Professor da Univasf é preso e agredido durante abordagem policial; reitoria leva caso à Corregedoria da PM

A Ufba também manifestou apoio e relaciona o episódio com racismo

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  • Da Redação

Publicado em 3 de dezembro de 2015 às 11:10

- Atualizado há um ano

O professor Nilton de Almeida Araújo, 37 anos, servidor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro, foi preso, agredido e teve a moto apreendida durante uma abordagem policial perto de sua casa. O caso aconteceu na manhã do último sábado (28), por volta das 10h, quando Nilton seguia para o dentista. Em apoio e defesa ao professor, o reitor da Univasf, Julianeli Tolentino de Lima, esteve no Comando de Policiamento – Regional Norte (CPRN/Juazeiro) para oficializar a denúncia de abuso de autoridade.O reitor da Univasf Julianeli Tolentino encaminhou caso à Corregedoria da PM (Foto: Divulgação/Univasf)O caso ganhou repercussão nas redes sociais depois que Nilton de Almeida descreveu a abordagem policial em sua página no Facebook. Segundo o relato, depois de ter sido revistado, um dos policiais implicou com a licença da moto que estava atrasada. Segundo Nilton, o recibo pago em 3 de fevereiro deste ano estava junto com os documentos, incluindo o registro funcional, que o policial revistou.

Nilton teve a moto apreendida, foi algemado e preso. Durante a ação, ele acusa um dos policias de agressão. "Quando eu terminava de dizer bom dia levei um tapa tão rápido que meus óculos ficaram totalmente fora de lugar", escreveu. Antes de entrar na viatura, o professor chegou a apontar para casa onde mora e pedir para ir até o local procurar o documento da moto com ajuda da esposa. Mas a solicitação foi negada.

O reitor Julianeli e o vice-reitor da universidade Telio Nobre Leite também usaram as redes sociais para denunciar a abordagem truculenta e manifestar apoio da universidade. “O professor Nilton, organizador do Mês das Consciências Negras na Univasf e um dos maiores representantes do movimento negro na nossa região, foi brutalmente abordado, ferido física e psicologicamente durante uma ronda diante de toda a sua vizinhança! Mas os responsáveis não passarão impunes, o comando da Polícia Militar e o Governo do Estado da Bahia serão oficialmente acionados e exigiremos providências imediatas!”, disse o reitor em uma das publicações.

Na terça-feira (1º), Julianeli Tolentino esteve no Comando, junto com o professor, onde encaminhou um ofício referente à denúncia de abuso de autoridade policial contra o professor do Colegiado de Ciências Sociais. Eles foram recebidos pelo corregedor major Wellington Bastos. Nilton prestou depoimento à Corregedoria e ratificou a denúncia de agressão. Em nota, a Univasf informou que encaminhou à Secretaria de Relações Institucionais da Bahia (Serin), oficio, no qual solicita que a secretaria acompanhe a investigação. Nilton de Almeida prestou depoimento e ratificou a denúncia de agressão (Foto: Divulgação/Univasf)RacismoSegundo a Univasf, a ação policial "tem sido entendida pela comunidade como elemento implícito de racismo, situação que paralelamente tem provocando a reação de diferentes entidades e lideranças locais". Nilton de Almeida é doutor em História, sindicalista, ativista do movimento negro, coordenador do Mês das Consciências Negras na região e professor do Colegiado de Ciências Sociais.

“Não podemos nos omitir diante de um acontecimento desta natureza, a sociedade quer a resposta das autoridades e a Univasf envidará todos os esforços neste sentido, não tenho dúvida que o Comando da Polícia Militar, o Governo da Bahia, através da Secretaria de Relações Institucionais, no âmbito de suas competências, saberão conduzir este caso” disse o reitor Julianeli Tolentino.

A Universidade Federal da Bahia (Ufba), onde Nilton estudou, também manifestou apoio. Em nota, a instituição disse que recebeu com indignação a notícia da violência arbitrária sofrida pelo professor e também relaciona o episódio com racismo."Acontecimentos como este juntam-se a tantos repetidamente noticiados e a tantos outros repetidamente omitidos e silenciados. De fato, a violência material e simbólica contra homens e mulheres negros ou pobres, sejam crianças, jovens ou adultos, é um dos mais vergonhosos e lamentáveis estigmas da sociedade brasileira. Mais do que reconhecê-la oficialmente, é preciso enfrentá-la vigorosamente, por um lado, manifestando-se e repudiando toda e qualquer ocorrência de racismo ou violência contra a população negra, por outro lado, tomando as providências práticas necessárias e cabíveis para que a situação seja investigada e responsáveis responsabilizados", diz posicionamento da Ufba.

A Corregedoria abrirá procedimento de sindicância para investigação da denúncia, que deve ser concluída em até 45 dias.

Leia relato do professor na íntegra:Saindo de casa, sábado, 23/11, às 10h, pois estava indo pro dentista, marcado para as 10h15. Virando da rua 2 para chegar a rua 1, a pouquíssimos metros de minha casa, uma guarnição da PM-BA me deu ordem para parar. Estavam na calçada da igreja católica. Perto da Escola Municipal José Padilha de Souza. Parei. Antes de tirar o capacete, antes de verem meu rosto, antes de pedirem meus documentos, recebi ordem de pôr a mão na cabeça. Tirei o capacete. Ordenaram para pôr a mão na cabeça, pus. Começaram a me revistar. Completamente. Meus pertences foram jogados no chão. Chave, carteira, mp4, documentos da moto. Não resisti. Mas também não estava sorrindo, nem de cabeça baixa. Então, no processo de revista, um dos policiais militares segurava com uma das mãos, firmemente, minhas mãos. Primeiro junto à cabeça, depois fora da cabeça, do lado esquerdo. Segurando firme. Outro PM manda por as mãos na cabeça. A quem devo obedecer? Afinal, se ponho desobedeço o PM que está atrás de mim me revistando. Se não ponho, vou de encontro ao que estava na calçada. Sem saber o que fazer, fiquei calado. Como resolver este dilema? Fui novamente interpelado pelo chefe para por as mãos na cabeça, ao que respondo: “Como pôr as mãos na cabeça se elas estão seguras?”. O policial na calçada diz então, “solte as mãos dele. Bota a mão na cabeça!” Botei. Terminada a revista, comecei a recolher meus pertences no chão. “Cadê o documento da moto?”. Respondo, “estão aqui”. E entrego. “Epa, sua licença aqui é de 2013!” “Mas está pago, o recibo de 2015 está aí”. “Está não! A moto está apreendida”. Respondi, “sim, senhor. Se é assim”. Então, tentei argumentar: “moço, minha casa é logo ali, aquela amarela de andar”, apontei para a minha casa. “Posso ir lá e pedir para minha esposa procurar?”. Apreenderam a moto, que estava identificada na parte da frente com um adesivo onde se vê o brasão da UNIVASF. E abaixo do brasão, em letras maiúsculas, “SERVIDOR” (8x8cm – É um padrão. Servidores da Univasf tem que usar, por determinação, um adesivo padrão identificador nos veículos particulares que utilizam para entrar nos campi, para facilitar a identificação) (e com os impostos pagos). O recibo do Banco do Brasil, um pouco apagado, mas legível, com data de 3/2/2015 estava lá. Não viram, não sei porque. O pedido para ir até minha casa, sem questionar a justeza ou não da apreensão, em frações de segundo, virou um tapa no lado esquerdo da cabeça. Foi dito pelo policial que parecia mais graduado, o mesmo que mandara pôr as mãos na cabeça (quando elas estavam bem seguras por outro), que estaria lhe desacatando. Eu disse: “estou calmo, não estou gritando, não estou levantando a voz”. Sei que tentei usar um recurso comum quando as discussões ficam exaltadas na universidade ou nos movimentos sociais: dizer “bom dia”, ou “boa tarde” ou “boa noite”. Como que uma tentativa de começar a conversa do zero. Quando eu terminava de dizer bom dia levei um tapa tão rápido que meus óculos ficaram totalmente fora de lugar. Mantive a cabeça erguida. Muito erguida. Voz de prisão. Cabeça erguida. Algema. Cabeça erguida. Antes de o camburão chegar, com as mãos algemadas, pedi para um dos policiais, dizendo, “sou trabalhador”, que pegasse na minha carteira um documento branco. Era minha identificação profissional da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Fui posto no camburão. Entrei sozinho. Ninguém me tocou. Do Alto do Cruzeiro até a delegacia. Mais de dez crianças e vizinhos presenciaram tudo da esquina da rua 2. Cabeça erguida. Delegacia. Cabeça erguida. Continuei e continuo de cabeça erguida. A moto, apesar de verificado que estava com o pagamento em questão regular, continua apreendida. Não tenho queixa quanto aos outros policiais. Minha queixa diz respeito ao servidor público, militar, que desferiu um tapa no rosto de um servidor público, civil, 37 anos, negro, professor, feirense de nascimento e juazeirense há seis anos’.