'Sou contra a militarização nas escolas', diz nova reitora do Ifba

Nesta entrevista, Luzia Mota falou sobre ciência, modelos de educação e racismo estrutural

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  • Fernanda Santana

Publicado em 11 de janeiro de 2020 às 05:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

Nos anos 80, Luzia Mota iniciou os estudos em um curso técnico de eletrônica na extinta escola técnica federal, desde 2008 chamada de Instituto Federal da Bahia (Ifba). De lá, sairia apenas para breves intervalos de estudos. “Era uma realidade de muito pão doce e refrigerante”, lembra Luzia, 52 anos, sobre os dias de estudante. Uma das sete filhas de um feirante e uma dona de casa saía do bairro do Castelo Branco, onde morava, até as aulas no Barbalho. Era necessário catar os miúdos para conseguir permanecer no instituto, de onde, hoje, é reitora. 

As eleições no Ifba foram realizadas em 13 de dezembro de 2018, na reitoria do instituto, no bairro do Canela. Somente mais de um ano depois, Luzia assumiria o cargo para o qual foi eleita, entre quatro candidatos, com 32% dos votos válidos. A nova reitora chegou a pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) que ordenasse sua posse. Durante a espera, visitou todos os campi do instituto para dizer que, até então, não havia sido empossada. 

Somente nessa sexta-feira (10), aconteceu, em Salvador, a cerimônia de posse. Agora, Luzia quer falar do futuro.“Queremos reposicionar o Ifba na cena educacional baiana”, contou.A reitora recebeu a reportagem num bairro central de Salvador, onde mora, depois de uma viagem à Brasília para acertar os últimos detalhes da posse. Os esforços, falou Luzia, estão dedicados a projetar o Ifba. 

Os institutos federais foram criados, no modelo inicial, em 1909, como a Escola de Aprendizes Artífices da Bahia. Os nomes mudaram ao longo do tempo até que, em 1993, as escolas passariam a ser chamadas de Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet) – como muitos ainda costumam se referir ao Ifba, criado em 2008.  "A sociedade baiana não tem dimensão da complexidade, da dimensão do Ifba. Nossa missão é formar cidadãos histórico-críticos”, disse.Durante uma hora e meia de entrevista, Luzia falou sobre as mudanças nas metodologias de ensino do Ifba e se, ainda hoje, cursos técnicos são mesmos opções vantajosas. Na época de Luzia como estudante, o instituto era procurado como se fosse uma garantia para vaga no mercado de trabalho. O principal eram as indústrias do Polo de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. “Não podemos esperar que um estudante de 14 anos entre para fazer um curso técnico e tenha seu futuro definido ali. Não podemos esperar que, no mundo de hoje, esse estudante que sai dali com 17 anos seja, durante toda a vida, um tipo de profissional”. É a segunda vez que uma mulher ocupa a sala mais importante do instituto – a primeira foi Aurina Santana, reitora duas vezes consecutivas, de 2006 a 2014.  Na conversa, Luzia, que é professora do Ifba desde 1994, falou sobre mulheres em espaços de poder e como é possível atingir realidades como a de sua família, quando jovem. A reitora é licenciada em Física pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e doutora pela mesma universidade.“Temos que ser todas feministas, esse é o básico”, falou.Também comentou as dificuldades da educação básica, o processo de militarização das escolas, como incentivar crianças e adolescentes ao estudo e os incômodos em relação a um ensino que não consegue compreender as subjetividades de cada aluno. “É preciso superar essa ideia de sucesso”, opinou.

Confira a entrevista na íntegra: 

Quando a sua história com o Ifba começou e qual era seu contexto de vida na época?

Eu sou professora do Ifba há 25 anos. Fui estudante da Casa, entrei na antiga escola técnica federal na década de 80, fiz o curso de eletrônica. Ao sair de lá, fiz o curso de Licenciatura em Física na Ufba. Em 1994, fiz concurso como docente para o antigo Cefet. Passei e, desde então, leciono em várias modalidades, no ensino médio integrado, na graduação e na pós-graduação.

Como você saiu de uma realidade de trabalho braçal na família para se tornar reitora do Instituto Federal da Bahia? 

Eu venho da periferia, do bairro de Castelo Branco. Meus pais são filhos da classe trabalhadora, assim como nós – somos ste irmãos. Sou a penúltima dos filhos. Desses sete, quatro são docentes e um irmão é professor do Ifba, da área técnica.

Mas, na verdade, concretamente, eu sou a primeira professora. Apesar de eu ser mais nova, sou a primeira formada em Licenciatura. Os meus irmãos se tornaram professores depois. Isso porque em famílias grandes e de trabalhadores, onde os recursos são escassos, os irmãos mais velhos acabam trabalhando para ajudar em casa e os caçulas acabam se beneficiando disso. Eles trabalharam e ajudaram na casa, o que liberou minhas forças produtivas, digamos assim, para que eu pudesse seguir na carreira acadêmica.  

E como se deu essa aproximação com a ciência? 

Ela se deve basicamente ao curso que fiz na extinta escola técnica que viria a se tornar o Ifba. Havia dois caminhos depois disso: um trabalhar como técnica – e, pelo período, um caminho possível era o Polo [de Camaçari], que já dava sinais de esgotamento – e a outra trajetória possível era da universidade. Eu trabalhei em algumas empresas de eletrônica e, passado o tempo, tomei a decisão de voltar para a universidade, de onde não saí mais. 

Logo fiz seleção de mestrado, fui para a Universidade Federal de Santa Catarina, em área de ensino de física, e depois voltei para Salvador para trabalhar, dar aula, construir a minha carreira um pouco como pesquisadora e orientadora, docente, extensionista. Consegui aprovar alguns projetos e só em 2013 retornei para fazer o doutorado em difusão do conhecimento, na Ufba, com uma bolsa na Universidade de Campinas [Unicamp], em São Paulo. Estudei como a pesquisa se desenvolveu nos institutos federais.  

Que Ifba você encontrou no passado e que Ifba é esse de hoje?

Essas escolas técnicas federais tiveram uma formação muito própria, porque foram a primeira política pública para educação técnica no país. Com a industrialização, ganhou um papel cada vez mais importante. Na década de 80, com a crise do petróleo, essas escolas perderam um pouco a razão de formar mão de obra. Foi nesse momento que elas começaram a se transformar em Cefets, que já tinham funções mais ampliadas, porque poderia haver graduações e pós-graduação. De escolas voltadas exclusivamente para formação de mão da obra, passaram a ter uma função cada vez mais complexa, mas mantendo a sua origem e função de formação de técnicos. 

Quando eu cheguei, peguei o final das escolas técnicas federais organizadas pedagogicamente para isso, os Cefets. Só que essas escolas, após a década de 80, passaram a ter uma precarização, perderam um pouco a função social e a formar mais para o vestibular.

Quando eu voltei como professora, peguei essa situação. Isso desestruturou o modelo pedagógico que vinha funcionando. Nós passamos a lutar pelo retorno da educação integrada. Em 2008, voltamos a oferecer os cursos profissionalizantes, no modelo de ensino médio integrado, que é o modelo que mostra os melhores resultados. Nossos estudantes têm desempenho acima das médias nacionais nesses testes de larga escala. Luzia é a segunda mulher a ocupar o cargo no Ifba (Foto: Marina Silva) No passado das escolas técnicas, o Ifba era escolhido como certeza de “garantia de emprego”. Nesse sentido, o Ifba ainda é o Ifba? 

É difícil fazer um julgamento de valor, porque os contextos são diferentes. Mas quando eu estudei lá, havia mesmo essa fama do Ifba. Os estudantes constituem uma relação de afeto muito forte com a instituição. Muitos ex–alunos estão no mundo do trabalho, da política, professores como eu. De certa forma, a escola sempre teve uma formação que permitia que a juventude escolhesse a trajetória que melhor lhe coubesse. Apesar de ser uma escola com um objetivo orientado [para o trabalho].

Vivemos num país onde a educação é dual, dualidade que está relacionada à própria sociedade: temos as escolas que formam a classe trabalhadora – como o Ifba, que sempre foi voltada para a formação dos filhos dos trabalhadores – e as escolas que formam a elite. O modelo pedagógico que adotamos permite, no entanto, que a gente forme não uma classe trabalhadora alienada, mas capaz de compreender a realidade.

Mas a procura pelo Ifba ainda permanece alta?

É alta, e nossa seleção é bastante concorrida. Não apenas em Salvador, que foi a sede, mas também na capilaridade [no interior]. Os Ifbas são muito diferentes das escolas técnicas, porque trazem dois elementos: a primeira característica é que elas oferecem educação em todos os níveis e modalidades, oferecem trajetórias educacionais; o outro é que os Ifbas têm capilaridade pelo interior. Temos, hoje, 22 campi nos interiores da Bahia. Temos capilaridade em todos os territórios. Isso tem uma diferença fantástica porque dialogam com as políticas de desenvolvimento local.  

Por que você resolveu ser reitora após tanto tempo de Instituto?

Essa decisão de me candidatar reitora não foi uma decisão tomada efetivamente e apenas por mim. Apenas tomei a decisão de representar um projeto que precisava de uma liderança. Não era minha intenção ser candidata inicialmente. Eu estava muito bem como professora e pesquisadora, mas já tínhamos, há alguns anos, pensamentos novos sobre as possibilidades da instituição. Foi assim que nós passamos a constituir um projeto diferente do que vem sendo implementado. O projeto é coletivo, e eu só fiz representá–lo.

Mas o que esse projeto quer mudar no Ifba? O que a instituição tem de “incômoda”? 

Primeiro, queremos reposicionar o Ifba na cena educacional baiana. Nós temos muito potencial, temos essa capilaridade no estado – uma média de quatro mil servidores e mais de 30 mil estudantes, com quantidade grande de mestres e doutores que pensam a própria prática. O que queremos é colocar o Ifba num local que represente, de fato, essa complexidade e potencialidade da instituição.

Você acha, então, que os baianos desconhecem o Ifba?

Eu considero que a sociedade baiana não tem a dimensão da complexidade do Ifba. Nós ficamos sempre ligados à imagem da escola técnica – que foi muito boa, não estamos desmerecendo aquela história. Sem as escolas técnicas, não chegaríamos até aqui.

Depois de um ano de espera pela posse, como você assume esse instituto? 

Vamos implementar o projeto que foi escolhido pela comunidade. Acreditamos que a oferta de educação pública precisa ser fortalecida, a pesquisa precisa ser tratada com trajetórias – que é a da inovação, da tecnologia social, da economia solidária, que é uma possibilidade real e forte – e ter uma extensão que é a interação com a sociedade. Temos que entender quais são as demandas.

E quais são os desafios que você acha que serão enfrentados? 

No nosso projeto, o diálogo com a sociedade é muito importante. O mundo do trabalho é um ator privilegiado, mas conversar com os projetos e os movimentos sociais é importante. Um elemento que trouxemos é trazer um modelo de “multicampia”, ou seja, que faça com que as potencialidades de cada lugar sejam liberadas e desenvolvidas. O que existe hoje, e é um ponto que criticávamos, era a centralização da reitoria, o que faz com que as potencialidades de cada local não sejam desenvolvidas. Uma instituição que tem 30 mil alunos precisa se preocupar com a permanência desses estudantes.

Não apenas com assistência estudantil, mas é preciso olhar para o estudante e ver que eles não são homogêneos, em uma região como a Bahia, que você tem uma maioria jovem negra, é necessário que as ações garantam a esses estudantes que os desiguais receberão as mesmas oportunidades. Nosso projeto estabeleceu como meta a criação de estruturas que tratem das políticas e das ações afirmativas. As ações pedagógicas precisam ser feitas para que superemos algumas realidades, como o racismo. O combate à evasão e a retenção são outros pontos.  

Esses desafios também devem ser encarados num período em que o Ministério da Educação diz que a prioridade é a educação básica. O que você acha disso? É possível virar a chave do que é realmente crítico?  

Eu acho que fortalecer um em detrimento do outro é uma falsa antinomia. Não existe contradição [nesse aspecto]. É necessário que o país tome a decisão de investir em educação, que é um todo, não pode ser pensada só no básico. Se você foca no básico, você precisa pensar que o básico depende do professor, que é formado na universidade, no ensino superior. Não é possível pensar a educação separadamente. O país não vai se desenvolver sem avanços científicos. Nossos estudantes do Ifba, tomados à parte, mostram resultados acima da média. Enquanto que, se colocar toda a educação básica, o Brasil fica abaixo da média. O governo precisa olhar para isso e tentar observar se esse modelo não deveria ser replicado nas redes estaduais.

A gente também tem acompanhado a militarização das escolas públicas, sob a justificativa dos bons rendimentos. Na sua opinião, a militarização é mesmo um caminho? 

Sou contra a militarização nas escolas. Os colégios militares apresentam, de fato, bons resultados. Mas, então, pela lógica, o governo deveria olhar para os dois. Os Ifbas têm bons resultados. A escolha pela militarização, então, não é racional. Para mim, que atuo dentro dos Ifbas, vejo que o modelo ofertado é mais potente do que o das escolas militares. Além de dar uma formação geral, damos uma formação profissional, aliamos a formação profissional à propedêutica, isso promove ao jovem a capacidade de desenvolver qualquer trajetória de vida sustentável. O que eu vejo na militarização das escolas é uma ênfase da disciplina.

Eu não tenho conhecimento de mudanças muito efetivas na questão dos investimentos relacionados a essas escolas, com o currículo, com a formação. Se a gente quer resolver o problema e constituir um modelo de educação que seja capaz de promover o desenvolvimento do país, precisamos focar em muitas coisas, pois não é apenas um elemento que vai melhorar o país. Precisamos pensar, por exemplo, na carreira do professor, na estrutura física. 

Quando leio sobre militarização, o elemento mais forte é a disciplina, o civismo, que podem ser importantes, mas são só esses. Precisamos verificar quais são os modelos que têm dado certo e a partir daí promover um debate amplo. De que forma queremos educar a juventude brasileira.

Olhando um pouco para o estudante, como é possível torná-lo interessado pelos estudos? 

Aí entra a questão relacionada com o mundo, com a forma como o mundo vem se transformando a partir das tecnologias da informação. Tudo isso faz com que o mundo seja muito diferente, e a maioria dos professores foi criada em outra geração, diferente da dos alunos. Isso cria uma dicotomia entre o que os estudantes demandam e o que as licenciaturas oferecem. Na minha área, na física, há um distanciamento muito forte entre o que é pesquisado e o que chega na sala de aula. Mas isso se deve também à própria estrutura da escola, que impede que o professor desenvolva novas tecnologias.

Há muitas pesquisas sendo realizadas que conseguem compreender essas mudanças e propor novas metodologias. Mas há um “gap” [vão] entre as pesquisas e o que é feito. Mas digo para você que sou otimista. No início, tudo passa por um desequilíbrio para depois ter um funcionamento mais adequado. Professor nenhum gosta de perder aluno, ou perder sua atenção.

Mas qual é o principal problema para que as escolas baianas não alcançarem bons desempenhos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica [Ideb]? No ano passado, a Bahia teve a pior média no ensino médio...

Primeira coisa que temos que perceber: os indicadores são muito bons, porque conseguimos pensar em políticas públicas a partir daí. Se o processo não é feito de forma adequada, o resultado não será bom. Minha preocupação, na verdade, é como vamos melhorar a educação.

Se você, agora, pudesse sugerir uma medida ideal para alavancar a educação, qual seria? Meu Deus, é muita coisa. Mas eu diria... Só um? [Pausa] Valorização do trabalho docente faz com que as carreiras sejam interessantes. Aí, você vai ter pessoas dedicadas àquelas carreiras.

Se você tem bons salários, você não precisa se dedicar a várias escolas e os professores poderão conhecer melhor a realidade daquela escola onde trabalham. Digo isso porque, no modelo dos institutos federais, temos uma carreira docente que é uma carreira que nos permite dedicação exclusiva. Isso faz muita diferença: o professor dá aula, faz projetos, desenvolve pesquisas. Se eu pudesse, hoje, fazer uma alteração, eu valorizaria o trabalho docente.  

Nesse sentido, num contexto de mudanças, qual é sua opinião sobre ensino técnico e quem o Ifba tem formado?

Se nós avaliarmos friamente, veremos que o Ifba forma em todas as áreas, não apenas nas técnicas – apesar de ter, ainda, um forte elemento relacionado à tecnologia.  Mas a formação que oferecemos permite a nossos estudantes que eles escolham sua trajetória. Não podemos esperar que um estudante de 14 anos entre para fazer um curso técnico e tenha seu futuro definido ali. Não podemos esperar que, no mundo de hoje, com todo esse aparato, com outras perspectivas, que esse estudante que sai dali com 17 anos seja, durante toda a vida, um tipo de profissional. 

Queremos que nosso estudante possa fazer as escolhas dele e com perspectivas de desenvolvimentos. Queremos que tenham noção que estão numa escola pública, são beneficiados por uma política pública e precisam contribuir para o desenvolvimento do país. É preciso superar essa ideia de competição, é preciso superar essa ideia de sucesso, e partir para outros valores como solidariedade, cooperatividade.

Quais seriam, então, as profissões com grandes oportunidades?

Ninguém pode dizer isso. Depende do local. Se eu estiver falando para você da Chapada Diamantina, por exemplo, vai existir uma forma de pensar. O que nós não podemos é não ouvir a comunidade, ouvir os atores e conhecer os arranjos produtivos locais para escolher, por exemplo, os cursos que iremos ofertar.

Não há profissão do futuro, não é um conceito. O que você tem são alterações relacionadas com ciclos tecnológicos. Depende muito de como o sistema de produção se desenvolva. O que precisamos é formar pessoas que tenham capacidade de entender essas mudanças. Nossa missão é formar cidadãos histórico-críticos. O estudante precisa entender que as condições históricas são fundamentais para o que ele vive. Essa é a nossa utopia.  

Para as mulheres, que são minoria na comunidade científica, como é o processo de produzir ciência, guiar os estudantes e ocupar um espaço de poder como o seu? 

É difícil, viu? É um desafio. Primeiro porque eu, que sou de uma geração do século passado, não tive, na minha trajetória, um preparo para estar ocupando uma posição de poder com essa. Vim me construindo e desconstruindo ao longo do tempo, numa perspectiva de tentar dar exemplos positivos às meninas com quem convivo.

O que me mobiliza é a ideia de que nós sofremos e pagamos um preço muito alto num momento em que a condição de mulher ainda é uma condição subalterna, em que nós ainda somos atacadas e oprimidas por um sistema patriarcal, apesar de estarmos resistindo muito. E por isso precisamos assumir uma postura pública mais combativa. Vou lhe dizer, eu me coloco nesse papel porque não há outra possibilidade. Ou você é ou você é. Não é fácil. 

Queria deixar registrado que, quando eu me lancei como candidata à reitora, eu reunia todas as condições necessárias. Mas, ainda assim, para mim sempre foi muito difícil e isso pela minha condição de ser mulher, de ser negra. Os sujeitos nessas posições estão a todo tempo convencidos de que esses locais não são para nós.

A coisa mais importante que tenho observado no mundo moderno não são as transformações tecnológicas, mas as capacidades de os grupos sub-representados politicamente terem a capacidade de se colocar e não permitir que outros falem por eles, mas que eles falem por eles próprios. Fui atacada pela minha condição de mulher. Mas tem também o componente racial, que muitas vezes é velado, mas está ali presente.

Então, como a gente pode incentivar as mulheres a seguir esses caminhos de poder e da ciência? 

Há uma comunidade muito pequena de mulheres científicas que, quando partem para a carreira, são discriminadas. Temos que ser todas feministas, esse é o básico. Quando você se coloca nesse lugar, você luta por igualdade.

A igualdade é fundamental, porque nossa sociedade se estrutura por meio da desigualdade, tudo alimenta esse sistema e não é por acaso que tenhamos sempre esses mecanismos de reprodução das relações sociais, e essa representação sempre está em cima dessas opressões.

Precisamos combater o machismo e o racismo estruturais. Políticas públicas são fundamentais, porque elas tocam o indivíduo, e às vezes transformam a vida daquela pessoa, que passa a ser uma pessoa que luta. Eu fui tocada por uma política pública, mas muitas Luzias ficaram de fora.

O processo de espera pela posse foi mais difícil por isso? Por que você acha que demorou? 

Houve um momento em que o processo, de fato, teve problemas. Mas chegou um momento em que questões ligadas a esses marcadores fizeram diferença. Podem até não ter feito, mas essa é a impressão.

Depois de 25 anos no Ifba e agora como reitora, toda essa trajetória, além da espera, te deu vontade de pesquisar?

O que tenho pensado muito é a questão da democracia nas instituições públicas, na forma como a gente conduz. Tenho pensado muito em estudar isso.