O Nordeste desintegrado

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  • Waldeck Ornelas

Publicado em 19 de maio de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Sou do tempo em que se vivia a mística do desenvolvimento do Nordeste brasileiro tendo como referência a Sudene, a poderosa Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, criada pelo presidente Juscelino Kubitschek e liderada pelo economista Celso Furtado. Coroava-a o Conselho Deliberativo, formado pelos governadores dos estados e pelo ministro de estado a que estivesse vinculado o tema do desenvolvimento regional, cujas reuniões mensais, religiosamente realizadas, constituíam momento de grande mobilização administrativa e efervescência política. Eram tempos em que uma vibração de confiança e entusiasmo permeava toda a sociedade.

Esvaziada, extinta, depois recriada, a Sudene ainda existe hoje em dia, embora já não se ouça mais falar dela, porque perdeu a importância e o significado. Juntou-se ao DNOCS, o carcomido Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, ao qual se une agora também a Codevasf, criada para desenvolver o Vale do São Francisco, promover a agricultura irrigada, e pouco a pouco descaracterizada – a partir do projeto da transposição sem revitalização – e espraiada por meio Brasil, como se as poucas águas do Velho Chico tivessem alagado um imenso território. Das instituições regionais sobrevivem a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), cumprida sua missão de aproveitar o potencial energético de Paulo Afonso e de todo o canyon, e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), preservado pela fiscalização do Banco Central.    O sonho de novas políticas públicas para a região esvaiu-se a partir do momento em que, esgotado o Sistema 34/18 de incentivos fiscais, os governadores dos estados do Nordeste abandonaram o Conselho Deliberativo, matando a política de desenvolvimento regional.

Foi essa lembrança na memória que me dominou ao assistir à live Nordeste Export, do Fórum Regional de Logística e Infraestrutura Portuária. Tendo como tema a atualidade e perspectivas do transporte multimodal, desfilaram os projetos da Ferrovia Transnordestina e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), além de uma apresentação da ANTAQ sobre a inativa Hidrovia do São Francisco. A Ferrovia Centro Atlântica (FCA) não compareceu.

Muito emblematicamente, participou do evento o prefeito de Petrolina (PE), que junto com Juazeiro (BA) formam o maior núcleo urbano do interior do Nordeste, menor apenas que Feira de Santana, esta a 100km de Salvador. Trata-se dos dois grandes pontos nodais do hinterland regional, com grande importância logística.

No caso de Feira de Santana é o maior entroncamento rodoviário no Nordeste e portal de entrada de Salvador, capital da Bahia e importante região metropolitana. Já em relação ao Polo Juazeiro – Petrolina a situação é crítica, uma vez que apesar da sua expressão econômica, continua relegado: por lá não passa a Transnordestina, está abandonado pela FCA e não conta com a hidrovia, ora desativada.

É que cada projeto hoje caminha isolado e independente dos demais, sem qualquer integração ou articulação, sequer projetada. E a força política mobilizada para superar as lacunas não logram conseguir êxito. Como se vê, consórcio interestadual – o novo modelo adotado – não substitui a dignidade e a importância do antigo Conselho Deliberativo da Sudene. Trata-se apenas de uma sociedade civil, sem qualquer força institucional. A emenda ficou pior do que o soneto.

O Nordeste demanda uma nova política de desenvolvimento. Precisa de estadistas para recomeçar.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional, autor de “Cidades e Municípios: gestão e planejamento”.