Mãe do grafiteiro Scank, assassinado em 2020, mantém vivo o legado artístico do filho

Nice aprendeu até a reconhecer assinatura dos pichadores pelas letras riscadas nos muros

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  • Fernanda Santana

Publicado em 8 de maio de 2022 às 07:00

. Crédito: Sora Maia/CORREIO

Scank queria subir cada vez mais alto, deixar seu nome gravado todo dia mais perto do céu, e Nice, a mãe, achava aquilo absurdo. Para quê subir tanto?

– Meu filho, o que é isso? Eu não quero te perder.  – O povo exagera, minha mãe – o grafiteiro respondia.

Dois anos depois do assassinato dele, Leonice Galdino, 50 anos, guarda duas pastas com desenhos do filho. O jovem, um dos mais conhecidos grafiteiros, pichadores e artistas urbanos de Salvador, foi baleado enquanto pintava um muro no Imbuí, em fevereiro de 2020. Ninguém responde pelo crime.

Leonice recolheu cada pedaço de papel deixado por Scank (apelido de Jailson) em casa. Desde o dia do crime, ela decidiu preservar e popularizar o legado artístico do filho. 

Depois de perder o rapaz, Nice, que nunca gostou de arte, se viu na função de pintar (sem nunca ter pintado) camisetas com a caligrafia do filho e promover eventos para falar da arte dele - um deles é a exposição online Scank Vive.

Ela até aprendeu a ler, minimamente, 'o alfabeto do picho' (a assinatura que identifica os traços de cada pichadir). As letras de Scank, por exemplo, têm características como a simetria entre o quadrado e o circular, que a mãe já sabe reconhecer.

Mãe solo

Leonice criou os três filhos sozinha - situação de, pelo menos, 11 milhões de mulheres, diz o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De manhãzinha, ela saía para o primeiro trabalho, que emendava com o segundo, até 22h. Os meninos, tentava manter “na linha”: da escola para a banca (reforço escolar) e de lá, para casa. “Aí chega uma vizinha para me contar que viram Jailson e um amigo riscando o colégio. Já falou parecendo que meu filho ia morrer no outro dia. Fiquei desesperada com aquele jeito que ela falou”, recorda.Na época, Jailson era adolescente e, como Nice tinha medo da repressão social e policial contra a arte urbana, pedia que o menino parasse. Ele respondia: “Se a senhora não quer, eu vou parar”.

Mas o falatório na vizinhança continuava e não demorava até Nice descobrir que o filho permanecia em atividade. “Lavei minhas mãos, não queria mais saber”.

Isso era o que Nice dizia ao filho. A verdade é que sempre que ela tinha notícias de que o rapaz tinha pichado o nome dele - às vezes junto com o de uma namorada - em algum canto da cidade, ela passava de ônibus, atenta.

“Como esse menino sobe ali?”. Era uma pergunta que não saía da cabeça dela.

As mudanças

A notícia da morte de Scank mudou os rumos da vida de Nice. Cozinheira, ela tinha um restaurante, que tocava com a ajuda dos filhos. "A morte do meu filho mudou tudo em minha vida. A vida dele foi interrompida e eu me vi com um objetivo que é o de manter o nome dele vivo". Nice e o filho, artista conhecido como Vírus (Foto: Sora Maia/CORREIO) Um deles é o compositor e cantor Vírus Carinhoso, que a ajuda a realizar projetos sobre o legado artístico do irmão e com quem ele passará o Dia das Mães, em Salvador. O outro, Jefferson, trabalha como missionário em São Tomé e Príncipe, na África. “Comecei a ter uma ideia completamente diferente de tudo que eu achava que era o trabalho do meu filho”, conta.A cozinheira precisou aprender a se virar ainda menina. Aos 12 anos, após o falecimento da mãe, tornou-se babá. Aos 16, afeiçoou-se à culinária. O restaurante dela foi aberto em 2016, depois de anos de venda de congelados e quentinhas. 

Leonice fechou o restaurante, vendeu sua casa em Salvador e se mudou para Arauá, em Sergipe. Lá, ela ainda trabalha como cozinheira e voltou a vender comida congelada e refeições para eventos.

Na sala da nova residência, há quatro quadros com grafites de Scank. Para colorir o muro, ela contratará um grafiteiro que reproduzirá alguma arte do filho.