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Priscila Natividade
Publicado em 23 de outubro de 2021 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Sabia que existem casos em que até 70% do valor da tarifa do pedágio que alguém está pagando nesse momento vai para a quitação de empréstimos e cobrir impostos? A composição exata da tarifa varia de acordo com o tipo de concessão, os investimentos previstos nos contratos e até com a oferta, ou não, de contrapartidas ou participações financeiras do Poder Público. Clique aqui e saiba como as concessões impactam na vida dos baianos>
De modo geral, quanto maior for o investimento exigido das empresas concessionárias, mais caro o pedágio. Se a participação do governo for menor, da mesma maneira. E até mesmo a quantidade de praças de pedágios, que neste caso podem “diluir” o valor pago no decorrer da quilometragem, influenciam na composição da tarifa. >
Quando o condutor de um automóvel, caminhonete ou furgão faz o pagamento de R$ 2,40 numa das praças de pedágio da Via Bahia na BR-324, por exemplo, R$ 1,68 são distribuídos para obrigações financeiras que nada têm à ver com a operação da rodovia. Desde outubro de 2009, a concessionária é responsável pela operação do serviço em trechos das BR-116, BR-324, BA-526 e BA-528. Ao todo são 680 km concedidos. >
A empresa opera a principal ligação da Bahia e do Nordeste com as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul e registra um tráfego diário de 30 mil caminhões, nos dois sentidos. Segundo o cálculo da empresa, 70% dos valores pagos em pedágios vão para o pagamento de empréstimos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e tributos (PIS, Cofins, ISS). Os 30% restantes são usados na manutenção da operação que tem um prazo de concessão de 25 anos. >
“Somente no último ano, foram aplicados R$ 54,7 milhões na recuperação da rodovia. Teríamos condição de investir mais R$ 8 bilhões, caso o Governo Federal realize as revisões quinquenais. Esse valor poderia ser aplicado, por exemplo, na duplicação da BR-116 e na construção das 3ª e 4ª faixas da BR-324 e mais melhorias nos acessos urbanos em diversos municípios”, destaca o ceo da Via Bahia, José Bartolomeu. >
Por mais que a manutenção das estradas seja um serviço público, a Constituição Federal é clara quando diz que o governo pode garantir a prestação de maneira indireta, o que não tira a sua responsabilidade de fiscalização e acompanhamento. É aqui que entram as concessões. >
Só o estado tem, atualmente, R$ 16 bilhões em investimento de contratos de concessões e Parcerias Público Privadas (PPPs) nos mais diversos segmentos, desde transportes, rodovias, entretenimento, aeroportos, saúde e saneamento. Destacamos 10 dúvidas que vão ajudá-lo a entender todas as regras desse jogo. Confira.>
1. Como são feitos os contratos de concessões? Falar de concessão vai estar sempre relacionado à prestação de um serviço público. Isso quer dizer que o que é transferido para iniciativa privada é apenas a execução, a titularidade do serviço continua com o estado.>
“Os contratos devem estabelecer, sobretudo, o serviço esperado, o nível de qualidade do serviço que será prestado, o valor que será pago, a forma de remuneração da concessionária e as penalidades que podem ser aplicadas à empresa, caso não cumpra o contrato”, enumera o auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, mestre em Direito Público e professor de Direito Administrativo da Uniruy, Antonio França da Costa. >
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2. O que pode ser um objeto de concessão? No Brasil, é comum ver várias concessões, principalmente, nos setores de infraestrutura, como em aeroportos, portos, ferrovias e rodovias. Mas existem também modelos voltados na gestão de serviços de saúde, saneamento, cultura, turismo, esporte, lazer, ciência e tecnologia – a Bahia, inclusive, tem concessões nesses diversos segmentos como, por exemplo, o Hospital do Subúrbio e a Arena Fonte Nova.>
Quem tira essa dúvida sobre o que pode ser objeto de concessão é também o professor Antonio França da Costa: “O objeto da concessão deve ser sempre um serviço público. Mesmo que ocorra a realização de obras pela concessionária, essas obras são um meio para a prestação do serviço e não o objeto principal do contrato de concessão”.>
Ele esclarece que não pode haver concessão de atividades típicas do estado, como as que envolvem poder de polícia.“Essas são atividades exclusivas do estado, prestadas sob regras muito mais rígidas, o que torna inviável a sua prestação por empresas privadas”, complementa. *>
3. Qual a principal diferença entre desestatização, concessão e privatização? Aqui, temos três conceitos diferentes, como destaca o especialista em Direito Administrativo, Ciência de Dados e Big Data Analytics e professor da UniFTC, Rafael Freire.>
Se a concessão é a transferência da execução do serviço público, na desestatização a prestação de um serviço público, que era antes realizada pelo governo, passa a ser realizada pelo setor privado, ou seja, deixa de ser uma estatal.>
“Já a privatização, pode se dar em setores com regulação específica, como Aneel, Anatel, em que a empresa privada vai operar sob condições e tarifas controladas por agências reguladoras”. >
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4. Quais os tipos de concessão que operam no Brasil? No geral, são quatro tipos de concessões: a comum, a patrocinada e administrativa. De acordo com o professor de Direito Administrativo da Estácio, Henrique Silva de Oliveira, a primeira é destinada ao serviço público para o uso externo, em que praticamente todo o risco da atividade está nas mãos do concessionário.>
A segunda, também destinada ao serviço público externo, porém, conta com a cobrança de tarifa aos usuários. Já o terceiro tipo, como o poder público é usuário, ao menos em parte, os serviços são pagos diretamente pelo Estado. Mas e as Parcerias Público Privadas (PPPs)?“São modalidades de concessão patrocinada e concessão administrativa, visto que contam com investimentos de recursos orçamentários diretos do Poder Público no contrato, quando que nas concessões comuns não temos tal investimento”. *>
5. O que a legislação diz sobre as concessões e onde esse dinheiro é investido pelo poder público? Na verdade, não existe uma legislação que expresse para onde deve ir esse dinheiro que entra nos cofres públicos. É um recurso que, em teoria, pode ser utilizado para qualquer destinação prevista no orçamento como na área de saúde, educação, infraestrutura, amortização de dívidas.>
Entretanto, o professor de Direito Administrativo, Henrique Silva de Oliveira, chama atenção, que tramita atualmente no Congresso Nacional um Projeto de Lei nº 6.296/2019, que pretende alterar os textos das Leis 8.987/1995 (Lei de Concessões) e 11.079/2004 (Lei das PPPs).>
“A mudança estabelece que, nos setores rodoviário, ferroviário, hidroviário e aeroportuário da administração pública federal, os recursos arrecadados em pagamento pela outorga da concessão, pela sua renovação e prorrogação serão investidos, preferencialmente, na unidade da Federação onde se localiza a rodovia, a ferrovia, o porto ou aeroporto concedido”, pontua Oliveira. >
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6. No caso dos pedágios, por exemplo, como as tarifas são definidas e por que o preço de um pedágio é diferente do outro? O secretário de infraestrutura do estado, Marcus Cavalcanti, esclarece que a tarifa, no caso das rodovias, depende muito de um estudo feito antes mesmo da concessão. Nenhum contrato é igual ao outro, apesar de alguns tratarem do mesmo serviço.>
“Primeiro soma-se tudo que a empresa vai gastar em investimento e desse volume entra o reinvestimento também, ou seja, o que vai ser usado em repavimentação daqui a 10 anos? A essa conta, acrescenta aí, o que a concessionária vai gastar na operação. Em seguida, se calcula o seguinte: quanto será gasto ao longo do tempo e simula quanto ele vai precisar tomar de empréstimo para constituir o caixa do financiamento. Com isso, você tem o custo e a despesa do negócio. Depois, é calculada a receita”.>
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Sobre o valor máximo cobrado pela tarifa, o teto é determinado por uma pesquisa junto ao provável usuário, como complementa Cavalcanti:“No trabalho de concessão, uma pesquisa que é muito interessante e as pessoas não sabem é que quando você faz o levantamento de uso, entra o questionamento sobre a intenção máxima do usuário em pagar pelo serviço. Com essa tarifa, eu consigo pagar esse investimento? E, então, você ajusta no tempo de duração do contrato”. *>
7. Geralmente, qual o tempo mínimo e o tempo máximo de uma concessão? Como esse período é definido? Sócio da empresa de consultoria tributária e societária, de negócios e assessoria em transações PwC Brasil, Christian Gamboa, destaca que mais uma vez, tudo vai depender do contrato de concessão.>
“Geralmente, são prazos bem longos. A lei das PPPs, estabelece o prazo contratual máximo, incluindo renovações, de 35 anos. Porém, a Lei Geral de Concessões, a Lei 8.987/1995, não estabelece um prazo máximo para os contratos de concessão comum”.>
Um fator determinante na definição desse prazo, conforme acrescenta o professor titular de Estratégia e Gestão Pública no Insper e professor licenciado da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Sandro Cabral, é a expectativa de retorno do setor privado. Bom, quanto maior o investimento, maior será o tempo de duração de uma concessão.>
“A concessão precisa ter um tempo que dê para o setor privado recuperar o investimento feito. A concessionária compara a expectativa da taxa de retorno financeiro com as oportunidades que ela vai ter. Esse é um dos atrativos”. >
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8. No geral, como é feito um processo de licitação que dá o direito a concessão por um determinado grupo ou empresa? Tudo começa quando o poder público realiza os seus estudos sobre a oportunidade de se prestar o serviço mediante concessão. Com isso é elaborado o edital de licitação, e, antes da sua publicação é feita uma consulta pública, que ouve as empresas interessadas no contrato, deixando claro qual é o objeto da concessão, área e prazo.>
“Durante a licitação teremos uma fase de habilitação e uma fase de julgamento. Na fase de habilitação é avaliado se a empresa reúne os requisitos para ofertar os serviços, sua saúde financeira, pagamento de tributos, encargos trabalhistas e não emprega menores em trabalhos insalubres. Em seguida, é verificada qual a melhor proposta”, ressalta o professor de Direito Administrativo, Antonio França da Costa.>
No julgamento vai pesar critérios como o menor valor da tarifa para o usuário, porém, nem sempre isso vai ser o fator decisivo. A escolha pode ser pela maior oferta de pagamento ao poder público na outorga da concessão – quando a concessionária paga ao Estado para poder explorar o serviço – qualidade técnica ou a combinação da melhor técnica com a melhor tarifa.“Vencida a disputa e escolhida a empresa, a autoridade competente homologa o processo, passa-se para assinatura dos contratos”, completa Costa. *>
9. Em que situações a empresa pode perder uma concessão pública e o estado reincidir o contrato? O professor do Insper e da Escola de Administração da Ufba, Sandro Cabral, enumera algumas dos principais casos que podem levar a suspensão do contrato a qualquer momento pelo estado: “São várias as situações que a empresa pode perder uma concessão. Se ela não estiver desempenhando o que está no contrato, apresentar alguma irregularidade ou se o governo decidir retomar a atividade, são algumas dessas principais motivações. Quando o setor privado está desempenhando o serviço de uma forma inadequada, o governo tem obrigação de interromper isso para manter a garantia de que o serviço está sendo bem aplicado para a população”. >
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10. O que os governos podem e não podem fazer em um contrato de concessão? Com base no que diz a Lei de Concessões, o governo tem tanto o dever de fiscalizar a prestação do serviço pela concessionária, quanto o poder de aplicar penalidade no caso de descumprimento de cláusulas contratuais, inclusive, de rescindir unilateralmente o contrato.>
Por outro lado, o estado também não pode deixar de cumprir suas obrigações legais como, por exemplo, colocar à disposição da concessionária os equipamentos públicos condicionados à prestação dos serviços concedidos ou deixar de fazer os pagamentos previstos, o que pode gerar indenizações a favor da concessionária. Para o professor de Direito Administrativo, Antonio França da Costa, é uma via de mão dupla:>
“Ele tem o direito de intervir na concessão para garantir que os serviços sejam prestados adequadamente. Mas, ao assinar o contrato assume as responsabilidades, sobretudo, se tratando das PPPs, quando o risco é compartilhado com a iniciativa privada”.>
ANTT x Via Bahia Existe um processo de arbitragem em andamento: o governo federal cobra da Via Bahia o descumprimento de cláusulas do contrato e a empresa cobra a revisão do contrato. Esse imbróglio provocou a intervenção judicial no preço da tarifa - o reajuste pedido pela empresa foi derrubado na justiça a pedido do governo federal. O governo federal deu inclusive autorização para a Empresa de Planejamento Logístico, do Ministério da Infra, de estudar a possibilidade de uma nova concessão das BRs 324 e 116.>
O Projeto Bahia Forte é uma realização do Correio com patrocínio da Viabahia e Wilson Sons.>