Qual o momento de falar sobre sexualidade e gênero com os pequenos?

Pais e educadores divergem sobre o papel da escola e o momento certo para abordar o tema com crianças

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  • Kalven Figueiredo

Publicado em 8 de outubro de 2018 às 06:12

- Atualizado há um ano

. Crédito: Correio Gráficos

Desde as mais recentes polêmicas sobre o papel das escolas na educação sexual e de gênero entre crianças e adolescentes, o debate vem ganhando força e apareceu até  nas pautas de candidatos à Presidência. O assunto divide opiniões e os especialistas da área ainda não chegaram a uma consenso sobre o tema. 

A psicóloga especializada em crianças e adolescentes Juliana Coelho separa a sexualidade, de forma mais ampla, do debate sobre  gênero. “Esse assunto de gênero bagunça muito a cabeça de uma criança de 8, 9 anos. Isso não é assunto para essa faixa etária. É assunto para alunos do ensino médio e olhe lá. Acho que isso deve ser discutido em casa, com a família”, sustenta.

No entanto, continua Juliana, essa mesma faixa etária deve receber informações sobre sexualidade, já que as questões naturalmente começam a vir à tona. “Quando a criança está no 5º ano é o momento ideal,  porque meninas começam a ter peitos e meninos começam a ter ‘pelinhos’ debaixo do braço, na região genital. E aí as perguntas começam a surgir espontaneamente”, justifica.

Segundo Juliana, cada vez mais os pais a têm procurado para tratar de educação sexual dos seus filhos. Ela acredita que esse medo do assunto vem tanto da falta de conhecimento sobre o tema quanto do constrangimento que muitos têm na hora de abordá-lo. A psicóloga Juliana Coelho acredita que falar sobre identidade de gênero com crianças pode confundí-las e fazê-las experimentarem de tudo. (Foto: Acervo Pessoal) Também psicóloga, Ligya Viegas defende a tese de que a escola não só pode como deve entrar na discussão. “Estamos falando de um conhecimento científico. Na escola,  aprendemos sobre aparelho digestivo, história da humanidade, como fazer contas. Aprendemos tudo que foi produzido um conhecimento sobre nós. E gênero é um desses conhecimentos que atravessam a experiência de vida que produzem conhecimento, sofrimento e identidade”, justifica.

Para ela, uma criança melhor instruída nos campos da sexualidade e de gênero é uma criança mais saudável. Lygia ainda pontua que é preciso defender o papel da escola na formação das crianças,  adolescente e jovens para que eles tenham experiências de gênero e sexualidade mais saudáveis possíveis.

Ligya lembra, ainda, que essa conversa entre pais e filhos não pode ser no sentido de traumatizar as crianças e deixar a impressão de que sexo é algo sujo e sinônimo de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). “Nós adultos, somos responsáveis pelo desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, e precisamos nos responsabilizar por isso”. A pesquisadora considera que a sexualidade não pode continuar sendo um tabu.

Pais preocupados Além dos profissionais da área que trabalham diretamente com esse público, muitos pais se preocupam com o assunto, como no caso da publicitária Patrícia Bitencourt, 33 anos. Para ela, ter uma filha que crescesse respeitando as pessoas e as diferenças sempre foi um sonho. 

Desde que ela e o marido decidiram ter uma criança, eles resolveram que não separariam as coisas por gênero, isto é: ‘coisa de menino’ e ‘coisa de menina’. “Nosso pensamento sempre foi: criança é criança”, esclarece. No entanto, quando descobriram que estavam esperando uma menina, começaram a ganhar ‘coisas de meninas’ dos familiares e conhecidos.

“Nós, como pais e amigos e familiares mais próximos, seguimos comprando e mostrando tudo de maneira muito neutra. Não é muito fácil, porque tudo ainda é muito separado nessas duas tabelas de gênero”, relata e continua: “Na medida que foi crescendo, deixamos que ela escolhesse os brinquedos e roupinhas que queria usar. Então, ela brincava de dragão, de boneca, de carrinho e de cozinha. Por fim, criança sendo criança. Ouvimos muitas críticas, acredite, de gente muito próxima inclusive, mas a gente segue trabalhando isso com naturalidade”.

Assim como a publicitária, existem outros pais que tentam dar essa liberdade à criança. Integrante do grupo Famílias pela Diversidade, Valéria Saraiva é uma delas. Ela, que também é pedagoga e tem um filho gay, acredita que ensinar sobre diversidade de gênero nas escolas é combater o preconceito. “Preconceito que afasta, segrega e mata”, diz Valéria, ressaltando que a discussão de gênero e sexualidade nas salas de aulas faz parte da formação do indivíduo, razão pela qual a escola existe.“A diversidade está dentro das escolas. Por isso, a gente vai ter que falar desse assunto com a criança, não conceitualmente, mas ensinando a conviver com a diferença harmonicamente, pacificamente, respeitosamente”, acrescenta.Novos modelos Com o debate posto, tem surgido novos modelos de educação com a preocupação de manter o respeito entre os indivíduos e que considera os desejos e inquietações da criança na hora do aprendizado. Um exemplo disso é o modelo educacional Reggio Emilia.

Criado em uma cidade italiana de mesmo nome, essa visão educativa prevê muita participação, escuta e protagonismo infantil. Além disso, esse modelo promete construir a ideia de uma cidade educadora, uma comunidade educadora, e não apenas uma escola isoladamente. Semelhante ao construtivismo, o modelo de educação dá liberdade para que a criança se descubra enquanto indivíduo, seus interesses e ainda sua identidade.“A escola é o lugar não só de educar as crianças, as famílias, educadores e toda uma nação. Escola é lugar de pensamento divergente, de encontros, confrontos, é muito crescimento”, afirma Candida Sheldon, coordenadora pedagógica  da Casa da Infância, uma das escolas soteropolitanas que adotaram esse modelo educacional. “Nós atendemos as demandas das crianças conversando, debatendo e refletindo sobre os mais diferentes temas com elas. Se surge a discussão sobre identidade de gênero, e educação sexual, é claro que é muito importante falar sobre, a sociedade é complexa e diversa. Na atualidade, essas discussões têm sido frequentes e, com certeza, isso chega para as crianças, por isso precisamos conversar, e conversar com os adultos que estão à frente da formação das crianças”, argumenta.

Sem rótulos Educadora há mais de 12 anos e integrante do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS) da Ufba, Carla Freitas acredita que não há uma idade específica para falar sobre o assunto. “Como sou educadora, parto do princípio que quando as inquietações surgem, nós apresentamos as respostas”, pontua.

É dessa forma que ela age na escola em que trabalha, a Lua Nova, tomando sempre o devido cuidado para que a diversidade seja inserida  de forma natural. “Quando a criança pergunta de onde vêm os bebês, é indicado apresentar não só o convencional, mas outros formatos de família, reprodução (inclusive a artificial) e a adoção”, afirma. A educadora Carla Freitas acredita que ser o mais honesto possível com as dúvidas das crianças é o melhor jeito de lidar com assunto (Foto: Acervo Pessoal) Coordenadora pedagógica da escola Infância no Jardim, Alexandra Lepikson acredita que, quando o assunto é diversidade de gênero, não dá para ignorar. “Na fase de 0 e 5 anos, eles começam a notar diferenças físicas e de gosto. Surgem também os papéis sociais, quem gosta de coisas ditas de ‘meninas’ e ‘meninos’. As diferenças dos corpos que as crianças investigam e o que é ser menina ou ser menino?”, explica. 

Alexandra afirma também que em fases como essa é bom que a criança se sinta livre para testar. “O que nós não podemos fazer é rotular a criança de nenhum jeito. Isso até em coisas mais simples, como o temperamento que ela tem”. 

Alexandra considera equivocada a ideia que se tem sobre os brinquedos determinarem a sexualidade da criança. “O menino que brinca de boneca não necessariamente será homossexual, ou o que brinca de luta será heterossexual”, alerta.

*Com supervisão da editora Ana Cristina Pereira

Cinco dicas para uma conversa saudável com seu pequenoPesquise sobre o assunto antes do diálogo Se não tiver confiança o suficiente para ser o porta-voz da conversa, recorra a livros e outros materiais educativos Dê espaço à criança para ela falar sobre os temas que tiver vontade Não encare os temas como um tabu e lembre-se que você é o adulto responsável por garantir uma experiência de gênero e sexualidade saudável a crianças e adolescentes Não associe a experiência sexual a algo traumático, nojento e infeccioso. Ser honesto nestes momentos é a melhor opção. Livros educativos sobre gênero e sexualidadeCoisa de menino O livro passa a mensagem de que meninos podem fazer o que quiserem, independentemente do que os padrões de gênero dizem. (Foto: Divulgação) Olívia Tem Dois Papais Tudo vai bem para olívia com seus dois pais. até que lhe surgem algumas dúvidas como: quem a ensinará a fazer ‘coisas de menina’? (Foto: Divulgação) Menina Não Entra Um grupo de garotos monta um time de futebol e não deixam uma menina participar, até que eles percebem o quão boa jogadora ela é. (Foto: Divulgação) O Fado Padrinho, o bruxo e outras coisinhas mais Traz a história do menino Luar que sonha em ser um fado padrinho para ajudar todas as pessoas do mundo. (Foto: Divulgação) Ceci e o Vestido de Max Max tenta convencer  Ceci a usar um vestido cheio de brilhos e laços, o que ela odeia. então ela o desafia a usar o vestido antes dela. (Foto: Divulgação) *Sob supervisão da editora Ana Pereira