Manicure de Tancredo e filho de ex-ministro estão entre candidatos mais velhos e jovens

Conheça os baianos com mais e menos idade que concorrem nessa eleição

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 7 de outubro de 2018 às 16:24

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Quando Maria e Vitório nasceram, em 1936 e 1932, respectivamente, ainda acontecia a Segunda Guerra Mundial. Depois, ainda viveram sob a Guerra Fria, assistiram ao Golpe Militar de 64 no Brasil, às lutas pela liberdade e a redemocratização. Já Iasmin e Rogério viveram muito pouco. Nascidos em 1997, estão na faculdade e acompanham a primeira grande crise. A diferença de 65 anos converge, agora, pela política. Os quatros são candidatos a cargos nestas eleições.

O mais velho na disputa é Vitório Mariani, 87 anos, nascido em Itabuna, candidato a deputado federal, seguido de Maria Crispina de Jesus, 82, conhecida como Coração de Mãe, que também disputa um espaço no parlamento federal.

Vitório é de uma família de políticos do Sul da Bahia, a Mariani, e homem de negócios em São Paulo. Já Coração de Mãe do Convento da Penha, em Salvador, iniciou o contato com a política sendo manicure do ex-presidente eleito Tancredo Neves. Os dois estão no primeiro extremo da disputa: a idade média dos candidatos baianos é de 49 anos – no Brasil, é de 60 anos.

A escolha pela política ocorre em momentos diferentes da vida para Vitório e Coração. Ele concorre pela primeira vez a um cargo na política, numa decisão tomada em uma banca de revista; ela parte para a terceira tentativa nestas eleições.

Os dois, em comum, concorrem em um dos redutos dos políticos mais velhos do estado, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o sexto partido com candidatos mais velhos da Bahia, com idade média de 53 anos.

A idade não necessariamente traduz-se nas propostas. Planos para os eleitores da terceira idade? Não necessariamente. O presidente do PDT, Félix Mendonça, diz não acreditar que a idade dos candidatos são os caracterizadores de suas propostas.“A justificativa para o caso do PDT é que ele é um dos mais antigos [fundado em 1970] e tem filiados antigos. Alguns filiados concorrem até com mais de 80 anos. Existe uma fidelidade dessas pessoas também”, comentou Félix.Se os mais velhos não usam a idade como estratégia, a balança pende para o outro lado no caso dos mais jovens. Nestas eleições, são 21 candidatos com menos de 25 anos – em 2014, foram 18.

Na Bahia, os candidatos mais novos da disputa eleitoral, Iasmin Reis (SD), 21, e Rogério Andrade Filho (PSD), 21, falam da própria inexperiência ora com cautela, ora com a crença de que serão justamente os poucos anos de trajetória o diferencial nas urnas.

Na sede do partido pelo qual concorre, o Solidariedade, a jovem de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), comentou a presença de jovens na política: "As pessoas estão desacreditadas. A gente tem que colocar pessoas jovens".

Mas os candidatos, apesar de novinhos, não necessariamente representam ou são figuras desconexas da vida pública, como boa parte dos jovens. Os dois possuem parentes na política: Rogério Andrade é filho do prefeito de Santo Antônio de Jesus, Rogério Andrade, e Iasmin filha do presidente do Solidariedade de Lauro de Freitas. Desde criança, por exemplo, Rogério acompanha o pai em viagens e comitês.

O CORREIO conversou com os quatro candidatos, os mais velhos e os mais novos, e apresenta, abaixo, cada um dos perfis. Conheça as histórias, cujos capítulos começam ainda na Segunda Guerra Mundial, passam por salões de belezas e chegam até as eleições deste domingo (7).

Da Segunda Guerra Mundial às urnas: Vitório Mariani, o candidato mais experiente Foi em uma banca de revista, jornal às mãos, que Vitório Mariani decidiu entrar na política. Estava revoltado com alguma notícia sobre corrupção e afirmou para um colega cujo nome não lembra, que seria candidato a deputado federal. O conhecido respondeu, entre descrente e empolgado: “Vou votar em você”. O senhor de 87 anos espera, agora, o voto. Vitório, oficialmente Vitorio Brandão Mariani da Silveira, é o candidato mais velho da disputa na Bahia.  Vitório Mariani, 87 anos (Foto: Marina Silva/CORREIO) O senhor vasculha uma pasta azul quando precisa lembrar de alguma reportagem ou projeto específico, mas retira das próprias lembranças a convivência com a política. É neto de Francisco Mariani, presidente da então província de Goiás, em 1852, e ministro do Supremo Tribunal de Justiça em 1886, e filho de Arthur Leite, prefeito de Ilhéus, de 1948 a 1951. Até então, no entanto, acompanhara como espectador assuntos políticos – apesar de o Brasil ser um Estado laico. Na infância, nos municípios de Itabuna, onde nasceu, e de Ilhéus, acompanhou as interferências da Segunda Guerra Mundial. “Quando eu tinha 11 anos [em 1943], estava num navio e acendi uma luz. Ouvi logo do comandante: ‘Você quer afundar o navio? Tem submarino inimigo aqui do lado”, lembra.O navio não afundou e o então jovem de ascendência italiana chegou a Salvador para os últimos anos de escola. Quando terminou, seguiu para São Paulo: queria estudar Economia, mas a Universidade Federal da Bahia (Ufba) não tinha o curso. Mas, lá, pouco viu de Economia. Na verdade, não chegou, sequer, a prestar o vestibular. Começou a trabalhar numa corretora de ações. E a ganhar muito dinheiro com o trabalho. “Lembro de ver um ator que ganhava R$ 60 mil por mês... Eu chegava a tirar R$ 300 mil, para você ter ideia... Eu não podia parar de trabalhar”.

Voltou a Salvador para criar o Bahia Country Club, no início da década de 60. Depois, em 1963, com o negócio já falido, idealizou o Campomar. Com o Golpe Militar, em 1964, a situação piora em São Paulo e Vitório decide retornar. Não havia mais corretoras de venda de ações, todas as atividades haviam sido condensadas na Bolsa de Valores de São Paulo. “Abriram para os norte-americanos. Nossa riqueza nacional foi se perdendo”, lamenta ainda hoje. As influências de Vitório foram e são, inclusive, nacionalistas.“Eu sou nacionalista, defendo os interesses dos brasileiros. O Brasil é um país estratégico. Eu sei que tenho idade, mas tenho experiência. O momento atual do Brasil é o pior possível”, diz.O empresário já era filiado ao PDT, criado em 1970, por Lionel Brizola. Embora nunca tenha se envolvido em nenhuma disputa. Segundo ele, o cenário o empurrou para a política. E o que ele chama de “falta de disciplina”. “As pessoas não têm mais educação, não tem disciplina”, defende. É quando ele começa a falar de alguns projetos defendidos, principalmente, pela ala conservadora da política. Uma delas: colocar, pelo menos, dois policiais dentro das escolas “para evitar confusões”.

A reportagem pergunta o que seria um regime de força e Vitório, novamente, apela para a “disciplina”. Não há, como se poderia imaginar, pautas específicas para a terceira idade. Na campanha, tem atingido principalmente as regiões de Ilhéus e Itabuna, onde ainda tem parentes e amigos. Eles, inclusive, não estranharam ou se opuseram à decisão.

Pai de três filhos e casado há mais de 50 anos com Maria do Carmo, com quem mora no bairro de Ondina, em Salvador, Vitório conta:“Está tudo bem, temos nossas próprias escolhas. Não nos envolvemos assim com as decisões uns dos outros”, comenta.Até aqui, a campanha não foi cansativa para ele. Conversou sobre suas ideias com as pessoas mais próximas, retomou antigos contatos, distribuiu santinhos. Na verdade, parece não ter sido cansativa porque o próprio Vitório não parece ter muitas preocupações.

A reportagem pergunta: “E o senhor está otimista quanto à vitória?”. Ele responde: “Para mim tanto faz. Mas quero contribuir!”. É um dos poucos momentos de riso do senhor sério e de voz baixa. Uma oscilação entre a experiência e o futuro.

***

Coração de Mãe: 'batizada' por Irmã Dulce e manicure de Tancredo Neves e João Goulart Maria Crispina estava numa agência para tirar a foto de sua campanha política como vereadora, em 2012, quando soube que precisaria de um nome eleitoral. O apelido, Mariinha, tinha pouco apelo. Então, ela escolheu, não sabe muito bem como ou o porquê, ser chamada de Coração de Mãe. Coração de Mãe, 82 anos (Foto: Marina Silva/CORREIO) Não foi eleita, mas agora, com o mesmo apelido, a senhora de 82 anos é a candidata mais velha a concorrer por uma vaga como deputada federal na Bahia. 

A história de Coração de Mãe começa no Convento da Penha, no dia 1º de agosto de 1936. De lá, também deve ter saído a inspiração para escolher, de súbito, o nome de campanha.

Foi de Irmã Dulce, uma das então freiras do local, que recebeu o primeiro apelido, Mariinha, ainda bebê. Também dela, a filha gêmea de um casal de operários herdou o envolvimento com o trabalho social. Ainda jovem, aos 22 anos, partiu para o Rio de Janeiro. 

Trabalhou, nos 25 anos de estadia, principalmente num salão de beleza, local decisivo para sua história. Foi quando, entre as décadas de 50 e 70, se tornou manicure de políticos como Tancredo Neves e João Goulart, e conheceu Leonel Brizola, fundador do PDT. O próprio Tancredo Neves alertava, no Salão Regina: "Você tem uma veia política".

Um dia, conversa vai, conversa vem, contou a Brizola a história da família. “Meus pais eram políticos natos na sua santa ignorância. Eles trabalhavam numa fábrica e atuavam pelos direitos dos trabalhadores”, lembra. Brizola, então, a convidou para entrar no partido. Está filiada desde então.

Mas, a política ficou na reserva durante muito tempo na rotina. Coração de Mãe foi manicure, taxista, cantora de coral. E mãe, mesmo, só de Maria Elizabete, 62. “O sistema não permite que a pessoa pobre tenha muito filho. O pobre tem é que se previnir”, brinca.

Na política, tentou vaga por três vezes: uma como vereadora, quando decidiu o nome eleitoral, e duas como deputada. Não saiu vitoriosa em nenhuma delas. Segue na tentativa, segundo ela, por uma questão de força. “A gente tem esses tropeços, mas passamos porque somos fortes”.

A candidata mais velha da Bahia também não estranha a idade. Ou acredita ser os anos um empecilho. Inclusive, já delineou até os projetos. Um deles: “criar uma clínica de fisioterapia no Subúrbio, que atenda pelo SUS”.

Para tentar colocá-los em prática, acorda quase sempre às 6h e segue ou para a sede do comitê, em Tubarão, também no Subúrbio, ou para resolver outras pendências. Está sempre fazendo política. "Minha mãe é uma heroína, me criou sozinha, não fica parada nunca", revela a filha, Elizabete.

***

Rogério Filho: produto do meio A política é parte da vida de Rogério Andrade Filho desde o nascimento, em 10 de agosto de 1997. É neto de Aloísio Andrade, prefeito de Elísio Medrado por quatro mandatos, e filho mais velho de Rogério Andrade, atual prefeito de Santo Antônio de Jesus. O mais novo candidato a concorrer nesta eleição é um produto do meio. E é em Santo Antônio que o jovem aposta suas fichas. 

O jovem também tem, entre suas apostas, a idade como estratégia. “A renovação é muito importante para que a gente possa mudar esse quadro”, respondeu, em entrevista por e-mail. Na verdade, é como se os anos como espectador da política tivessem o iniciado. Fisicamente, aparenta os 21 anos; no discurso, parece já ter incorporado todos os meandros políticos. Talvez, também por ter acompanhado o pai, desde criança, aos comitês e comícios.

Chamado de Rogerinho, adota um tom político para rebater, ou justificar, as possíveis descrenças. Alguns ainda vêem a idade com desconfiança. “Eu argumento que a experiência, realmente, só vem com o tempo. Eu reconheço”. Ele é, inclusive, presidente do PSD Jovem, partido ao qual está filiado. O jovem foi empossado em dezembro de 2017, ano em que oficialmente se filiou ao partido.

Apesar de ter em SAJ o maior reduto eleitoral, mora em Salvador, onde cursa o sexto semestre da faculdade de Direito, numa universidade privada. Na estrada para campanha, conversou pouco com a reportagem. Mas quis ressaltar, nas respostas enviadas: " A vontade de servir sempre foi maior e venceu. E foi assim. Olha eu aqui candidato a deputado!".

***

Iasmin Reis: de Grey's Anatomy para a política “Oxe, não é a mais velha, não”, respondeu um homem em Ipiaú, no Sul da Bahia, ao descobrir que Iasmin era candidata a deputada estadual. Antes, ele abordou a sogra da jovem, na certeza de ser ela a candidata. A idade de Iasmin ou assusta ou admira os eleitores e amigos. Iasmin Reis, 21 anos (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Aos 21 anos, Iasmin Reis, nascida em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), e criada no bairro de Vida Nova, é a mulher mais jovem da Bahia a tentar uma vaga como deputada estadual.

A decisão pela candidatura surgiu após uma conversa com o pai, conhecido por Russo, presidente do Solidariedade no município. O partido estava em busca justamente de um jovem e Russo decidiu investir: “Por que não, minha filha?”. A certeza da negativa se tornou dúvida e Iasmim, dois dias depois, optou por sair candidata. Antes, sequer cogitava a possibilidade. O plano era uma carreira como esteticista, já que estuda Estética numa universidade privada de Salvador. Lá, já é chamada de “deputada”.“É estranho (risos). Eu não sou deputada, sou candidata. Aí eu falo: 'sou Iasmin, gente'”, brinca.A candidata recebeu a reportagem no centro de sua campanha, no final de linha de Lauro de Freitas. Lá, conta o motivo de ter decidido pela candidatura. “As pessoas estão desacreditadas. A gente tem que colocar pessoas jovens”, acredita.

Não sem dificuldade. Entre comitês e viagens, Iasmin já passou por situações de machismo e assédio. “Numa conversa, por exemplo, em qualquer coisa, você abre a boca e já te cortam”, diz. Iasmin, mulher e negra, tem aprendido a romper o ciclo de preconceito aos poucos.

Antes, a rotina da jovem nada parecia com a de hoje. Costumava ir à faculdade sem faltas, encontrava o namorado com mais frequência e ficava com os três irmãos e os pais. O tempo para a igreja também precisou ser reduzido. Mas as ideias religiosas estão também nos seus ideais políticos. “Não podemos deixar de lado o que é mais importante, que é Deus”, acredita.

A reportagem, então, pergunta sobre temas como o casamento gay, combatido pelas bancadas religiosas. “Não condiz com o que eu acredito. Não concordo com essas atitudes. Mas tenho até amigos que são. É como Deus disse: 'você deve amar as pessoas, não suas atitudes'”, declara.O foco de Iasmin, por enquanto, é o jovem. Ela desconversa logo após a resposta. “É cada pergunta difícil (risos) [...] Meu projeto, na verdade, é o primeiro emprego para o jovem. Porque oportunidade está muito difícil”, diz.

Ela ainda tenta encontrar o tom entre a primeira experiência e as exigências. No tempo livre, ainda costuma assistir séries e filmes ou sair com os amigos. “Assisto coisas de saúde. Gosto muito. Estava até assistindo Grey's Anatomy, mas meu coração não aguenta, não”, brinca.

No dia da eleição, pretende ficar com a família e a base mais próxima do partido. Votará em Lauro de Freitas, próximo de casa, e, até lá, prefere não fazer conjecturas. Ao fim da entrevista, levanta-se e segue para o batente da varanda. “Acrescente só uma coisa: que eu tenho muito a aprender”, sugere. Iasmin, afinal, já captou a juventude como estratégia.

*Com supervisão dos editores Mariana Rios e João Galdea.