Para usar coloroquina, pacientes de sintomas leves têm de assinar termo

Novo protocolo do Ministério da Saúde instala debate polêmico entre médicos e autoridades políticas, inclusive na Bahia

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  • Da Redação

Publicado em 21 de maio de 2020 às 06:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução

Depois que dois ministros da Saúde pediram demissão por não concordarem com assuntos envolvendo a cloroquina, o general Eduardo Pazuello, que assumiu interinamente o Ministério da Saúde, liberou nesta quarta-feira (20) o uso do medicamento no Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes com sintomas leves de covid-19. Antes, o remédio era permitido apenas para casos graves da doença. Para as pessoas com casos mais simples, também será necessário assinar termo de responsabilidade pelo uso (veja o documento abaixo).

A decisão instalou um debate polêmico entre médicos e autoridades políticas, inclusive na Bahia.

A mudança no protocolo era um desejo do presidente Jair Bolsonaro, defensor da cloroquina no tratamento da doença causada pelo novo coronavírus. No entanto, ainda não há comprovação científica de que a cloroquina é capaz de curar a covid-19 e estudos iniciais demonstraram baixa eficácia do remédio, que não é recomendado pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). 

A SBI já se declarou contra este protocolo do governo federal, afirmando que o documento carece de evidência científica, “além de ser perigoso, pois tomou um aspecto político inesperado". A sociedade afirmou, ainda, que é necessário ter bases em evidências sólidas para esse tipo de decisão. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também reforçou que não há eficácia comprovada no medicamento.

O protocolo de liberação da cloroquina não teve assinatura de responsáveis técnicos, como é de costume. O general interino no ministério não tem formação na área da saúde.

Na Bahia, médicos decidem

Vice-presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb-BA), o médico cardiologista Júlio Braga, recordou que já é sabido entre os profissionais que as evidências dos benefícios do medicamento são fracas, mas na falta de outro tratamento específico comprovado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) havia autorizado o uso anteriormente. 

“Só que diferente do CFM, esse protocolo faz uma autorização para usar em casos de sintomas leves, casos não confirmados. O novo protocolo deixou mais aberto. No final das contas, a gente não tendo certeza sobre o remédio, não tem nem como criticar”, diz Braga.

O documento do Ministério da Saúde, na avaliação do Cremeb-BA, é sugestivo para os médicos, mas não obrigatório. Isso significa que cada profissional deverá, individualmente, avaliar o uso do medicamento com o consentimento do paciente ou familiares. Esse também é o posicionamento da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), que reforçou através de nota que, mesmo com essa flexibilidade para os casos leves, a indicação de uso continuará cabendo ao médico.

“É um guia prático para os médicos que queiram usar, o paciente tem que entrar em acordo e assinar um termo. Mas não existe evidência, neste momento, de que é melhor ou pior. As pesquisas foram feitas in vitro, em pessoas ainda não se sabe se é melhor usar na fase inicial, intermediária ou avançada da doença”, continua Braga.

Governador alfinetou

Perguntado na live Papo Correria, nesta terça-feira, sobre a liberação do protocolo da hidroxicloroquina, o governador Rui Costa, numa provável referência ao general interino, respondeu que não aceitaria que pessoas que não são médicas receitassem medicamentos, mas garantiu que qualquer medicamento, inclusive a cloroquina, estarão à disposição para os médicos utilizarem quando acharem necessário. 

“Nós acreditamos na medicina, na ciência, não atuamos com demagogia e não trazemos ideologia para salvar vidas humanas”, atacou Costa.

Desde a primeira semana de abril, a Sesab disponibiliza, mediante prescrição médica, o uso associado da hidroxicloroquina e azitromicina para pacientes exclusivamente internados no SUS com diagnóstico positivo para a covid-19. A secretaria esclareceu que, embora libere, a ação não se trata de uma recomendação de uso e que se limita mais a um medicamento à disposição do médico, assim como a ivermectina e tocilizumabe, outras alternativas terapêuticas para pacientes hospitalizados pela doença.

Forma de uso e efeitos colaterais

A cloroquina e a hidroxicloroquina são usadas há anos no tratamento da malária e de algumas doenças reumáticas, como artrite reumatoide e lúpus. A partir deste novo protocolo, pacientes com sintomas leves de covid-19 como perda de olfato e paladar, coriza, diarreia, febre, tosse e dor de cabeça poderão usar o remédio mediante prescrição. 

O próprio Ministério da Saúde esclarece que cloroquina e a hidroxicloroquina podem causar efeitos colaterais como disfunção do fígado, problemas cardíacos e arritmias, além de alterações visuais por danos na retina e redução de glóbulos brancos — células responsáveis pelo sistema imunológico. Portanto, o uso do medicamento deve ser uma escolha do médico para salvar vidas.

O termo de consentimento, que deve ser assinado pelo paciente, ressalta que "não existe garantia de resultados positivos" que "não há estudos demonstrando benefícios clínicos". O protocolo e o termo de consentimento afirmam ainda que o paciente deve saber que a cloroquina pode causar efeitos colaterais que podem levar à "disfunção grave de órgãos, ao prolongamento da internação, à incapacidade temporária ou permanente, e até ao óbito".

Confira o termo (clique para ampliar):