e temem os negócios disruptivos? Por exemplo, quando a Netflix surgiu, a primeira reação das TVs fechadas foi se posicionar contra o serviço...

Por que existe muito medo. E medo paralisa. Existe uma sensação de que as mudanças não atingirão suas áreas ou indústrias, ou pior, de que eles devem lutar contra a mudança, ou seja, tentar construir uma parede que impeça as ondas de chegarem à praia. Grande exemplo disso são os taxistas com a chegada forte do Uber, ou a prefeitura de Nova Iorque que tentou impedir ou dificultar o uso de Airbnb na ilha de Manhattan. Ambos falharam. E ambos pela mesma razão: o desejo dos consumidores de melhores e mais variados serviços. A Inovação é fluída, como um rio, não importa quantas pedras você coloque, mais hora, menos hora, ela encontrará um caminho. Nesse sentido, o melhor a fazer não é se adaptar, mas sim antever as próximas ondas e se preparar para elas, inclusive para escolher quais delas aproveitar, já que é impossível aproveitar todas.

Se pudesse dar uma dica para os empresários nessa situação hoje, o que diria?

Para que aprendam a surfar e não para que tentem construir um muro e se esconder atrás dele. Trocando em miúdos: busquem abraçar as mudanças e não tentar matá-las.

Como fazer isso? O que você aprendeu ao trabalhar com uma série de empresas nesses processos de transformação digital?

Teremos uma coluna aqui no CORREIO em que abordarei esses temas de maneira recorrente e atualizada. Mas, como uma prévia, posso citar três das principais lições que aprendi: focar na dor essencial dos mercados que atendem e não na solução que entregam. A diferença parece pequena, mas é enorme na prática. Um exemplo é o que ocorre com o Uber, a essência do que ele entrega é a mobilidade, ou seja, ir do ponto A ao ponto B, não necessariamente um carro que vem lhe buscar, isso é apenas como ela, e outras empresas, resolvem essa dor hoje. A dor é a mesma há tempos, quase imutável desde as cavernas, mas a solução muda a todo o momento e cada vez mais rapidamente. A segunda lição fundamental é ter a coragem para destruir o seu próprio modelo. Não se apegar ao seu modelo de negócios, mas ao valor que se entrega ao mercado. Foque nos seus clientes e nas dores deles e não no que você faz.

Quais são os desafios de quem empreende em um mundo em constante mudança como o atual? Como as empresas devem se adaptar para esse futuro que na verdade já é bem presente?

Se por um lado as mudanças abrem espaço para novos entrantes e a evolução tecnológica reduz os custos sobremaneira, o que facilita e permite que novos empreendedores surjam; por outro também têm criado um turbilhão de concorrentes, inclusive na coletividade. Os desafios são enormes, mas as oportunidades, sem qualquer dúvida, superam todos eles.Toda empresa hoje tem que olhar para a transformação digital. Eu tenho feito alguns trabalhos interessantes junto a empresas de todos os portes em que focamos na manutenção da relevância dessas empresas e, com isso, na sua longevidade.  Luiz Candreva: 'As pessoas devem aprender a aprender' A tecnologia, para você, só tem sentido se for usada para conectar as pessoas e as ideias, para gerar a inovação que muda o mundo?

A tecnologia representa o COMO as pessoas e suas necessidades representam o PORQUE. Com isso em mente, toda tecnologia pode ser boa ou ruim de acordo com o uso que se dá a ela. Qualquer tecnologia, historicamente, sempre foi uma poderosa ferramenta. Seja uma ferramenta rudimentar de pedra e madeira, até um ainda inédito computador quântico, sempre tiveram a mesma função: assistir humanos em suas tarefas e melhorar nossa qualidade de vida.

De que forma a escola (seja desde o ensino infantil até a universidade) pode incentivar esse olhar mais criativo, inovador? Nossa educação ainda peca por nos condicionar para um mercado de trabalho que, em grande parte, está desaparecendo?

Sem dúvidas! Os modelos educacionais estão completamente ultrapassados e perdidos no tempo. Há uma necessidade de se reinventar e preparar pessoas para um futuro completamente diferente do presente. Precisamos ensinar as pessoas a aprender, não o que aprender, mas aprender a aprender. Veja por exemplo, um aluno de Direito, como eu já fui um dia, que hoje busca um estágio e está no primeiro semestre dos 10 que o curso tem. Já há, junto com o Watson, super computador da IBM, aplicações práticas de substituição de advogados revisores de contratos por um bot (programa de computador) que executa as mesmas tarefas, com mais precisão, menor custo e menor tempo. Esses jovens, se não buscarem valor em outras áreas, se formam sem uma carreira para trilhar e sem a existência de seus empregos. Isso ocorrerá em quase todas (se não todas) as áreas. Médicos vêm sendo paulatinamente substituídos por robôs, inclusive em cirurgias, automóveis autônomos eliminam a necessidade de motoristas, impressoras 3D terão enorme impacto no setor de logística no mundo todo e aplicações inclusive na produção de alimentos e medicamentos. Em suma, o mundo está mudando forte e rapidamente e isso só tende a acelerar. E isso é excepcional!"Vivemos a melhor era da humanidade, maior longevidade, tecnologias e serviços para tudo e uma melhoria de vida geral para a grande maioria das pessoas. Aproveitemos isso para moldar o futuro que desejamos e enfatizarmos esses futuros. A Academia e a educação como um todo têm um papel fundamental e central nisso tudo."Com base na sua experiência, quais as profissões e negócios correm risco de extinção nessa era disruptiva e quais serão criados daqui para a frente?

Toda e qualquer profissão que for mecanizada será substituída. Traços unicamente humanos, como criatividade, empatia, ética e imaginação serão cada vez mais valiosos. Todos os profissionais que procurarem oportunidades nessa seara certamente lograrão sucesso, Aqueles que dormirem na praia serão levados pelas ondas cada vez mais frequentes.

Como as pessoas podem se preparar para essa nova configuração do mundo?

De modo simples e direto: devem aprender a aprender. Mas, mais do que isso, separar um tempo de suas vidas para a contemplação do mundo e análise das dores que nele existem. Como um médico que diagnostica um paciente e separa um tempo para a anamnese [entrevista do médico com o paciente para identificar o seu histórico e assim, ajudar no diagnóstico], todo profissional deve fazer o mesmo sobre o mundo em que vive. Só capazes de olhar além do que está posto (status quo), capazes e abertos aos erros e focados nas necessidades básicas das pessoas, teremos uma chance de permanecermos relevantes para o mundo em que vivemos e em que viveremos. Criamos um mundo em que nós mesmos ficamos obsoletos e isso será enfatizado e aumentado. Além do que mencionei acima, em relação à comunidades e etc., se capacitar e estar junto de pessoas incríveis e que tenham entrega e track record de verdade!

O Fórum Agenda Bahia 2018 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Revita e Oi, apoio institucional da Prefeitura de Salvador, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), Fundação Rockefeller e Rede Bahia.