Produtos artísticos e culturais são aliados na compreensão e aceitação da morte

Especialistas fazem reflexões sobre a finitude e garantem que existem diferentes formas de compreender a passagem

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  • Vinicius Harfush

Publicado em 5 de agosto de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Se há algo que de fato é inevitável na vida é a morte. Parece duro falar dessa forma e, de fato, é. Seja por pensar que nada nem ninguém é eterno ou por não saber quando ou como isso vai acontecer, o fim da vida sempre ganhou uma conotação negativa, regada de muita angústia e indefinição. 

Mas se a morte é a coisa mais certa que se sabe, porque fechar os olhos e tampar os ouvidos quando se fala dela? Talvez seja muito mais fácil enxergá-la por outros ângulos. E os especialistas garantem que existe diferentes formas de compreender a passagem. E muitas vezes é possível fazê-lo com o simples ato de compartilhar.

É com esse intuito que o Circuito Saladearte em Salvador realiza, em parceria com a Santa Casa da Bahia,  o projeto CineClube da Morte, que protagonizou sua terceira edição na terça-feira (30), no Shopping Paseo. O filme escolhido desta vez foi o sensível Truman (2015), dirigido por Cesc Gay e estrelado por Ricardo Darín, que fala sobre afetação, despedidas e afetos.  

Nascido em São Paulo, com o publicitário Tom Almeida, o clube ajuda a refetir sobre a morte, mas de uma forma distante da visão negativa convencional. A cada sessão, que acontece em uma terça-feira por mês, um novo filme, uma nova roda de conversa e novas descobertas. Mediado pelos médicos e professores Tarcísio Andrade e Jacy Andrade, o evento exibe uma produção que se relaciona com o tema."As pessoas nos procuram para falar de perdas, de luto e como conduzir certas situações que estão vivendo", Tarcísio Andrade, sobre as experiências após as sessões de filme CineClube da Morte Sessões acontecem uma terça-feira por mês na sala do circuito no Shopping Paseo (Foto: Divulgação) Depois,  abre espaço para que o público converse, exponha e questione o que foi visto: “A questão mais importante é dar voz às pessoas, para que elas possam se aproximar desse assunto e refletir sobre a finitude de cada um, que é o que as pessoas têm como certo”, avalia Tarcísio.

E é a partir desse compartilhamento que os participantes criam suas referências exteriores. Como não existe nenhum expert em morte, resta a cada indivíduo buscar se enxergar nesse cenário, ou seja, perceber que também está vulnerável, mas sem ter a necessidade de fugir do assunto.

“A gente se enxerga ali. Seja como o personagem que está morrendo, seja nos amigos e familiares que estão acompanhando. Viver as emoções dos personagens e nos colocar naquela situação nos faz amadurecer sobre a morte”, diz a engenheira Ana Luiza Barbosa, engenheira, que frequentou uma das sessões.

Após o luto A atriz, diretora e dramaturga baiana Cristina Leifer fez um importante questionamento sobre o tema: “A gente vive na perspectiva da morte o tempo todo, sempre fugindo dela. Ficamos presos na perspectiva de finitude, querendo parar no tempo. Uma juventude eterna que é uma grande ilusão”. 

Cristina usou o poder de  arte para ressignificar o sentido da morte. Há sete anos ela viu seu pai sofrer uma morte súbita, ao seu lado, no banco do carona de um carro. Por mais traumático que tenha sido, e foi, nada foi mais marcante do que perceber que o luto havia passado. Foi quando ela finalmente entendeu o processo pelo qual passou e resolveu levá-lo aos palcos, no espetáculo Ensaios Sobre o Fim, que esteve em cartaz no início do ano."A arte foi imprescindível me dando forças para realizar a peça e finalizar esse luto",  atriz Cristina Leifer, sobre como Ensaios Sobre o Fim ajudou a superar a perda do pai Ensaios Sobre o Fim é um monólogo produzido e apresentado por Cristina Leifer, que debate a morte e o fim misturando a ficção com a sua realidade (Foto: Divulgação) Homônimo ao livro escrito pelo psicanalista  Wilker França, o espetáculo apresenta a personagem Laura, que se vê perdida em suas criações por não saber quanto tempo mais terá de vida. “Já passei por esse processo que a Laura passa na peça, ela alcança o estágio que estou hoje. Foi um jogo de ficção e realidade, existiam coisas minhas e características da personagem. No fim é uma ode à vida, impotência que gera potência”, conta a atriz. "Tem sido uma experiência muito enriquecedora e indico pra qualquer pessoa. Pretendo continuar participando e espero que o projeto continue. É uma iniciativa maravilhosa", Ana Luiza Barbosa, sobre as sessões do CineClube da MorteLiteratura e TV Os encontros e desencontros também marcam as páginas do romance Tchau, lançado recentemente pelo publicitário baiano Ricardo Cury. No livro, explica, procura trabalhar com a sensação de perda a todo momento, mas sem atribuir o peso, afinal existe o tchau momentâneo, pela distância e aquele que é para sempre.

Uma das personagens da trama, Luiza, é uma psicóloga que tenta melhorar os cuidados paliativos para tratar  pacientes terminais. “A morte se encaixa de várias maneiras. Desde a forma que choca, que rompe caminhos e desespera, até a forma quase banal. Mas não banal por ser sem importância, longe disso, mas sim por ser natural, corriqueira”, conta Cury. A personagem Paloma, interpretada por Grazi Massafera é diagnosticada com câncer por engano, e então resolver viver mais a sua vida (Foto: Divulgação) Na televisão, este debate sobre a finitude também está sendo mostrado na recém-lançada novela das sete, Bom Sucesso. Na trama, a atriz Grazi Massafera vive Paloma, uma costureira que recebe um falso diagnóstico de um câncer terminal, e passa a repensar sua atidudes diante da vida, com uma nova postura. A relação com a morte vai balizar toda a história."Os encontros e, consequentemente, as despedidas acontecem a todo o momento, tanto no livro como na vida real ", Ricardo Cury   Seja por trás das telas, nas entrelinhas dos livros e poesias, ou na vida real, a morte chega para todos, mas a arte está aí para mostrar que é possível enxergá-la de outra forma, compreendendo e aceitando o inevitável.

Refletindo sobre a morte nas telonas 1. Truman (2015) Filme espanhol que conta a história dos amigos Julián, interpretado por Ricardo Darín, e Tomás, que tem no papel Javier Cámara, que se encontram talvez pela última vez. Julián mora em Madri e sofre com um câncer, mas depois de um tempo com o tratamento resolve interrompe-lo. Tomás vem de Toronto, no Canadá, visitar o amigo para se despedir e acabam entendendo, juntos, o valor de aproveitar a vida.

2. Invasões Bárbaras (2004) Á beira da morte por conta de uma doença terminal, Rémy, interpretado pelo ator Rémy Girard, se arrepende da forma como lidou com aqueles que o amavam durante a vida e agora quer consertar as coisas. Com a ajuda do seu filho Sébastien (Stéphane Rousseau), Rémy tenta reconquistar o tempo perdido e finalmente voltar a ter seus amigos, e até sua ex-mulher de volta ao seu lado. A produção é franco-canadense.

O Quarto do Filho (2002) Filme italiano conta a história do psicanalista Giovanni (Nanni Moretti) e sua esposa Paola (Laura Morante), que vivem um grande trauma na vida quando seu filho Andrea (Giuseppe Sanfelice) morre afogado em uma visita à praia. Com um grande sentimento de culpa por não estarem no momento do acidente, o casal e sua outra filha Irene (Jasmine Trinca) terão que se unir para aceitar e superar a perda.

Amor (2013) O longa francês conta a história de um casal de idosos, Georges e Anne, interpretados por Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, que vivem confortavelmente em sua casa até acontecer uma reviravolta em suas vidas. Certo dia Anne sofre um derrame e fica com parte do rosto paralizado e, a partir de agora, o casal passará por grandes provas de amor, convivendo com as sequelas causadas pelo acidente.

Medicina paliativa ampara doentes terminais

Não se trata de quantidade e sim de qualidade. Essa é uma frase que se encaixa em diversos contextos e aspectos da vida, inclusive quando se fala dela mesmo. É claro que a intenção é sempre prolongar a existência, por isso ter uma vida saudável e cuidar do corpo e da alma são fatores imprescindíveis para aumentar esse número. 

Mas e quando se chega num limite? Quando não há uma possibilidade a não ser aceitar e compreender a morte? A medicina paliativa existe justamente para tratar os pacientes com doenças terminais ou incuráveis, e atua com o intuito de auxiliar o paciente, elevando a sua qualidade de vida e tornando o processo de despedida mais suave e o mais saudável possível.

Especialidade

Professora da Universidade Federal da Bahia e médica com especialização em cuidados paliativos, Jucy Andrade entende essa forma de tratamento como uma grande parceria entre clínicas, médicos, pacientes e suas famílias: “Não poder reverter uma situação de doença não significa que o indivíduo morreu. E a medicina paliativa qualifica essa relação. Muitas vezes o paciente não consegue falar seus temores, por isso sempre respeitamos as suas vontades, mas baseado também nos diagnósticos técnicos”, explica. 

A intenção vai além de suavizar a vida daquele que sofre com a doença, mas também de todos que o cercam, já que são tratadas questões relacionadas a pós-perda: de que forma se despedir do corpo, onde e como lidar com essa situação. A voz do paciente precisa e deve ser ouvida."Cuidar de indivíduos que não tem cura, fazendo escolhas junto com a pessoa", Jucy Andrade, sobre o papel fundamental da medicina paliativa na manutenção da qualidade de vidaEstá dentro desse ciclo os indivíduos estão em estado incurável, independente se são dez anos ou seis meses com expectativa de vida, o que amplia a área de atuação das técnicas paliativas.

 A  professora Jucy, que atua há dois anos na Clínica Florence - especilizada na área de reabilitação e cuidados paliativos -  explica que há várias possibilidades de tratamento.

*com orientação da editora Ana Cristina Pereira