Saúde ainda mais doente: hospitais começam a sentir efeitos da greve

Gestantes sofrem para chegar em maternidades e hospitais adaptam cardápios

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  • Fernanda Santana

Publicado em 27 de maio de 2018 às 18:40

- Atualizado há um ano

O líquido já escorria entre as pernas. As dores anunciavam: Maíse estava pronta para o parto do primeiro filho. Eis que foi ao ponto de ônibus, com o marido, esperar um coletivo. De Periperi, queria chegar à Maternidade Tysila Balbino, na Baixa de Quintas. Primeira hora, nada. Segunda, idem. No horizonte, surge uma Kombi branca. O motorista percebe a situação da futura mãe, itera-se do caso e oferece: "Posso te levar até la por R$ 70". O casal, sem opção, aceita: ou paga pelo transporte ou espera mais duas horas. No sétimo dia de greve dos Caminhoneiros, eles concluem: sufoco chegou à saúde.

Pouco antes das 10h deste domingo (27), quando a Kombi surgiu, Maíse passou por outra preocupação: a mãe, Clotildes, e a irmã, Marina, não conseguiam sair de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), para encontrá-la. Para atravessar os 20 quilômetros que separavam as casas, mãe e filha precisaram pegar uma van irregular."Não tem ônibus e o pessoal não quer trazer. Quando vai ver, o Uber bate R$ 100 reais", desabafa Clotides. A paralisação dos caminhoneiros, que dificulta também o abastecimento de postos de gasolina, quase impede o encontro da família. É que, na capital baiana, somente 450 estão em circulação, o que representa 30% de toda a frota. "Foi um sufoco, mas pelo menos conseguimos", continua Clotildes. A filha, Maíse, sente as dores do pré-parto acumuladas às da espera e não consegue falar sobre a odiesseia. Do lado de fora da sala de espera, está Marli Santos, 39. Gestante, Marli Santos sentia dores na barriga e penou para chegar à emergência (Foto: Marina Silva) A vendedora, aos cinco meses de gestação, sente dores na barriga. Há pelo menos um dia, começou a sentir os desconfortos. Não foi à maternidade. "Já estava era pensando a agonia que seria. Desisti de ir", justifica. Mas, neste domingo, não houve alternativa: precisou sair do bairro de Tancredo Neves em direção à Tysila Balbino. Muita agonia, como previu. Esperou uma hora para chegar à Estação Acesso Norte. Lá, aguardou por mais uma hora o ônibus que a levaria à Baixa de Quintas. "Só vim porque não teve jeito mesmo, né?", comenta.

No sufoco da espera, também esteve Carine, grávida de nove meses, bolsa estourada, pronta para dar à luz a filha. Sem gasolina no carro, como levá-la até a maternidade?"Tirando o cumbustível da moto do marido de Carine e botando no carro", respondeu Danúbia Porto, mãe da gestante.Daí, feita a transferência, poucos minutos depois, já estavam na maternidade. "Tem que se virar, né?", brinca Danúbia. A greve, contudo, não afeta a dispensa de medicamentos ou a alimentação de mães e acompanhantes na unidade, gerida pelo Governo do Estado. Em nota, a Sesab afirmou: "O atendimento aos pacientes nas unidades hospitalares da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) permanece normal, bem como o suprimento de medicamentos hospitalares e da rede de gases encontra-se regular.   

Falta de funcionários nas unidades e feijão no cardápio Na prática, o serviço não está tão normal assim. "Faltou um, acaba fazendo toda a diferença, afetando a equipe", diz uma funcionária da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Hospital Roberto Santos, sob anonimato. Lá, no bairro do Cabula, a dificuldade de transporte começa a fazer com que alguns funcionários não consigam chegar ao trabalho. Na equipe de técnicos de enfermagem, por exemplo, são quatro. Neste domingo, uma faltou. "Acontece, também, de gente ter que dobrar o turno para poder cobrir", revela. Os plantões, normalmente, são de 12 horas.

O atendimento de serviços regulares na UPA está suspenso desde ontem, por falta de leitos desocupados. "Se tivesse funcionando normalmente, com certeza sentiríamos mais essas faltas", opina outro funcionário. Os medicamentos e a alimentação, contudo, ainda não faltaram. "A alimentação, por enquanto. Porque, se não tem fruta, vai acabar faltando sim", continua ele. No Hospital Geral do Estado (HGE), já faltou. As prateleiras onde ficavam feijão, arroz e frutas começou a ficar vazia.

Em frente à unidade de saúde, no horário do intervalo, um funcionário conta: "Começou a faltar feijão. Acho que é o que tá faltando mesmo. Tanto que, no refeitório para os funcionários, já está havendo algumas mudanças". A Sesab nega que tenha havido interrupção na disponibilização de refeições para "pacientes, acompanhantes e profissionais de saúde". Mas, acrescenta: "Ainda que o cardápio tenha sido adaptado em algumas unidades".

Nas cidades de Juazeiro e Vitória da Conquista, a greve chegou a afetar o abastecimento de oxigênio em hospitais. A situação é mais grave em Juazeiro, onde os hospitais só tiveram oxigênio até a útima esta sexta-feira. Em entrevista coletiva neste domingo, o governador Rui Costa prometeu que "todo e qualquer equipamento" chegará aos hospitais, por meio do suporto da Secretaria de Segurança Pública (SSP).

"Vamos garantir a chegada da bolsas nas unidades de saúde. Eu peço a compreensão de todos que fazem o movimento, pois, a pretexto de fazer uma justa reinvindação, não podemos prejudicar a vida de seres humanos, a chegada de oxigênio, de medicamentos ou de materiais tão necessários para salvar a vida de pessoas que estão precisando", finalizou.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.