O novo profissional do terceiro setor

Mercado de ONGs agora exige formação e engajamento

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  • Jordan Bezerra

Publicado em 21 de agosto de 2017 às 06:00

- Atualizado há um ano

A noção de que para abrir ou trabalhar em uma Organização Não Governamental (ONG) basta ter um bom coração e vontade de ajudar está completamente ultrapassada. A necessidade de um trabalhador engajado em causas sociais permanece, mas foi acrescida a exigência de que o trabalhador do terceiro setor possua as mesmas qualificações e histórico de resultados cobrados por empresas privadas. A mudança cada vez maior no caminho da profissionalização da gestão das ONGs se deve aos grandes investimentos que instituições como BNDES e Unicef passaram a fazer nessa área.  

“Já não cabem mais amadorismos. Por quase 50 anos as ONGs funcionaram com trabalho voluntário e hoje muitas delas pagam um preço alto por isso, com problemas de gestão e, principalmente, financeiros”, explica Luiz Gonzaga Bertelli, presidente do conselho de administração do Centro Empresa-Escola (CIEE). Atualmente, as exigências para trabalhar no terceiro setor são basicamente as mesmas das empresas privadas”.

Bertelli ressalta que os investidores passaram a exigir mais transparência das ONGs, para saber o que de fato elas fazem com o dinheiro e para que a sociedade reconheça as suas ações. E isso intensificou a necessidade de pessoas qualificadas. Hoje, as ONGs que mostram seus resultados regularmente conseguem mais créditos e benefícios como imunidade tributária.

Outro fator que também influenciou no quadro foi a instituição do Marco Regulatório do Terceiro Setor em 2014 (Lei. 13.019/14) , que dentre outras  mudanças regulamentou duas novas formas de concessão de recurso financeiro para ONGs: o Termo de Colaboração, no qual a organização que cedeu o apoio determina em quais atividades o dinheiro deve ser aplicado, e o Termo de Fomento, quando a próprio ONG apoiada decide como utilizar o recurso.  Em ambos os casos, percebeu-se a necessidade de profissionais treinados, tanto para realizar as ações com o capricho que os apoiadores esperam, quanto para usar o apoio da forma mais proveitosa possível. 

 Novas exigências Especialista em responsabilidade social, Liliane Rocha conta que, além da formação acadêmica na área específica em que a pessoa vai atuar, um estudo da Universidade de Cambridge (Inglaterra), traçou outras quatro características que o profissional do terceiro setor precisa ter: orientação para geração de resultados, conhecimento da realidade social para obter parâmetros de mudança, orientação de princípios éticos, e ser um agente inclusivo.

“As empresas de outros setores competem pelos profissionais com as instituições de terceiro setor. O profissional precisa ter engajamento social, que é o conhecimento da causa na qual a ONG concentra suas ações, e também a especialização. Hoje já existem vários níveis de graduação voltados para isso, como pós e MBA em políticas públicas, serviço social, etc.”, observa. 

Érica Marise, 36, trabalha como professora de oficina de crochê na ART’CAN, uma ONG  focada em promover acesso à arte nas comunidades carentes do município de Candeias (BA). Ela diz que,  para conseguir a vaga, precisou fazer um curso de tapeçaria no Instituto de Artesanato Visconde de Mauá, em Salvador. 

“Eu faço esse trabalho artesanal desde os 17 anos, mas para aprimorar e passar o conhecimento da melhor forma eu fiz alguns cursos. Considero isso muito importante. Ajudar a sociedade exige preparação, não podemos achar que  qualquer coisa está bom”, comenta.

Estela Martins, consultora de RH que já trabalhou em três organizações não governamentais baianas, explica que o perfil do profissional de terceiro setor procurado atualmente mescla engajamento social e profissionalismo. 

“Apesar do processo de profissionalização, a ONG jamais pode se afastar do propósito para a qual ela foi criada.  O profissional formado e preparado é sim do interesse das instituições de terceiro setor, mas se ele não tiver uma veia militante engajada, continuará sendo apenas mais um profissional que poderia trabalhar em qualquer outro lugar”, afirma. 

O contador Mário Rocha diz que seu perfil ativista foi fundamental na hora de conseguir um emprego na Guetto, ONG voltada para a educação artística de negros que vivem em periferias. “Eu sempre participei de coletivos e grupos de debates na universidade. Acredito que isso me tornou mais atrativo para a instituição”, contou.

Para fazer a diferença  ao trabalhar em uma ONG 

Ativismo: Ter participação em coletivos, projetos políticos ou iniciativas individuais relacionados à causa da ONG demonstra engajamento e vivência no assunto  

Histórico: Quem tem experiência em projetos socias ou já atuou em outras organizações de gênero, ainda que na condição de voluntário, tem vantagem na hora da contratação.

Valores: Assim como as empresas privadas, as ONGs buscam pessoas que se adequem a sua cultura organizacional, com posicionamentos políticos e opiniões  semelhantes.

Disponibilidade: O  trabalhador deve ter disponibilidade e flexibilidade, pois a atuação do terceiro setor, muitas vezes, requer ações imediatas por conta de acontecimentos sociais, sobretudo nas organizações ambientais e nas que atuam em comunidades carentes.

Prática: O terceiro setor exige que os contratados tenham cada vez mais soluções práticas, não só para o problema social, mas também para as questões administrativas da própria organização.  

Criatividade: ONGs necessitam cada vez mais de ideias inovadoras que potencializem o resultado das ações e que sejam altamente inclusivas.  

Especialização: Pós-graduação e outros cursos de especialização na área de atuação da ONG, ou em assuntos voltados para minorias sociais e gestão pública, também fazem a diferença. 

Tecnologia: As ONGs estão em busca de funcionários que entendam de redes sociais, plataformas mobile e aplicativos para melhorar a divulgação dos resultados.                       

Didática: Pessoas com boa comunicação e didática também são muito procuradas, pois conseguem preparar bem equipes e repassar orientações e conhecimentos.

Ética: Conhecer os fundamentos éticos que regem o terceiro setor e aplicá-los no trabalho cotidiano é essencial para conseguir se manter dentro da área.