Teto de barracão de terreiro invadido por obra desaba

Em dezembro, 3 mil m² de área verde foram destruídos por tratores

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  • Nilson Marinho

Publicado em 11 de março de 2019 às 16:37

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/CORREIO

O telhado do barracão onde aconteciam as cerimônias religiosas abertas ao público, do Terreiro Húnkpame Karè Lewí Xwè, localizado na Travessa Heráclito, em Cajazeiras IV, desabou na madrugada deste sábado (9). 

Em dezembro do ano passado, 3 mil m² dos 12 mil m² de área verde do território considerado sagrado foram devastados por tratores que atuavam em uma obra nos fundos do terreiro. De acordo com o sacerdote Carlos Alberto de Oliveira, logo após a intervenção, duas rachaduras surgiram na construção. Uma delas chega a medir quase dois metros de comprimento.  Rachadura surgiu após obra, segundo sacerdote (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Segundo o religioso, era por volta das 23h quando cerca de 80% do telhado de telhas de cerâmica cedeu. Ele conta que a estrutura da antessala, que fica nos fundos do barracão e que também serve como dormitório, não foi atingida. No momento, não havia ninguém no espaço. 

Com o incidente, no entanto, o assentamento do vodun, espécie de pequeno altar com peças importantes para as cerimônias ritualísticas, ficou danificado. Uma das peças do local, um vasilhame de barro, que tinha mais de 80 anos, ficou quebrado. O terreiro vai tentar restaurá-lo.

O ogã da casa, guardião das chaves do terreiro, Francisco Bottas, disse que tomou um susto quando ouviu o forte barulho do desabamento."No momento da queda, havia dez pessoas no terreiro, nenhuma delas dentro do barracão. Eu já estava me preparando para dormir quando escutei um barulho muito forte. Imaginei até que fosse um trovão”, contou.Como as festas abertas ao público só podem ser feitas neste espaço onde houve a queda da estrutura, todas as celebrações foram canceladas, sem previsão de retorno. Já os rituais internos, feitos pelos filhos da casa, continuarão acontecendo normalmente. Telhado ficou destruído (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Relação entre os casos Carlos Alberto aguardará um laudo pericial para saber a causa do desabamento, mas ele acredita que a queda está ligada à ação do maquinário que, após a publicação da reportagem do CORREIO, deixou de agir na região. Os responsáveis pelas obras não foram identificados à época."Não posso garantir nada, porque não tenho conhecimento técnico. Estou aguardando porque vamos acionar a polícia para que se faça uma perícia. O que eu posso garantir é que essas rachaduras não existiam antes do desmatamento. Isso eu posso dizer", ponderou o sacerdote. Segundo ele, as rachaduras surgiram no barracão, que fica no meio do terreno e é a maior das 11 construções do local. Nos outros dois imóveis dentro da área não apareceram fissuras, assim como não há também relato de danos em outros imóveis da travessa.

A Defesa Civil de Salvador (Codesal) foi comunicada do desabamento do telhado na manhã desta segunda-feira (11). Por nota, a Codesal informou que "recebeu a solicitação de vistoria e amanhã, terça-feira (12/03), uma equipe do órgão estará no local realizando a inspeção".

Responsável pela investigação do desmatamento da área verde do terreiro, a delegada titular da 13ª Delegacia (Cajazeiras), Olveranda Oliveira, diz que o caso ainda não foi encerrado e que responsável pela obra já foi identificado e intimado a depor. No entanto, ele ainda não se apresentou à polícia. “Estamos trabalhando no caso. Já identificamos a pessoa responsável, mas ela ainda não compareceu para ser interrogada. Já mandamos duas intimações e estamos aguardando que compareça à unidade”, disse a delegada ao CORREIO.As datas das intimações não foram divulgadas. Caso o responsável, que teve o nome preservado, não compareça para prestar esclarecimentos, a delegada conta que será aberta uma condução coercitiva, que é quando há auxílio de oficiais para que o intimado seja levado à delegacia – o ato não é sinônimo de prisão, e a pessoa é liberada em seguida.

Olveranda explicou ainda que é precoce determinar se há relação entre os episódios do desmatamento e do desabamento. “Pedimos uma perícia no local porque só os peritos podem atestar, dizer se existe ou não uma relação, se há essa relação de causalidade”, finalizou a delegada.

A perícia tem prazo de 30 a 40 dias para ficar pronta - a data pode ser prorrogada caso haja necessidade.

O CORREIO entrou em contato com a Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade (Sepromi), que informou não ter sido acionada pelo terreiro. No entanto, através da sua assessoria de comunicação, comunicou que "o centro de referência já está fazendo contato com o terreiro para auxiliar no que for necessário e auxiliar na intermediação com os órgãos públicos para resolver as questões emergenciais".  Construção que teve telhado destruído é a maior das 11 do terreno (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Advogado pele cautela e cita reforma Ao CORREIO, o advogado do terreiro, Usival Rodrigues, informou que não tem conhecimento dos responsáveis pela obra. "Não temos como saber, porque não tinha placa, nada. Além disso, não sabemos se a obra foi interrompida por terem acabado uma primeira etapa e será continuada ou se foram notificados", conta.

À época do desmatamento, além da abertura do boletim de ocorrência na 13ª Delegacia, foi solicitado à Superintendência de Obras Públicas do Salvador (Sucop) a apuração de quem eram os responsáveis pelas obras nos fundos da casa. Rodrigues conta que um engenheiro e um arquiteto foram convocados pelo próprio terreiro para fazer uma vistoria no barracão para entender os motivos do desabamento.  "A gente tem várias questões, como, por exemplo, se o distanciamento entre o barracão e o desmatamento seria capaz de causar o desabamento. Claro, as pessoas acabam ligando os fatos, mas, até o momento, não podemos afirmar, justamente pela dificuldade em estabelecer a causalidade", esclareceu o advogado.  Ele informou ainda que, há sete anos, o barracão passou por uma reforma coordenada pela Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTU), por meio de um projeto financiado pelo Governo do Estado. O CORREIO tentou contato com a associação, sem sucesso. “Vamos fazer uma apuração mais precisa para saber de que forma esse barracão foi reformado. Caso seja por conta da reforma, vamos entrar com uma ação de indenização. O que aconteceu é que, durante a ação das máquinas, pessoas relataram abalos na terra. A grande dúvida é se eles seriam suficientes para provocar a queda do telhado ou se isso antecipou”, completou.Relembre o caso O Terreiro Húnkpame Karè Lewí Xwè foi fundado na década de 30, no bairro do Uruguai. Pouco depois, foi transferido para a Estrada Velha do Cabrito, no bairro de Plataforma. Por conta da criminalidade da região, o povo de santo resolveu adquirir o atual terreno, na Travessa Heráclito, em Cajazeiras IV, há 28 anos. O espaço não é tombado por nenhum órgão público. Em dezembro, espaço foi devastado (Foto: Marina Silva/CORREIO) Em dezembro do ano passado, além dos 3 mil m² de área verde devastados por tratores, o espaço teve espécies de plantas arrancadas do solo, como coqueiros, piaçava e canela-de-velho, que serviam de ferramentas para alguns rituais.

Também há relatos de que foram destruídos três assentamentos, que são espaços construídos que representam cada orixá, onde o povo de santo costuma depositar suas oferendas. As representações destruídas foram de Xangô, Ogum e Baba Egun. Até hoje, nada foi replantado. Local continua desmatado (Foto: Marina Silva/CORREIO) Os membros do terreiro relatam que duas escavadeiras e um trator foram os responsáveis por arrancar a cerca do espaço e avançar para a destruição dos 3 mil m² dos 12 mil m² da área pertencente à casa. 

O caso foi registrado na 13ª Delegacia (Cajazeiras) e, após o comunicado, uma equipe do Departamento de Polícia Técnica (DPT) esteve no local constatando o perímetro devastado. O desmatamento se estendeu também a um córrego que fica fora da propriedade do terreiro, mas que era utilizado nos rituais religiosos. 

* Com supervisão da subeditora Fernanda Varela