No país do WhatsApp, fake news é uma preocupação antes das eleições

Fenômeno está relacionado tanto à radicalização da polarização política, quanto ao consumo de notícias vida redes sociais

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  • Da Redação

Publicado em 10 de julho de 2018 às 05:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arte: Quintino Andrade/ CORREIO

Fim do jogo do Brasil contra a Bélgica. Apito do juiz no gramado e, no Whatsapp, a notificação de uma nova mensagem, que começava assim: “O ESCÂNDALO QUE TODO MUNDO SUSPEITAVA!”. Escrita em letras maiúsculas, ela atribuia ao jogador Fernandinho a seguinte afirmação: “Se as pessoas soubessem o que aconteceu na Copa do Mundo ficariam enojadas”.   Isso porque, ainda segundo a mensagem, a Copa do Mundo da Rússia foi vendida pela Seleção brasileira à Fifa. “O que está exposto abaixo é a notícia em primeira mão que está sendo investigada por rádios e jornais de todo o Brasil e alguns estrangeiros”, continuava a mensagem, antes de detalhar os valores recebidos por jogadores e pelos integrantes da comissão.

O texto é quase o mesmo distribuído pela web quando o Brasil perdeu a final em 1998, ou seja, quando o WhatsApp estava longe de existir, mas a lista de e-mails já cumpria essa função.

Vinte anos depois, o boato (que continuou sendo repassado em todas as Copas seguintes, apenas com a mudança do nome dos envolvidos) continua mostrando sua força, só que agora de uma forma muito mais poderosa.

Afinal, de lá para cá surgiram as chamadas fake news, houve uma radicalização na polarização política e o Brasil se transformou no país do WhatsApp - e em um dos maiores consumidores de notícias via redes sociais digitais em todo o mundo.Bomba relógio Com a proximidade das eleições, em outubro, mensagens como a que abre essa reportagem passarão a ser ainda mais frequentes nas redes sociais, bem como a discussão sobre as chamadas fake news. Apesar de beberem na mesma fonte, boatos não se confundem com fake news, que  funcionam em uma lógica específica e são um fenômeno muito recente, cujos contornos foram se delineando após a disputa presidencial americana de 2016, com a vitória de Donald Trump. Para a pesquisadora Tatiana Maria Dourado, doutoranda em comunicação e política pela Ufba e que estuda fake news, o modelo de “corrente” com o objetivo de criar clima de alarde e gerar engano é recorrente no WhatsApp, onde circula tanto em forma de texto quanto de áudio e de vídeo. 

Para ela, isso não é o mesmo que fake news, fenômeno que tem sido entendido como uma “notícia fabricada, um conteúdo sem base factual, mas que recebe a estrutura de notícia para parecer credível”, diz. Exemplo recente de uma fake news foi a informação sobre a vereadora Marielle Franco, assassinada a tiros no Rio de Janeiro, ter sido casada com o traficante Marcinho VP. Para parecer real, uma foto circulou junto com o boato, que chegou a ser compartilhado por pessoas públicas como o deputado federal Alberto Braga e pela desembargadora Marília Castro Neves. Foto circulou junto a boato de que Marielle Franco foi casada com traficante Marcinho VP  e engravidou aos 16 anos. Tudo mentira (Foto: Reprodução) Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador adjunto do Monitor do Debate Político no Meio Digital, destaca que há ainda muita discordância sobre as fake news, termo que surgiu na cobertura jornalística para se referir a alguns sites maliciosos que difundiam boatos na forma de notícia durante a eleição presidencial dos EUA. Ele lembra, que uma vez eleito, Trump também passou a usar o termo para desqualificar e descredenciar qualquer tipo de cobertura adversária.

“Se o termo serve para essas duas coisas, ele quer dizer muito pouca coisa. Por isso tem gente que tem evitado o uso”, pondera. Apesar disso, ele acredita que o surgimento do termo é prova/resultado de um novo fenômeno comunicacional e político, relacionado tanto à radicalização da polarização política, quanto aos novos hábitos de consumo de notícias e de produção de informação.  

Áreas cinzentas O que aparece nas timelines (e o que informa as pessoas) não é exatamente governado por credibilidade ou reputação – mas, sim, por algoritmos desenhados para maximizar o período de atenção. Afinal, o que as redes sociais também querem é audiência. Ao lado dos sites de busca,são elas os sites mais rentáveis da internet. E os produtores de fake news sabem disso! “É claro que eu ganhei dinheiro publicando notícias falsas, mas o Google ganhou mais”, disse um jovem macedônio de 19 anos em entrevista à GloboNews para o documentário “Fake News – Baseado em Fatos Reais”. Em seguida, acrescentou: “a internet é um lugar livre. A mentira sempre  existiu. São os leitores que precisam ficar atentos. Checar aquilo que leem. O avanço (das notícias falsas) é culpa deles”, disse, sem remorso, um dos principais responsáveis pelas fake news que alavancaram a eleição de Donald Trump - a exemplo da que dizia que o Papa Francisco apoiou o republicano.

Mas as fake news referem-se tão somente às coisas completamente falsas ou a toda gama de distorção, de manipulação? Uma manchete altamente tendenciosa, distorcida ou em desacordo com o texto pode ser chamada de fake news? O que é falso é apenas a mentira ou todas essas técnicas de manipulação também podem ser encaradas desse modo? Para Ortellado, o que está em jogo também é a intecionalidade. “Fake news é aquela coisa que é falsa, que está errada, ou que é falsa de maneira maliciosa? O erro de uma apuração jornalística é fake news? Se a gente restringe ao erro malicioso, como é que a gente sabe a intenção do agente?”, questiona. Para ele, estas são áreas cinzentas, não resolvidas.

O que os pesquisadores geralmente concordam é que as fake news têm a natureza de interferir no debate político e estão relacionadas tanto à elevada intenção do autor em enganar, quanto ao baixo (ou até mesmo inexistente) nível de facticidade, ou seja, de relação com a verdade.  Mas se é mentira, porque as fake news são tão perigosas? “Esse tipo de conteúdo dialoga com pessoas que têm convições políticas muito firmes. Se minha crença é anterior, ela antecende todo o fluxo da faciticidade. Quanto maior a crença, menor a capacidade de olhar criticamente pro conteúdo”, ressalta Ortellado.

COMO IDENTIFICAR NOTÍCIAS FALSAS Você conhece a fonte da publicação? Sempre que ler uma notícia é essencial saber de onde ela partiu e quem está compartilhando. Existem portais de notícias que são bem conhecidos e costumam ter credibilidade, mas caso não conheça o site, desconfie. Entre no endereço, observe o ritmo de publicações e se as informações divulgadas por ele coincidem com as publicadas nos demais noticiários. Alguns costumam simular a marca, cores e tipo de letra de sites conhecidos, a fim de enganar os leitores. Fique atento a isso também!Responsabilidade de checar é de todos Se desconfiar de um conteúdo, coloque em prática a apuração, a checagem. Esse é um dever e um compromisso dos jornalistas, mas é uma responsabilidade sua também. Faça buscas e se certifique da informação, principalmente se pretende repassar à sua lista de contatos. Evite encaminhar informações sobre a quais não tem conhecimento ou certeza - mesmo (e especialmente) se elas terminarem com o pedido de “repasse ao maior número de pessoas”

A diferença mora nas fontes Leia o texto e identifique quais pessoas foram ouvidas para a construção da reportagem. No jornalismo, elas são chamadas de fontes. Quais citações foram incluídas? Elas são consistentes? Existe algum tipo de crédito para agências de notícia ou menção a outros veículos jornalísticos? Refletir sobre estes pontos é crucial para desmascarar uma fake news. 

Leia além dos títulos O título deve sintetizar o assunto principal da notícia, mas muitas das vezes é trabalhado para despertar a atenção do leitor - e cliques! Em alguns casos, essa busca beira o sensacionalismo ou a imprecisão. Sempre que ver uma chamada desse tipo, leia toda a matéria para entender o que ela diz e fugir da interpretação errada.

Certifique-se da data de publicação Com as redes sociais, é comum ver matérias antigas ganhando notoriedade. Isso porque elas costumam se relacionar ao contexto atual. Em momentos nos quais debates sobre determinados assuntos voltam à tona, atente-se para a data de publicação da notícia. Isso pode livrar você de estar circulando informação velha como nova.

Isso é uma piada? Diversos sites são especializados em fazer sátiras, iventando notícias que flertam com o absurdo (muito embora, em alguns casos, elas simulem com precisão a realidade)para arrancar risos. O texto costuma ter um “verniz” jornalístico, mas caso ele lhe pareça muito surreal, confira se não é uma dessas brincadeiras. No Brasil, dois dois sites mais conhecidos são o Sensacionalista, o Surrealista e o Diário Pernambucano (não confunda com o Diário de Pernambuco, um dos mais importantes do estado).A imagem corresponde à informação?  Outro aspecto importante para ter atenção é nas fotos usadas nas notícias. Caso duvide do conteúdo, pesquise as imagens em sites de busca e cheque se ela consta em alguma outra informação. Sites que produzem fake news, costumam “reciclar” essas imagens na esperança de agregar maior credibilidade. Foi o que aconteceu na notícia falsa sobre Marielle Franco com o traficante com o traficante Marcinho VP. A foto, retirada em um fotolog, não era nem da vereadora, nem do traficante.