Projeto questiona qual é a cara da real família brasileira

Bahia está presente em ensaio fotográfico feito em diferentes estados em busca de representatividade

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  • Laura Fernades

Publicado em 3 de maio de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação
A foto registrada por Luara Olívia em Pernambuco foi uma das selecionadas para o projeto #AtualizaACaraDoBrasil por Foto: Luara Olívia/Divulgação

O Dia da Família é comemorado no mês de maio e com a proximidade da data, dia 15, vem a reflexão: qual é a cara da família brasileira? Bem diferente do tradicional comercial de margarina com todos felizes à mesa – pai, mãe e filhos brancos –, essa configuração mudou faz tempo. Casais homoafetivos, negros e mães-solo são alguns dos exemplos que ilustram a realidade do país.

Mas, os dados não refletem esse cenário. Afinal, o último levantamento do censo demográfico nacional foi feito em 2010 e ainda não se sabe quando vai acontecer a edição prevista para 2020 e adiada para 2021. Enquanto o Governo Federal decide o futuro dessa ferramenta, basta olhar para o lado e perceber a pluralidade do povo brasileiro.

Apesar da diversidade explícita, quem dominou as propagandas até pouco tempo foi a tal “família margarina”. “Olhava na TV e não me via em nada. Não tive referência. Agora, com a internet, isso tem democratizado um pouco. Mas, como pode a gente ainda não se enxergar se mais da metade do povo brasileiro é preto?”, questiona o artista visual baiano Yan Onawale, 26 anos. “De dez comerciais, nove só têm branco. Não é normal”, critica.

Representante da Bahia na campanha #AtualizaACaraDoBrasil, que convida a sociedade a enxergar as verdadeiras dinâmicas familiares do país, Yan acredita que o mercado publicitário precisa avançar. Apesar de algumas marcas darem espaço para corpos negros e gordos, por exemplo, é necessário atingir a maioria com meios de comunicação de massa como a tevê. “Importante para alinhar à realidade do Brasil”, defende. O casal Yan Onawale e Danielle Onawale foi fotografado em sua casa, na Boca do Rio (Foto: Helen Salomão) #Atualiza Só para se ter uma ideia, 11,9 milhões de pessoas no Brasil viviam em arranjos familiares formados por mães-solo, em 2019, ou seja, mulheres com filhos menores de 14 anos sem cônjuge presente no domicílio, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso representava 5,7% da população (209,4 milhões de pessoas).

Outro dado interessante é que o número de casamentos entre pessoas do mesmo sexo quase triplicou no Brasil, segundo levantamento do IBGE que compreende os anos de 2013 a 2019. Na Bahia, essa realidade foi ainda maior: no mesmo período, o número aumentou mais do que três vezes. O curioso é que apenas em 2019 o país passou a ter seu primeiro banco de imagens para publicidade exclusivo com fotos LGBTQIA+.

Pensando na disparidade de representação, cinco artistas visuais de diferentes estados foram convidados para retratar a real família brasileira. O resultado faz parte da campanha #AtualizaACaraDoBrasil, que convida a sociedade a se libertar dos estereótipos. No projeto da Continental - empresa de eletrodomésticos que pertence ao Grupo Eletrolux -, os retratos mostram não só estéticas, mas núcleos reais com suas múltiplas formações. Foto de Isabel Gandolfo, feita em Brasília Falta representatividade, sim, na opinião do ator, diretor, produtor e publicitário Bertrand Duarte, 61, que foi sócio-fundador da Objectiva Comunicação e atuou no mercado por 18 anos. Apesar de existirem anunciantes mais conservadores, em sua opinião existem “marcas que já percebem a necessidade de se comunicar com toda a diversidade presente na família brasileira”.

“Ainda que o mercado publicitário tenha vícios baseados em outra época, acreditamos que muitas marcas e agências estão tomando a frente para propor novos olhares e posicionamentos, conversando com diferentes narrativas e fomentando a pluralidade”, acrescenta a diretora de marketing Latam Electrolux, Juliana Roschel, empresa responsável pela Continental.

Casais do mesmo sexo, mães-solo, famílias sem filhos e com cachorros estão no ensaio que tem a Bahia representada pela família de Yan, casado com a dreadmaker e trancista Danielle Onawale, 23. O casal da Boca do Rio que tem quase 20 mil seguidores no Instagram (@pretoderole) foi registrado pela fotógrafa baiana Helen Salomão, 26.

Representatividade Conhecida por ressaltar a beleza real de mulheres e homens negros como a cantora Luedji Luna, o rapper Djonga e o ator Dan Ferreira, Helen fez uma imersão de dois dias na casa do casal. A ideia era fugir do editorial e colocar em prática a fotografia documental: clicar o cotidiano à medida em que acontecia. Assim, o registro da família e seu bebê de seis meses refletiria comportamentos reais.

Enquanto a mãe tinha seu momento de autocuidado lendo alguma coisa ou limpando a pele, o pai cuidava do bebê. Em outro momento, era Yan quem estava na cozinha, cena que faz um contraponto com o padrão patriarcal vigente por décadas. “Eles dividem o tempo para que cada um tenha sua individualidade”, enaltece Helen.

A artista ressalta que é importante ir além da estética e trazer a história aliada a ela. Ou seja, trazer uma nova narrativa, “porque existiu e ainda existe um processo de anulação das famílias pretas”, diz. “Uma fomentação que seja positiva da nossa imagem é importante”, justifica, afinal isso estimula questionamentos e faz com que a realidade pessoal seja valorizada, acrescenta.

“A gente está falando sobre família em Salvador, a população mais negra fora da África. Muito louco pensar que isso tem mudado por conta do mercado, do capitalismo”, avalia. Falar de todos os tipos de famílias negras e que fogem do padrão citado é importante para a artista, já que “a gente não consegue enxergar nosso afeto, porque o que está na televisão, na propaganda, a gente não tem acesso”.

“Você olha para aquilo, quer, não consegue e não valoriza sua família. É uma continuação do racismo. Representatividade é importante porque se ver no outro impulsiona. Que estética é essa? Que casa, que família, como ela interage? Representatividade é conseguir valorizar a família que você tem”, defende. “Para essa mudança acontecer na sociedade, precisa mudar a publicidade e humanizar esses corpos”, conclui.

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