Tom Wolfe transformou a ironia e a acidez em seu estilo particular

O escritor, que faleceu na última segunda (14), foi um dos mestres do jornalismo americano

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Publicado em 20 de maio de 2018 às 14:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Robson Mendes/CORREIO

A reportagem Radical Chique se inicia com a inusitada descrição, após uma insônia, do que se passa nos pensamentos do maestro Leonard Bernstein, figura rica e complexada que vai promover um jantar para angariar fundos para os Panteras Negras, grupo radical de combate ao racismo nos Estados Unidos. Em outro texto, que retrata a vida frenética da socialite queridinha de Andy Warhol nos anos 1960, Baby Jane Holzer, o começo traz uma enumeração caótica (mas não sem sentido) de peças de roupa, adereços e toda a afetação possível.

Se a ocasião pedisse (ou se ele estivesse simplesmente com vontade), a abertura de uma matéria poderia trazer várias linhas de onomatopeias. Afinal, quando escrevia, Tom Wolfe não estava interessado em criar um jornalismo bem comportado: queria um texto elegante como ele, mas ainda assim marcante, fora do convencional e, antes de tudo, ácido.

O escritor e jornalista faleceu na última segunda em um hospital em Manhattan, em Nova Iorque, aos 88 anos, vítima, segundo sua agente literária, de uma infecção. Ícone do Novo Jornalismo – nome um tanto quanto genérico dado à geração formada por Gay Talese, Truman Capote, Hunter S. Thompson, Norman Mailer e Lillian Ross, entre outros, que fez da reportagens um terreno fértil para utilizar as técnicas das narrativas de ficção –, Wolfe teve uma trajetória celebrada também na ficção, com obras como A Fogueira das Vaidades, A Palavra Pintada e Os Eleitos.

Mais do que pelas invencionices (algumas brilhantes, outras quase maneirismos), os seus textos são marcado por um acidez impiedosa e, para alguns, exagerada. O conceito de “radical chique”, por exemplo, que virou hoje uma receita preguiçosa para falar de progressistas que não fazem voto de pobreza, por exemplo, é questionável – a forma do autor descrevê-lo, no entanto, é indiscutivelmente saborosa. Wolfe como poucos, soube transformar a ironia em puro estilo.

Biografia O homem dos ternos caros e claros nasceu em Richmond, na Virginia, mas começou a sua carreira em Nova York, no Herald Tribune, em 1962. Sua prosa inconfundível logo se destacou: trazia um olhar elegante e elitizado que não tinha medo de se aproximar (e de criticar) da cultura pop e das personalidades dos EUA, como um cronista do narcisismo da geração dos anos 1960 e 1970. Assim, logo passou a escrever para revistas como Harper’s e a Esquire, em que publicou alguns de seus principais textos.

Anos depois, seria Tom Wolfe que tentaria dar uma coesão em texto para a geração que explorou os limites das técnicas narrativas dentro da reportagem. O jornalismo literário já existia, claro, em nomes como John Hersey e Joseph Mitchell, para ficar só nos americanos, mas esse “Novo Jornalismo” era, para o autor, uma aplicação radical da ideia de que a prosa inventiva poderia ser feita dentro das redações, desde que com a apuração que a sustentasse.

É possível dizer o que alguém sonhou, pensou ou sentiu? Para Wolfe, sim, desde que a investigação do jornalista questionasse e acompanhasse os personagens exaustivamente. No posfácio de Radical Chique e o Novo Jornalismo, Joaquim Ferreira dos Santos define o estilo de Wolfe, num parentesco com o jornalismo gonzo de Hunter Thompson: “Se os Beatles colocaram uma colher de LSD na música, Tom Wolfe pôs um pote no jornalismo”.

Wolfe investiria depois também nos ensaios. Da Bauhaus ao Nosso Caos (1981), publicado no Brasil, traz uma visão demolidora da arquitetura moderna nos Estados Unidos, mostrando como a “funcionalidade” das construções modernas havia se tornado um fetiche para as elites.

Em 1987, o árduo defensor da não ficção como campo literário fez a sua estreia na literatura com o romance A Fogueira das Vaidades, antes publicado em capítulos na Rolling Stone. É uma obra, como tudo o que Wolfe tocou, satírica, sobre um ganancioso banqueiro de Wall Street que foge depois de atropelar um homem negro no Bronx. O filme foi adaptado para o cinema por Brian de Palma, com Tom Hanks no papel principal. Um livro anterior seu, a reportagem Os Eleitos (1979), seria a base para um longa dirigido por Philip Kaufman, vencedor de quatro Oscars.

A Fogueira das Vaidades foi sua tentativa de escrever um grande romance, nos moldes do realismo do século 19, sobre a cidade de Nova York. Fez da cidade a capital do que ele via em todas as pessoas: a busca por reconhecimento e prestígio. “Minha questão é que o status está na cabeça de todo mundo o tempo inteiro, sejam eles conscientes disso ou não”, dizia Wolfe, sem vergonha de se admitir um dândi.

Wolfe tinha admiradores e detratores. Norman Mailer, John Updike e John Irving criticavam sua ficção e seus exageros. O autor, sempre polêmico, respondeu a eles, os chamando de “três patetas” em um ensaio: “Deve ser irritante todos – inclusive eles – estarem falando de mim, e ninguém falar sobre eles”.

No campo dos admiradores, estavam escritores como Kurt Vonnegut e Gay Talese. “Ele era um escritor incrível”, disse Talese ontem. “E você não podia imitá-lo. Quando as pessoas tentavam, era um desastre”.