Você é um pai presente? Te convidamos para refletir sobre esse papel

Conheça histórias de baianos que se reinventaram na paternidade. Ato de participar da vida dos filhos pode beneficiar eles, a mãe e toda a sociedade

Publicado em 13 de agosto de 2022 às 06:30

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Marina Silva

Chegou o seu final de semana, pai! Dia de encher o peito e dizer ‘não’ para aquele baba corriqueiro com os amigos, passar o final de semana dos pais todinho com seu filho, dando tudo o que o rebento quer, publicando diversas fotos maravilhosas com ele no Instagram (vários likes), com direito a textão e tudo. No final da tarde de domingo, devolve o filho para aquela mãe chata que só faz reclamar da vida e não faz as vontades da criança. Pronto. Aquele paizão volta a viver sua rotina de solteirão pagador de pensão. Ou, se casado, retoma a sua figura paterna restrita de sustentar a casa e trabalhar. De pai para pai? Apenas pare, bicho. É preciso, com urgência, reinventar sua paternidade. 

O papo já começa errado quando um pai diz que “ajuda” na criação do filho. A criança não precisa de ajudante de pedreiro, mas de uma criação conjunta e participativa do pai e da mãe. Pensar que a única obrigação da figura paterna é pagar as contas e sustentar as crias. É uma conduta machista ultrapassada. No passado, este conceito até poderia ser admitido pela sociedade, mas a necessidade de participação afetiva é crucial para o desenvolvimento e bem estar do filho, da mãe e de uma sociedade que adoece sem a presença paterna. Afinal, o que é ser um pai nos tempos atuais?

“Do ponto de vista psicológico, ser pai não é apenas gerar, pois esse é o genitor. Ser pai é cuidar, estar presente, contribuir com o desenvolvimento do filho. Existem pessoas que fazem o papel de genitor, mas não de pai. Pai é inspirar, acompanhar, contribuir, fazer a diferença, preparar o filho para a vida”, disse Alison Ribeiro, professor de psicologia da Unesulbahia e coordenador da Eduque Emoções - Programa de Educação Emocional. Para o psicólogo, cada atitude ausente de um pai gera um verdadeiro efeito borboleta, onde um simples bater de asa do bichinho no Brasil pode ocasionar um tornado do outro lado do mundo. No nosso caso, cada atitude nociva do pai leva a consequências desastrosas para o filho, mãe e toda sociedade. É a teoria do caos na sua essência.

“Uma das principais queixas que escuto de adolescentes dentro do consultório é a falta da figura paterna. Vejo a diferença na formação do self (do eu, da personalidade). Não basta ter essa figura paterna. O pai precisa saber como conduzir esse processo de educação dos filhos. É possível estar ausente, mesmo estando presente, pois não falamos apenas de uma presença geográfica, mas sim uma presença afetiva por parte dos pais”, revela Alison, que também fala sobre a sobrecarga na mãe. “Uma mãe que não tem essa parceria no cuidado tende a sofrer com estresse, cansaço extremo e ansiedade, por muitas vezes assumir, sozinha, tantas responsabilidades que poderiam ser divididas. Isso pode trazer prejuízos ainda mais graves à saúde dessa mãe”, completa. Junte isso ao fato de sermos um país com 11 milhões de mães solo (dados do IBGE), que criam seus filhos sem a presença paterna. Resumindo, são mulheres que assumiram os filhos sozinhas, cuidando dos três pilares da criação de uma criança: financeira, psicológica e social. Sem a presença do pai, esta mãe precisa fazer malabarismo para manter tudo isto e ainda a sanidade própria. Para se ter uma ideia, segundo o Instituto Locomotiva, 35% das mães solo não tiveram renda suficiente para comprar alimentos. Isto em 2020, viu. Durante a pandemia, o mesmo instituto apontou que 8 em cada 10 mães solo tiveram a renda doméstica reduzida por conta da Covid-19. É meio óbvio. Sem a figura do pai, a mãe precisa cuidar dos filhos e trabalhar. É justamente o efeito borboleta. Se o pai passasse a cuidar efetivamente da criança, participando da criação e dividindo as tarefas de igual para igual, dava para todo mundo viver sem tanto peso nas costas. Casados ou não. 

“Minha filha tem 8 anos e já estamos separados há três [do marido]. Ele está malhado, vai para a balada e tem uma relação estável. Eu estou barriguda, cansada e não consigo estabelecer uma relação com ninguém. Ele até paga pensão, mas só fica com a filha nos finais de semana, e olhe lá. Vive postando fotos dela, um paizão para todos. um Não dá mais para achar que pai é quem sustenta. Pai é quem participa, que está lá o tempo todo também. Se ele fosse menos pai de Instagram e mais participativo, eu também estava gostosa e namorando. O que é ser um bom pai? Para mim, é pensar naquela história: a mãe não ‘fez’ sozinha”, disse uma mãe, que pediu anonimato.  Advogado Italo Lima e seus filhos Catarina e Vicente (Foto: Marina Silva/CORREIO) Recomeço O advogado Ítalo Lima demorou para cair na real. Separado da mãe de seus dois filhos, ele também pensava nos filhos como burocracia e obrigação de sustento. Como um prestador de serviço. Sua primeira filha, Catarina, atualmente com 10 anos, nasceu em pleno carnaval. Com três dias de nascida, ele foi para a folia momesca e deixou a mãe em casa. 

“Eu tentei criar uma dinâmica de continuar ajudando na criação tendo a mesma vida de antes da paternidade. Tentei durante um tempo. Eu lembro da galera me censurando no episódio do carnaval, mas eu não entendia a gravidade daquilo. Ainda tentei fazer isso durante uns dois anos, mas vi que não dava. Era muito difícil cuidar deles de ressaca. Era um dos maiores sofrimentos na minha vida”, disse Ítalo. “Fiz ajustes e um deles foi beber menos”, acrescenta.

Ítalo confessa que fazia tudo que um pai ausente faz. Para ele, ter filho era um trabalho a ser realizado e entregue à mãe, como uma relação entre patroa e empregado. Com o nascimento de Vicente e a separação, Ítalo passou a conviver mais com os filhos, por incrível que pareça. Contudo, foi uma passagem bem provedora na sua vida que o tirou do status de pai ausente para uma figura paterna afetiva e presente. 

“Eu passei num concurso bastante concorrido, para ser titular de um cartório no interior. Ganharia super bem e seria um prato cheio para um pai ausente, né? Sustentaria os filhos, mas com a liberdade de estar longe. Para mim, foi um efeito contrário. Descobri que não poderia viver longe deles. Ficou insustentável”, lembra. Após alguns meses, Ítalo pediu exoneração e voltou para o emprego antigo, mas perto de Catarina, de 10 anos, além de Vicente, com sete. Hoje ele mora próximo da mãe das crianças, em Lauro de Freitas, e as crianças ficam com ele todas as quartas, sextas e domingos.“Não dá para querer viver uma vida que não existe mais. Hoje eu faço parte da vida deles, não o contrário. E não abro mão disso. To aqui retado, pois a mãe marcou uma viagem para São Paulo, desconsiderando a existência do dia dos pais. Só voltam na próxima terça.  Respirei fundo, né? Se fosse em outra época, estaria curtindo esta folga. Hoje, estou sem saber o que fazer sem eles”, assegura Italo, bem chateado com a situação. Ser um pai integral não é como uma receita de bolo, tampouco dá para seguir um manual. Cada criança terá um tipo de pai ideal. O importante é ser o afetivo do próprio rebento. “O pai perfeito não existe. O Pai precisa buscar suas responsabilidades, estarem disponíveis afetivamente, presentes, que buscam serem os melhores pais e seres humanos possíveis para seus filhos, todos os dias.  O pai desta nova geração precisa zelar pelos pilares da  presença, afeto, da não violência, do acolhimento e do cuidado. A ausência é a primeira violência que o pai dá ao filho. É uma violência, sim”, receita Tiago Koch, naturólogo e pai da Iara e da Nalu. Koch é o idealizador da página Homem Paterno, um projeto onde tem cursos, workshops e palestras sobre ser um pai integral. 

Tiago inclusive foca em dois aspectos pouco explorados nos homens: períodos de gestação, parto e puerpério da mãe. Se você quer mesmo ser um pai atual, esqueça aquela lenda de que pai só descobre a paternidade após o nascimento da criança. Lição fundamental: Deixe o videogame de lado e conviva mais com a mãe, mesmo que ela não seja sua companheira. No pré natal, inclusive. O rapper Ravi Lobo e sua filha, Lis Leal (Foto: Divulgação) A fase puerperal é ainda mais delicada e o apoio do pai é crucial.  Inclusive existe um crime no rol do Código Penal que só acontece neste período: o infanticídio. “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”. Para a mãe, detenção de dois a seis anos. Não existe responsabilização para o pai, apesar de um dos elementos para a prática do crime é a solidão da maternidade. Isto sem contar a depressão pós-parto. “Nossos  cursos preenchem uma lacuna muito importante, que é a falta de conhecimento do homem diante do início da vida da criança. Poucos homens se preparam para a paternidade. É preciso se preparar para a gestação, o que é um trabalho de parto, o que é o puerpério. Falta muito repertório para o homem. Mas nenhum curso vai tornar alguém um paizão. Dará bagagem, apenas. A paternidade é um aprendizado contínuo, com erros e acertos. O conhecimento também é uma responsabilidade paterna”, avisa Tiago Koch, que tem mais de 100 mil seguidores no Instagram. O que não falta é presença na relação familiar do rapper Ravi Lobo. O cantor baiano tem uma divisão bem sólida com a esposa. Como seu trabalho é mais à noite, é ele quem fica em casa cuidando da filha Lis Leal, enquanto a mãe vai trabalhar. Pai e filha não se desgrudam. Na primeira música solo do rapper, adivinha quem faz participação especial?

“Onde estou, ela está comigo. Isso preencheu a minha vida e faço isso desde quando ela tinha 5 meses (hoje tem 7 anos). Eu que passo a visão do mundo para ela. Gravar com ela foi uma experiência incrível. Ela cresceu no estúdio, né? Gosta de cantar, mas ela pode fazer tudo o que quiser na vida: boxe, skate, balé, futebol… Só quero estar presente”, disse Ravi. A música se chama Shakespeare do Gueto e seu clipe, com a presença da filhota de Lobo, foi gravado no bairro da Liberdade.

Pesquisador e filósofo baiano, Rodrigo Araújo transformou a paternidade em livro. A saga desta descoberta virou ‘Todos os dias depois de hoje’, que mostra bem a transformação de um homem comum para a figura do pai integral. “A paternidade tem algo de errático, de experimentar, errar e tentar de novo. Jamais se tratou de oferecer um guia sobre a paternidade. Desde que soube da chegada de Malu, comecei a tomar notas sobre essa nova experiência que havia me tomado. Nani (a mãe da filha) sugeriu que aquelas notas, repletas de dúvidas e incertezas, poderiam interessar a mais gente, pais ou não. Daí, selecionamos os textos que julgávamos ser de interesse mais amplo e editamos o livro”.  Rodrigo Araújo e sua filha, Malu (Foto: Acervo pessoal) Ravi e Rodrigo possuem algo incomum: ambos não tiveram a figura paterna. Como muitos, foram criados pela mãe. Contudo, decidiram optar pela ruptura do pai sem participação. “Eu faço parte de uma enorme e desoladora estatística nacional. Quando minha mãe ficou grávida, meu pai desapareceu”, lembra Rodrigo. “Não há respostas simples para problemas complexos, não é verdade? Eu penso que uma mudança nessa rota cultural passa por uma série de medidas que vão desde políticas públicas e muita coragem civil para enfrentarmos temas sensíveis, como melhor distribuição de renda, educação sexual, acesso à saúde, legalização do aborto... Penso que esses temas, embora não pareça, estão diretamente ligados e os pais estão naturalmente implicados nisso tudo”. 

E quando não existe uma figura da mãe, mas de dois pais? Neste universo da família, o pequeno Kauã tirou a sorte grande: tem dois pais participativos. O casal influencer Rafael César e Luke adotou o garoto, que nunca conheceu o pai biológico e, apesar de ter uma mãe, também não tinha a figura materna afetiva. Curiosamente, seu irmão também foi adotado, mas pela irmã de Rafael. Ele tem 3 milhões de seguidores no TikTok e fala justamente sobre paternidade.

Além do papel de pais integrais, ainda existe a barreira do preconceito. No início do mês, Rafael publicou um vídeo em que Kauã aparecia com a unha pintada, desejo da própria criança e atendido pelos pais. “Existem casais homoafetivos que querem a adoção, mas ficam com medo da carga preconceituosa e machista de nossa sociedade. Recebemos diversos ataques, mas este com nosso filho foi bem intenso. Mas não abateu nossa família. Fortalece ainda mais nossa missão de incentivar pais afetivos que desejam dar este amor que tantos pais biológicos não dão. Temos que acabar com o medo”, disse Luke.

Já Luke prefere dar um recado ao pai que ainda não caiu na real sobre a importância da paternidade. “Você, pai ausente, não sabe o que está perdendo de um aprendizado único. Você está deixando de evoluir como ser humano, está deixando de aprender com seu filho, uma criança que está aí, só esperando pelo seu afeto, pelo seu amor e sua atenção. Ele não quer muito, cara. Quer sua presença e amor”. Ou seja: quer saber como ser um pai perfeito? Pergunte ao seu filho.  O casal influencer Rafael César e Luke, além de seu filho Kauã (Foto: Divulgação) Saiba mais sobre paternidade

Livros - O papai é pop, por Marcos Piangers - Todos os dias depois de hoje, por Rodrigo Araújo - Carta ao pai, por Franz Kafka - O livro que você gostaria que seus pais tivessem lido, por Philippa Perry - Pai Real, Pai Ideal, por Everley R. Goetz e Mauro L. Vieira

Filmes - À Procura da Felicidade - A Vida é Bela - Paternidade - Procurando Nemo - Gonzaga: de Pai Para Filho

Quem seguir: @eurafacesar (TikTok e Instagram, pai homoafetivo do jovem Cauã) @piangers (Instagram, autor do livro Papai é Pop) @homempaterno (Instagram, guia os pais sobre paternidade. Tem cursos) @dr.eduardojr (Instagram, fala sobre machismo e pais abusivos) @familiapessoatardivo (Instagram e TikTok, conta o cotidiano de um casal homoafetivo, dois filhos e um cachorro)

Podcasts (Spotify)   AfroPai; Paternidade.doc; PodPai; PaizinhoVírgula!; TricôdePais; Paternidade Sem Vergonha; Sinucas de Bico

Como os pais deveriam serNão é receita de bolo, tampouco existe uma rotina perfeita. Após conversarmos com especialistas e pais que estudam paternidade, estas foram as principais ideias. 

Abaixo o machismo! Uma pesquisa recente encomendada pela Boticário mostrou que 57% dos pais entrevistados acham que devem educar seus filhos exatamente como aprendeu dos seus genitores. Cuidado, pois o mundo muda. Converse com seus filhos sobre diversidade, política, preconceito e todos os assuntos que estão em evidência atualmente. Deixe todo preconceito no passado.

Ensine seu filho Acompanhar a educação da criança não é apenas pagar colégio ou levá-lo para escola. Participe do aprendizado, faça trabalhos didáticos com ele, incentive a leitura. Uma leiturinha antes de dormir é revigorante. Acompanhe seu crescimento intelectual. 

Conheça seu filho Não culpe seu filho se ele achou Legião Urbana um saco. Você que está vivendo a geração dele. Pergunte o que ele gosta, as músicas, jogos e youtubers preferidos. Saiba quem é o melhor amigo dele, o nome do pediatra, qual o esporte preferido dele. É duro, mas se ele escolher outro time de futebol, aceite e leve na esportiva. Nunca deixe de conversar com a criança. Seja amigo e pai. 

Você não ajuda ninguém Tire da sua cabeça que você ajuda a mãe na educação dos filhos. Você é parte integral deste processo, não um ajudante. Divida as tarefas, assuma responsabilidades, esteja presente na vida de seu filho, mesmo que não conviva com a mãe. Guarda compartilhada é um caminho sugerido. Seja respeitoso com o lado materno. Ela carrega muito mais peso que você. Não custa nada você pegar uma carga maior, né?

Abrace e ame Homem chora, sente dor e diz que ama os filhos. Abrace suas crias, seja sensível com eles, pode até pedir colo se quiser. Demonstrar afeto significa ter um filho amoroso e solidário. Pode fazer ele passar vergonha. Grite no meio dos amigos dele que o ama. Ele pode ficar sem jeito, mas vai saber que tem o amor de um pai presente.