Sabia que dois hospitais em Salvador fazem cirurgia robótica? Entenda o que é

CORREIO entrevistou o médico americano que é referência mundial na área e participará do I Fórum Internacional de Cirurgia Robótica da Bahia

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  • Vitor Villar

Publicado em 20 de setembro de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Se um dia você ler o termo “cirurgia robótica”, não se assuste. Não se trata de um robô que faz a cirurgia no lugar do humano e não tem nada de futurismo. Tampouco é algo distante da realidade brasileira: esse procedimento ocorre bem mais perto do que você imagina, e isso é ótimo.

“Nada mais é do que uma cirurgia feita por um médico, mas usando câmeras e pinças de um robô. O movimento fino é feito pelo robô, mas ele é totalmente controlado pelo cirurgião", resume o urologista Frederico Mascarenhas.

“O uso desse equipamento traz inúmeras vantagens. Primeiro, que o cirurgião controla mais pinças: o robô tem quatro ‘mãos’, e o médico, duas. O braço do robô faz movimentos que a mão humana não é capaz, de girar em até 720º. E ele filtra todos os tremores humanos: ainda que o cirurgião trema no console, o robô não capta isso”, completa.

Dr. Mascarenhas fala com propriedade: ele é o baiano pioneiro na realização de cirurgias robóticas. “Ela chegou ao Brasil em 2008, quando no mesmo dia foram realizadas cirurgias no Sírio Libanês e Albert Einstein (hospitais de São Paulo)”, conta.

O urologista passou a operar com robôs em 2015, usando os equipamentos da capital paulista. Em 2019, os hospitais Santa Izabel e São Rafael adquiriram os primeiros robôs baianos. O Santa Izabel saiu na frente, em março, ao realizar uma operação de câncer de próstata. O hospital já fez mais de 150 cirurgias e oferece também o robô para procedimentos cardíacos, oncológicos, ginecológicos e torácicos. O São Rafael lançou o programa em agosto do ano passado, e lá se foram mais de 200 cirurgias. Após a primeira, de retirada da próstata de um paciente, já foram realizadas operações ginecológicas, bariátricas, colorretais, entre outras.

“A cirurgia carro-chefe é a retirada de próstata, por isso o robô se popularizou entre urologistas. Mas admite qualquer procedimento usualmente feito por laparoscopia. O ganho é na diminuição de sangramentos, num procedimento menos invasivo e com recuperação mais rápida do paciente”, explica o médico. 

O desafio dos especialistas é popularizar os robôs no Brasil. Atualmente, a cirurgia é feita pelo SUS somente em São Paulo (Instituto do Câncer e Hospital do Câncer de Barretos) e no Rio de Janeiro (Inca). “Ainda assim, não são programas perenes, pois o SUS não consegue arcar com os custos de manutenção e alguns insumos demoram de chegar”, lamenta Frederico Mascarenhas.

Outro objetivo é fazer com que os planos de saúde paguem integralmente pelo uso dos robôs. Hoje, os convênios cobrem parte dos gastos, englobando as cirurgias como laparoscopias. O uso do robô em si, em média de R$ 6,5 mil, é pago pelo paciente.

Com esse fim, Frederico e outros médicos baianos criaram o Robótica Bahia. O grupo realizará um evento virtual gratuito para profissionais de saúde e interessados. O fórum será realizado nos dias 1º e 2 de outubro e contará com palestrantes de todo o mundo, entre eles o urologista Vipul Patel, referência mundial no tema, com quem você confere a entrevista abaixo:

ENTREVISTA

O urologista norte-americano Vipul Patel é a referência mundial em cirurgia robótica. É fundador do Instituto Global de Robótica, principal formador de cirurgiões nesta técnica, e que faz parte do Hospital de Celebration, na Flórida (EUA), referência mundial em tratamento de câncer. Patel tem se dedicado há quase 20 anos a mostrar a eficiência dos robôs na remoção de tumores da próstata, dos rins e de outros órgãos. O cirurgião será o principal convidado do I Fórum Internacional de Cirurgia Robótica da Bahia, em 1º de outubro. O médico urologista americano Vipul Patel é referência mundial em cirurgia robótica (Foto: Divulgação) Qual a história da cirurgia robótica? Ainda é considerada uma tecnologia recente ou é uma técnica empregada no dia a dia? A primeira aplicação da cirurgia robótica em humanos aconteceu no final dos anos 1990. Nos Estados Unidos, é uma tecnologia utilizada diariamente – quase 95% de todas as prostatectomias radicais (remoção da próstata acometida por tumores malignos) são feitas com assistência robotizada. Eu tenho feito essa cirurgia há 18 anos com mais de 14 mil procedimentos realizados até agora.

Qual é sua especialidade em cirurgia robótica? Sou professor de urologia e diretor de cirurgia robótica no Global Robotics Institute (Instituto Global de Robótica), um centro de referência em câncer de próstata em Celebration, na Flórida. Prostatectomias radicais e nefrectomias (retirada do rim) parciais e radicais são a minha especialidade.

Qual especialidade demanda mais dessa tecnologia? Em qual é a mais eficiente? Robôs são usados em muitas especialidades cirúrgicas atualmente. Têm sido particularmente efetivos em urologia e tratamento de câncer de próstata.

Quais são os benefícios da cirurgia robótica quando comparados à laparoscopia tradicional, por exemplo? A cirurgia robótica nos permite visão interna em 3D e tem pequenos instrumentos articuladores que permitem fazer cirurgias em espaços muito pequenos, fazendo com que seja uma forma menos invasiva e mais eficiente de operar. Existe uma curva de aprendizado muito grande, portanto, quanto mais experiência tem o cirurgião, melhor os resultados ele tem (na maioria dos casos).

Existem, hoje em dia, procedimentos em que a cirurgia robótica é indispensável? Normalmente todos os procedimentos feitos por robôs também podem ser feitos sem eles. No entanto, essa tecnologia pode ajudar em cirurgias feitas em lugares muito pequenos, como procedimentos pélvicos.

Quais são os desdobramentos possíveis para esse campo no futuro? Como você enxerga esse desenvolvimento? Como a tecnologia robótica continua avançando, inovações são desenvolvidas e novas companhias robóticas criam suas próprias versões. Eu acredito que o próximo passo é integrar imagens intraoperatórias e também inteligência artificial.

Como você vê o desenvolvimento da cirurgia robótica no Brasil? O Brasil está crescendo rapidamente em termos de cirurgia robótica, mas não tem o mesmo volume, os mesmos robôs ou nível de experiência como os Estados Unidos. Nossa equipe passou três anos no Brasil ajudando a treinar médicos e fazê-los começar nessa área. Encontrar os cirurgiões mais experientes é, definitivamente, a chave para os melhores resultados.

Existem centros de referência em outros países da América Latina? Há muitos centros de referência na América Latina com os quais trabalhamos no Brasil, Chile e Colômbia. Nossa meta é ajudá-los a adotar a tecnologia e melhorar os resultados ao passo que aprendem sobre o procedimento. A América Latina está indo bem e vai continuar a crescer nesse campo.

Qual o impacto financeiro? O quão acessível a técnica é para países emergentes? Robótica é caro e não está disponível para todos os hospitais e regiões do mundo por conta do custo. Esperamos que com novos robôs chegando ao mercado isso mude e transforme a cirurgia robótica em algo acessível a todos.