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O Cu é lindo? Lindo, lindo, né não

Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista

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  • Jolivaldo Freitas

Publicado em 25 de julho de 2018 às 05:05

 - Atualizado há um ano

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Algumas frases nos remetem à questão que se enuncia hoje em muitos dos meios de comunicação sobre a exposição Cu É Lindo, que está no Instituto Goethe, em Salvador, que se não fosse um termo e tema polêmicos nem teria tanta graça assim. A sabedoria alerta que “pimenta no cu dos outros é refresco”. “Quem tem cu tem medo”, mesmo. “Lá no cu do Judas”. Mas não tenha medo de ir ver a mostra que faz parte do Projeto Devires. Na verdade, só pelo fato do bárbaro e retrógrado Movimento Brasil Livre (MBL) não gostar já pode ser algo instigante uma visita. Mas já vá sabendo que é artisticamente pobre. Só chama a atenção pelo inusitado.

O que acho é que, mesmo sendo arte, foi algo desnecessário, mesmo nesses tempos em que na arte vale tudo e tudo é arte. A filosofia do autor de querer enfrentar a censura e o conservadorismo é balela. Se trata na real – ao contrário do Queermuseu, que tem uma proposta estética e positiva – de chamar a atenção no exagero. As fotos, por exemplo, não são boas. Não tem anima e, depois de um tempo, quando o  visitante se acostuma,   vê que emblemático mesmo é tentativa de afirmação do autor, Kleper Reis.

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Aí, quando se pensa achar uma relação filosófica clássica ou contemporânea, caímos numa síntese meramente sexualista, o que tira também o brilho, por ser restrita. O tema cu atrai. Num texto na internet afirma-se que o filósofo Sócrates (469 a.C-399 a.C) mandou literalmente seus algozes, que o obrigaram a se matar com cicuta, tomar no cu. Não achei referência em mais nenhum lugar, mas a afirmação estava cheia de cliques e curtidas. A palavra cu tem ímã. O Kleper sabe.

A exposição do Goethe – este que sempre foi um espaço de liberdade, de transgressão e democracia – recebe o multievento com a proposta do exercício de desnaturalização das relações entre sexo, gênero, visualidade, raça e poder, conforme a curadoria. Muitos que viram acharam confuso. Mas, ao contrário do MBL, respeitaram a liberdade de expressão. Nem sei o porquê uma das fotos, com bundas em grau coletivo, me trouxe à memória Cândido, de Voltaire, em que uma personagem tem metade da bunda comida e, aí sim, está uma metáfora.

O questionamento sobre a exposição ter sido contemplada por edital da Secretaria de Cultura da Bahia é bobagem. Não vale demonizar. Todo tipo de arte tem de ter apoio, uma vez que a sociedade é múltipla e cada segmento evoca ser contemplado, e quem não acha interessante que não apareça. Senão toda exposição seria de obras de Michelangelo, Manet, Caravaggio, da Vinci e correlatos e nunca teríamos Picasso, Anita Malfatti, Oiticica, Van Gogh ou Basquiat. Foi até um ato de coragem do pessoal da Cultura (sobre sua apatia institucionalizada é outro assunto).

O poeta Manoel de Barros já falava em suas Poesias Completas sobre cu da formiga. O poeta baiano Gregório de Mattos escreveu vários poemas com este tema: “Dizem que vosso cu/ Cota/Assopra sem zombaria/Que parece artilharia/ Quando vem chegando a frota”. Em 1973, o cu estava ardiloso e em plena desfaçatez na capa do disco Todos os Olhos, do compositor tropicalista-baiano Tomzé. Mas, voltando à exposição, nada tem a ver o cu com as calças.

Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista