'O capitalismo antigo não é economicamente sustentável', diz Nana Baffour

Um dos maiores empreendedores de tecnologia do mundo, ele é um dos palestrantes do Agenda Bahia

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  • Thais Borges

Publicado em 21 de novembro de 2020 às 16:00

- Atualizado há um ano

Nana Baffour saiu de Gana aos 20 anos, para estudar economia nos Estados Unidos. Lá, teve que trabalhar para se manter. Hoje, aos 48 anos, quase três décadas depois, Nana é um dos maiores empreendedores do mundo. Atualmente morando no Brasil, ele é o Chairman, CEO & Chief Culture Officer da Qintess, uma empresa considerada uma das dez maiores do ramo de tecnologia da informação do país. 

A Qintess anunciou recentemente o investimento de R$10 milhões, ao longo dos próximos cinco anos, em ações de fomento à diversidade e à inovação social no Brasil. Entre as metas, estão o treinamento de 2 mil jovens de periferias em tecnologia, de maneira virtual, além de acelerar 500 empresas com mentorias de profissionais com grande experiência. "Temos que reconhecer que o capitalismo antigo, onde a gente extrai do ambiente, das pessoas, e dos recursos naturais não é sustentável", diz ele, ao defender o que chama de capitalismo sustentável, em entrevista ao CORREIO. Ele será um dos participantes do Agenda Bahia, no dia 9 de dezembro*. 

Na última sexta-feira (20), tivemos o Dia Nacional da Consciência Negra e já acordamos com a notícia de mais um caso brutal de assassinato de uma pessoa negra em um supermercado em Porto Alegre. Fala-se muito sobre algoritmos raciais e as discussões sobre isso têm tido cada vez mais destaque, devido à sua importância. É possível não reproduzir o racismo em uma sociedade cada vez mais dependente de  algoritmos?

É possível sim, porque os algoritmos são desenvolvidos pelas pessoas. São dados que a gente que preenche e as máquinas usam para apreender. São preenchidos por pessoas. À medida que a gente coloca outros dados, as máquinas vão aprender.

Falamos muito em tecnologia, mas a chance de as inovações aumentarem as desigualdades sociais são imensas. Como podemos usá-la para reduzir esse abismo? 

Uma das formas que esses algoritmos atrapalham a sociedade é em relação à cessão de crédito no mundo financeiro. Eles têm algoritmos e usam isso para decidir se a pessoa é boa ou não. O problema é que isso traz uma certa restrição para tentar entender na realidade se a pessoa consegue pagar ou não. 

Por exemplo: você tem uma senhora que cuida da família dela e faz um trabalho de (venda) de comida, ou seja, ela não consegue comprovar direitinho toda a renda que tem porque não é registrada. Mas talvez olhando as redes sociais, as interações dela, dá para ver que ela tem renda suficiente. Ao invés de só pegar o informe de renda, o bairro, os algoritmos poderiam estar pegando a interações dela no Facebook, no Instagram. Com isso, dá para ter um conforto que ela pode ser alguém para quem a empresa pode ceder crédito. É um exemplo de como mudar a forma que a gente captura os dados para usar para reduzir as desigualdades. 

O que poderia ser esse capitalismo diferente desse que vem sendo praticado nos últimos séculos? O que a sociedade precisa nesse momento e como a tecnologia pode ajudar?

O capitalismo diferente é o que a gente chama de capitalismo sustentável. Temos que reconhecer que o capitalismo antigo, onde a gente extrai do ambiente, das pessoas, e dos recursos naturais não é sustentável. Economicamente falando, não é sustentável.

Hoje em dia, o grande motor que movimenta a economia e o mundo é a tecnologia. Além de ser uma tecnologia numa forma específica, as pessoas são diferentes e criativas. Se você olha os produtos que estão sendo lançados, eles só existem porque as empresas conseguem atrair mais gente criativa, que quer mudar o mundo.

E aí o capitalismo sustentável passa a ser um bom negócio. Se você é uma empresa que tem agências, como os bancos, que têm agências espalhadas pelo país, cada agência tem aluguel, pessoas, máquinas. Seu custo unitário fica alto. Aí chega um banco digital que não tem essas coisas, tem custo menor, oferece o mesmo serviço por menos. Você não vai ter futuro. Esse é o capitalismo que consome energia, que a gente fica preso para se locomover para chegar lá. Será que precisa desses gastos, será que precisa de tudo isso? Você poderia ser uma organização capitalista, mas eficiente também. Como o exemplo dos bancos, se você não consegue diminuir seu custo unitário, você não vai conseguir continuar existindo. Você decidiu investir R$ 10 milhões, no Brasil, em startups desenvolvidas por pessoas da periferia, com parceiros como a aceleradora baiana Vale do Dendê, de Salvador. Pode falar um pouco mais sobre essa iniciativa e os motivos que te estimularam a isso?

A gente vem nos últimos cinco anos trabalhando com fundos de impacto, que começaram a nos ensinar que criar empresas sustentáveis é um bom negócio. No nosso caso, a gente fornece a tecnologia e ajuda os nossos clientes. 

Tem um caso público que a gente ajudou o próprio governo da Bahia a lançar um sistema que economizou em torno de R$ 80 milhões e diminuiu a papelada em 90%. A gente vê que dá para ajudar com viés mais sustentável. 

E tem o fato de eu, pessoalmente, ser um africano que saiu de Gana e que, nos últimos 30 anos, vem tocando empresas no mundo e vivendo com um certo capitalismo. Comecei a achar que tem outra forma que a gente pode conseguir angariar valor e grande parte disso passa pela tecnologia. 

Saiu um relatório recente do Citibank que dizia que, nos Estados Unidos, o valor que poderia ser criado nos próximos cinco anos seria de US$ 5 trilhões. Então imagina que aqui no Brasil a gente poderia fazer alguma coisa. Eles estão começando, que são o grande motor, e nosso esforço é para ajudar nisso. O objetivo é treinar dois mil jovens nos próximos cinco anos para serem desenvolvedores de software e acelerar 500 empresas das periferias. 

Agora estamos começando na Bahia, mas a ideia é também expandir para todas as capitais onde a gente atua, como Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ). A gente tem uma presença forte no Nordeste. Acabamos de abrir um escritório em Fortaleza (CE). Temos mais de 500 pessoas no Nordeste. Dessas, 200 estão na Bahia. 

Como é possível tomar decisões a partir dos dados, mesmo em pequenas empresas?

Acho que hoje em dia as empresas estão com uma maior comunicação com o público delas. Empresas bem pequenas conseguem usar plataformas de marketing digital. Nesse sentido, sim, dá para usar dados para tomar decisões. Os dados ajudariam, por exemplo, a saber qual melhor tipo de ofertas, onde tem mais tração. 

Qual é o peso da privacidade em projetos criados a partir de dados? Você lembra de alguma situação em que teve que se preocupar com a privacidade e a cibersegurança em algum projeto que desenvolveu? 

Eu pessoalmente não uso muito redes sociais por causa de segurança. Mas por outro lado, acho que também a troca entre a pessoa e a empresa de redes sociais é assim: me dá seus dados, que vou usar às vezes de forma anônima para melhorar os serviços. Boa parte do mundo acha uma troca justa. 

Mas também a gente não pode esquecer que o ponto de atenção é qual tipo de dados que você fornece. Às vezes, o povo esquece que está fornecendo dados que estão abertos. É uma conscientização individual. Eu pessoalmente minimizo minha utilização dessas redes sociais abertas mas por outro lado tem gente que nem se preocupa. São coisas individuais. 

Mesmo hoje, ainda há vagas na área de tecnologia pela falta de profissionais treinados. Ao mesmo tempo, os níveis de desemprego só crescem no Brasil. Que tipo de investimento pode ser feito para que as pessoas que hoje estão desempregadas possam ser os futuros e as futuras trabalhadoras de tecnologia? 

Acho que passa um pouco pela pessoa e um pouco pela sociedade. Acho que hoje em dia tem muitos cursos gratuitos online para as pessoas que querem se capacitar. O Youtube tem muita coisa. Se você não está conseguindo, tem que se perguntar se você está fazendo a sua parte. 

E, por outro lado, as empresas que entendem o desafio de conquistar talentos criativos e trabalhadores resilientes também estão entendendo que têm trazer abordagens. Na nossa empresa, a gente tem um programa de academia onde a gente busca jovens para trabalhar nos nossos projetos. 

Que potencialidades uma cidade como Salvador e um estado como a Bahia teriam nesse contexto mediado por dados? O potencial é enorme, porque como falei, hoje em dia, o que tem mais valor é a criatividade e a resiliência. Todas as empresas estão recrutando gente mais criativa e a cultura está cada vez mais está virando um ativo importante. Se você olha para o mundo da moda, do varejo, de filmes, da gastronomia, tudo isso está ligado numa certa forma que aproveita a cultura africana. E a Bahia é o centro disso. Acredito que, à medida que o povo entenda que o patrimônio da Bahia culturalmente é grande e podemos começar a utilizar para filmes, vai ser uma potencialidade. Estamos trabalhando com uma empresa de games da Bahia que traz isso da cultura bem forte.

Você tem uma história pessoal inspiradora como empreendedor. Que lições do seu exemplo acredita que podem ser passadas adiante? 

Aprendi algumas lições durante essa jornada de 48 anos, algumas bem jovens. Tive a sorte de ter um pai empreendedor que me ensinou algumas coisas. Uma das coisas que ele me ensinou é que todo lugar é aqui. Ou seja, sempre que tiver alguma dificuldade em sua vida, não ache que em outro lugar seria mais fácil. Lá também vai ter dificuldade. Isso ensina a resiliência, que é o primeiro fator que eu poderia mencionar. 

A segunda coisa é que empreendedorismo é tipo uma religião: tem que ter fé. Você tem que acreditar em algo maior, porque o negócio é difícil vai ser muita negação que você vai receber, especialmente quando você é um empreendedor negro, ou mulher, ou menos privilegiado. 

A outra coisa é que você vai ter que procurar gente boa. Tem 4, 5, 6, 7 pessoas que estavam comigo me ajudando nessa jornada de dez anos. Ninguém faz nada sozinho e você tem que reconhecer as pessoas que te ajudam.   

*O Fórum Agenda Bahia 2020 é uma realização do CORREIO, com patrocínio do Hapvida, parceria do Sebrae, apoio da Braskem, Claro, Sistema FIEB, SINDIMIBA, BATTRE e Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e apoio institucional da Rede Bahia e GFM 90,1.