'O meu papel é alentar', diz Djavan sobre novo álbum de inéditas

Aos 69 anos, cantor continua celebrando a natureza e amor, mesmo em tempos sombrios

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  • Da Redação

Publicado em 24 de novembro de 2018 às 06:20

- Atualizado há um ano

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“Meu envolvimento com a natureza vem desde o útero”. É com essa frase aparantemente óbvia e dita sem titubeio que Djavan, 69, explica a estreita relação que mantém com a natureza que o cerca e que é marca registrada das suas composições.  Em Vesúvio, seu 24º álbum de estúdio, a intimidade se mostra ainda mais evidente. Nem mesmo o assombro diante de um mundo por vezes sombrio é capaz de ofuscar luminosidade da obra.

Leia também:Djavan canta o amor, a natureza e a política em Vesúvio; ouça O vulcão estampado na  faixa-título, a primeira do disco, é também uma grande síntese do trabalho, que explora o poder avassalador do meio ambiente e, claro, do amor. Os versos de Vesúvio, cuja melodia remete ao movimento das ondas e também da erupção, dizem: “Todo mar tem onda/Você tem um poder/Que me lembra o Vesúvio/O sol é de ouro/Que na foz do prazer/Me transforma em dilúvio”. Sim, Djavan se mantém fiel ao universo que o consagrou como um dos maiores nomes da MPB, mas também segue buscando novas motivações e se transformando. Foi por conta desse desejo que decidiu fazer um disco de inéditas, depois de três anos. Foi por ele também que se aventurou a fazer uma capa  como nunca tinha feito até então, nos seus 40 anos de carreira. Para isso, pintou o corpo com tinta metalizada e dourada, fazendo da sua própria pele uma espécie de magma. Sabia que o resultado poderia ser impactante.  (Foto: Reprodução) O frescor propositivo de Vesúvio se mistura à memória afetiva de quem acompanha o artista, mesmo que só de escutar na rádio. É com esse grande público que ele quer comunicar primordialmente.  “Estou sempre buscando novas motivações e para mim pareceu um desafio imenso fazer música pop neste momento em que estamos vivendo, nebuloso, de tanta incerteza no país e no mundo. Queria que a minha mensagem musical chegasse com mais facilidade, com mais fluidez, cristalina”, explica o músico, que, no final das contas, conseguiu fazer um disco fiel a si próprio. O discurso político explícito, movimento que já tinha realizado em outros momentos da sua trajetória, se torna ainda mais enfático. “O meu papel é alentar, levar uma inspiração, uma mensagemde otimismo“, resume o cantor alagoano, que já se prepara para a turnê de lançamento de Vesúvio, que estreia em março e passa por Salvador, mais precisamente pela Concha Acústica, no dia 11 de maio.  Na entrevista exclusiva concedida ao CORREIO esta semana, Djavan fala, dentre outras coisas, sobre seu imenso jardim de orquídeas, que o inspirou a escrever algumas músicas e o momento de reflexão de de íntima perplexidade com a política brasileira e mundial, que o levou a compor a faixa Solitude, divulgada em setembro e carro-chefe do álbum e sobre a parceria com o uruguaio Jorge Drexler, com quem divide os vocais da faixa bônus Esplendor, apesar de nem mesmo conhecê-lo pessoalmente.Pela exuberância simples, a capa do álbum já é um convite à escuta. Só que hoje o consumo musical se dá sobretudo pela internet, muita gente nem mesmo tem acesso a outras camadas do trabalho que não à música propriamente dita. Como é sua relação com a materialidade do disco? Eu resolvi que não vou abrir mão do canal físico, como sempre tivemos. Além do CD, vamos lançar um LP também, mesmo trabalhando com a internet maciçamente, lançando clipe no YouTube, as faixas nas plataformas de streaming. Eu acho que a internet tem uma carência de informação muito grande e tem muita gente qu gosta de manipular o disco físico, de ver a ficha técnica. Fazer a capa é sempre um desafio e, dessa vez, eu quis fazer algo diferente, fazer uma analogia com o vulcão me pintando de preto e dourado. Foram três horas somente de pintura. Eu disse para mim mesmo: “Se eu gostar, vai valer a pena, vai ser impactante. Se não gostar, jogamos tudo fora e fazemos outra coisa”. Pelos retornos que tenho recebido, acho que todo mundo gostou. Retomando essa analogia com o vulcão, a natureza está bastante presente nesse trabalho - como em sua obra como um todo? Como você definiria essa relação?  Meu envolvimento com a natureza vem desde o útero. Minha mãe sabia muita coisa, se interessava muito pelas coisas do mundo. Por causa dela, sei nome de constelações, de plantas da Caatinga, da Mata Atlantica. Minha ligação com a natureza sempre foi grande. Eu lido com plantas há muito tempo e há quinze anos eu comecei a cultivar orquídeas. Tenho um jardim com 850 delas, de 360 espécies. Sempre tive fascinação por orquídeas, com os nomes em latim, todos com muitas consoantes, com uma sonoraridade própria. Fiz uma música inspirada nisso [Orquídea] e o desafio foi dar uma organicidade. É um samba. Em Vesúvio também tive um desafio novo, fazer uma letra dupla, uma interposição entre uma relação amorosa e a natureza. “Mas o mar tem onda”. Algo que é fluido e imponderável. Eu curti o resultado.

Além da natureza e do amor, temas constantes em suas composições, este álbum também tem um discurso político explícito. Em Rua dos Amores (2015) você destacou como novidade um traço autobiográfico. A política, em Vesúvio, seria esse elemento inovador?  Essa movimentação política não é uma coisa nova na minha obra. Em 1978, lancei Cara de Índio, que é um manifesto pelos direitos dos índios. Acho que a própria lida que são as relações humanas, interpessoais, também é política. Só que essa explicitação de que você fala já havia sida precedida pela música Imposto, do disco Matizes, de 2007. Em  Rua dos Amores, de 2015, a música Pode Esquecer diz “Na nova ordem geral/ De um novo comando/ Abstinência moral/ É crime hediondo!”. A música é de quando surgiu a Lava Jato emblamatiza esse momento. O movimento que faço agora no disco tem a ver com um momento extremado, polarizado, de ânimos exaltados, no qual o país inteiro vivenciou cenas horrorsas. É impossível isso não contaminar qualquer trabalho. Não falo só da música, como qualquer outra arte. O indivíduo é um ser político, então essa é uma movimentação natural.

Mas, apesar dos tempos sombrios, você consegue manter em toda obra o tom luminoso. Faz uma espécie de chamado à ação, alerta para a importância de comunicar, tem fé no amor.  O meu papel é alentar, levar uma inspiração, uma mensagem de otimismo. Chega de mazela, de tristeza, de assombração. Tento levar um alento, apontando para o futuro, que precia ser digno, promissor. Temos visto a onda de imigração, pessoas abandonando seus países em busca de paz, de segurança, de alguma estabilidade. O próprio mundo é reponsável por isso. A evolução dos países ricos se deu em detrimento dos países pobres. Foi assim que eles cresceram, e essa conta está chegando agora. Tanto na Europa, quanto no Brasil, quanto nos EUA. Aqui temos visto a chegada dos venezuelanos e dos haitianos. Nos EUA, são os mexicanos e latino-americanos de modo geral. Na Europa, os sírios e povos do Oriente Médio. O mundo precisa se organizar para receber pessoas que trazem culturas, saberes distintos; profissionais que lidam com suas profissões de maneira peculiar e que vão se somar aos países que eles estão adentrando. Essa contribuição não pode ser negligenciada, ignorada. É Deus ensinando por linhas tortas, uma horas os homens vão ter de entender.Você acabou de lançar o disco, mas já está preparando a turnê. Vi que perguntou aos seus fãs que músicas não podem faltar nos shows. Como é montar esse repertório?   Abri essa janela e fiquei surpreso com quanto as pessoas conhecem a obra. Deram ideias de músicas que nunca tocaram nas rádios, surpreso de quanto a obra é conhecida de todos. Tenho a maior alegria. Flor do Medo foi a campeã e ela vai estar no show, porque tem que ter uma interatividade entre a plateia e o palco. As pessoas dizem que faço isso bem, mas é uma dificuldade enorme. Como deixar de fora isso ou aquilo? Tento incluir o que querem, as músicas novas, os hits - que são todos rearreajnados - e algumas músicas inusitadas, que eu gosto e quero fazer conhecidas. 

E a parceria com Drexler, com quem você divide os vocais na faixa-bônus? Quando eu fiz Meu Romance, me dei conat que tinha feito um bolero. Drexler tem uma fluência na America Latina por falar em espanhol, é talentoso e bom músico. Ele gostava de mim, eu gostava dele. Pensei nele, o procurei e ele achou a ideia de fazermos algo juntos ótima. Pedi pqra ele fazer uma letra em espanhol e ele propôs fazermos juntos, Esplendor é uma versão quase que literal de Meu Romance. Ele gravou em áudio e vídeo, juntamos as vozes no estúdio e em breve vamos lançar um clipe com esse material. Tudo pela internet. Nunca nos encontramos, nem nos conhecemos pessoalmente ainda.

Você diz que Vesúvio é um disco pop. Por que? Eu sempre procuro algo para me desafiar. A  intenção é fazer um disco pop, mas que continue sendo Djavan. O pop faz parte da diversidade que me formou. O pop é um gênero que quis acentuar neste trabalho, pela sua capacidade de comunicação.