Racismo e intolerância religiosa podem ser denunciados por aplicativo; saiba como

Ferramenta é uma iniciativa do MPE-BA e foi lançada nesta segunda-feira (19)

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  • Gil Santos

Publicado em 19 de novembro de 2018 às 17:04

- Atualizado há um ano

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Muitas vezes é um olhar, uma expressão facial ou palavras ditas para intimidar. Só quem já foi vítima de racismo ou injúria racial entende o que é passar por isso. Para tentar facilitar a denúncia desses e de outros crimes de discriminação, o Ministério Público do Estado da Bahia (MPE-BA) lançou, nesta segunda-feira (19), o aplicativo Mapa do Racismo, através do qual a população vai poder informar sobre as agressões.

Em 2018, foram registrados 306 casos de discriminação racial e religiosa no MPE e, até o momento, o órgão ofereceu 30 denúncias ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Lançamento oficial do App (Foto: Divulgação MPE-BA) O lançamento oficial do aplicativo ocorreu na sede do MPE, no Centro Administrativo da Bahia (CAB), na manhã desta segunda. A coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis), promotora Lívia Vaz, contou que a ferramenta é a primeira desse tipo no país.

“Essa é uma inciativa pioneira do Ministério Público da Bahia e vai permitir que os cidadãos diretamente, através do aplicativo, possam registrar casos de discriminação religiosa e racial. As pessoas podem denunciar inclusive de forma anônima. Após o registro, o caso será encaminhado para o promotor de justiça da comarca onde o fato aconteceu e ele tomará as providências cabíveis”, explicou a promotora.

Na prática, depois que o cidadão baixar o app e fizer a denúncia, uma equipe gestora vai encaminhar a demanda para a comarca devida e, em seguida, o MPE entrará em contato com a vítima. Lívia Vaz acredita que com a facilidade o número de registros desse tipo de crime deve crescer.

“Me perguntaram se isso vai diminuir o racismo. Eu acredito que o racismo é algo estruturante, muito mais complexo do que as ações individuais de práticas de discriminação racial e religiosa. Vencer o racismo passa pela questão da educação, da reestruturação da própria sociedade, mas os registros de ocorrência certamente vão aumentar porque gera uma facilidade de denunciar esses casos”, afirmou ela.

Um dos principais desafios é provar o crime, por isso, a promotora orienta as vítimas buscarem o contato de testemunhas e a registrarem nas delegacias os crimes como discriminação racial.

Procurado, o TJ-BA ainda não informou quantos processos correm por racismo, nem o número de condenações no órgão por esse crime. Em julho, o CORREIO divulgou com exclusividade que, em sete anos, apenas sete casos por racismo tinham sido julgados na Bahia. Lívia Vaz foi a responsável pela iniciativa (Foto: Divulgação MPE-BA) Ausência de dados A promotora contou que a ideia de fazer o aplicativo foi motivada por dois fatores: o relato de algumas vítimas sobre a dificuldade de fazer o registro dessas ocorrências nas delegacias e a ausência de dados sobre esses crimes na Bahia. O app vai contabilizar as ocorrências recebidas, e os números ficarão disponíveis para consulta de pesquisadores e jornalistas.

Para a presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Maíra Vida, a nova plataforma vai ajudar a mapear também o tipo de agressor mais comum.

“Nós não temos hoje no Brasil uma ferramenta dessa qualidade tecnológica para fazer esse tipo de apuração, então, é um filtro para que a gente consiga conhecer quais são as tendências, as condutas criminosas, o volume dessas condutas e poder fazer uma leitura de quem é o ofensor preferencial”, afirmou.

Nos últimos 3 anos, a OAB registrou 35 casos de intolerância religiosa. O mapeamento das áreas em que esses crimes são mais frequentes também servirá para direcionar as políticas públicas do MPE para regiões específicas. O app terá material educativo e notícias relacionadas a esses casos. Nesta segunda, foi lançada também a campanha 'Racismo não se discute, se combate', que terá outdoors, panfletos e outros informativos pelo estado, incluindo ações através das redes sociais.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (Caodh), promotora Márcia Teixeira, citou o caso do capoeirista Moa do Katendê que depois de ser assassinado em uma discussão política foi alvo de ofensas racistas nas redes sociais, a situação do estudante de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, acusado de racismo, e da mãe que “fantasiou” o filho como escravo para uma festa no Rio Grande do Norte, como exemplos de discriminação.  

“Precisamos ser vigilantes, denunciar e, sobretudo, ter a coragem de dizer que racistas são aqueles que criam o inferiorizar, e no que depender do Ministério Público da Bahia isso não passará. Vestir alguém de escravo pode não atingir a inteligibilidade acerca do cometimento do racismo, mas viola de igual modo a memória do coletivo do povo que teve sua ancestralidade arrancada de seus países, subjugada e exterminada”, afirmou.

Em resposta aos casos citados durante o evento, a procuradora-geral do MPA-BA, Ediene Lousado, disse que o órgão não vai se intimidar diante das situações de discriminação.

“Estamos aqui para ouvir e falar pela sociedade sempre que ela nos solicita. O Ministério Público da Bahia foi o primeiro do país a implantar uma comissão de enfrentamento ao racismo, há 20 anos, e não vai recuar no cumprimento de seu dever, cumprindo o seu papel constitucional”, afirmou.

As titulares da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Fabya Reis, e da Secretária Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude, Cristina Argiles, também participaram da reunião e destacaram o empenho do MPE na resolução dessas questões. Elas também frisaram a necessidade da população denunciar os crimes. 

Selo No dia 1º a Procuradoria Geral do Estado (PGE-BA) lançou o Selo de Combate ao Racismo Institucional, que será colado em todos os processos cadastrados no órgão durante este mês. A novidade foi pensada como elemento de enfrentamento ao racismo e em comemoração ao Novembro Negro.

Onde denunciar: O Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela auxilia as vítimas desse tipo de crime. Vinculado à Sepromi, o órgão tem uma equipe multidisciplinar para apoio nas áreas da assistência social, psicológica e jurídica. Os casos também são acompanhados pela Rede de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa. 

Centro de Referência Nelson Mandela (71) 3117-7448 / 7447 Ouvidoria Geral do Estado 0800 284 00 11

A Ordem dos Advogados do Brasil Sessão Bahia também atende as vítimas de discriminação religiosa e racial através do (71), 3329-8900 ou [email protected]

Já o Ministério Público da Bahia, além do aplicativo, atende as vítimas presencialmente em qualquer uma das promotorias na capital e no interior do estado. 

Tipificações A injúria racial é uma ofensa direcionada a raça, cor, etnia, religião ou origem de uma pessoa, podendo se manifestar através de gestos ou palavras. Esse crime é tipificado pelo artigo 140 do Código Penal e a punição é de 1 a 3 anos de prisão, além de multa.

Caso a ação tenha sido praticada na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da injúria, como as redes sociais, por exemplo, a pena é maior: de 2 a 5 anos mais multa.

Já o racismo é um crime direcionado para uma coletividade de pessoas, é o ato de praticar, induzir ou excitar o preconceito relacionado a raça, cor ou religião. Ele é tipificado na lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Quando o racismo é praticado por órgãos públicos governamentais, corporações empresariais privadas e universidades públicas ou privadas, a ação é chamada de racismo institucional.

A pena para esse crime é de 1 a 3 anos e multa, mas, assim como nos casos de injúria racial, quem faz uso de meios de comunicação, como as redes sociais, para propagar a discriminação, tem a pena acrescida para 2 a 5 anos, além de multa.

O professor e especialista em Direito Penal, sócio da Pantaleão Sociedade de Advogados, Leonardo Pantaleão, afirmou que ao contrário da injúria racial, cuja prescrição é de oito anos – antes de transitar em julgado a sentença final –, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.