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Integrantes do ato cercaram a jornalista e a xingaram de "vagabunda" e "palhaça"
Da Redação
Publicado em 14 de março de 2021 às 18:31
- Atualizado há um ano
A fotojornalista Paula Fróes, do Jornal CORREIO, foi agredida verbalmente durante a manifestação bolsonarista ocorrida na manhã deste domingo (14) no bairro da Mouraria, em Salvador. Ao registrar imagens do evento, a repórter foi chamada de "palhaça" e "vagabunda", entre outras ofensas. Ela também foi cercada no local pelos manifestantes pró-governo de Jair Bolsonaro.
"Agora que você chega, é? Pra dizer que teve pouca gente. Você não tem vergonha na cara. Palhaça! Vocês são bandidos, vagabundos! A imprensa é que nem um cachorro, sempre atrás de comida. Fale seu nome! Vagabunda! Chamei mesmo, de vagabunda, é vagabunda mesmo, a serviço de bandido. Venha cá, comunista!", disseram os manifestantes.
Um dos homens que agrediu verbalmente a jornalista já foi identificado. É o educador físico Genisson Moreira, diretor-presidente da Asdeck Karatê e fundador do Instituto Amigo dos Bairros. Genisson se candidatou a vereador de Salvador pelo PTC em 2020, recebendo pouco mais de 300 votos. Além disso, ele também já trabalhou como assessor parlamentar na Câmara de Vereadores de Salvador (CMS).
No cartaz de divulgação da passeata, o ato é denominado como “Passeata pela Liberdade, com Deus e pela Família”, fazendo clara referência à “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, ocorrida em 1964 e que foi um dos estopins da ditadura militar brasileira. Vale ressaltar que os agressores estavam sem utilizar máscaras de proteção contra a covid-19, assim como diversos manifestantes. A atitude aumenta relevantemente a possibilidade de proliferação do coronavírus entre os presentes no local. Reprodução/Redes Sociais No momento em que os manifestantes iniciam o cerco à jornalista, algumas pessoas questionaram sua presença no local da manifestação. Após a profissional responder aos questionamentos, afirmando que estava apenas trabalhando, o tom dos questionamento ganhou mais violência, que resultaram nas agressões verbais."Não precisa dessa agressão, eu não agredi vocês em momento nenhum. Eu estou aqui trabalhando. Eu não vou dizer meu nome não. Tô aqui a trabalho, sozinha. Não tô aqui brincando com ninguém", respondeu Paula aos manifestantes bolsonaristas que a ameaçavam em grupo."Comecei a fotografar um grupo pequeno de pessoas que estavam pedindo intervenção militar. Logo depois fui abordada por um dos manifestantes, já me chamando de vagabunda gratuitamente. Quando vi eu estava cercada. A maioria das pessoas estavam sem máscara. Prontamente peguei o celular e comecei a filmar, parando de fotografar. Me senti bastante acuada, e falei que não estava agredindo ninguém, que eu só estava trabalhando e saí. Uns dois integrantes vieram e me pediram desculpa e que o “movimento” não era isso", disse Paula à reportagem.
Este domingo foi marcado por dois atos em apoio ao presidente Jair Bolsonaro. O primeiro foi uma carreta que saiu da região do antigo Aeroclube e percorreu a orla da capital baiana, enquanto o segundo foi a manifestação nas proximidades do quartel da 6ª região militar, na Mouraria.
Diversos relatos nas redes sociais de pessoas que acompanharam ambas manifestações alegam que os manifestantes de ambos os atos pediram em vários momentos por intervenção militar no país. Este ato é inconstitucional e pode até mesmo ser considerado crime com base na Lei de Segurança Nacional, com pena de um a quatro anos de reclusão.
Na manifestação da Mouraria, foi necessário até que o organizador do evento pedisse para que as pessoas baixassem as faixas pedindo intervenção militar no país, já que “apesar de entender”, não seria uma das pautas do ato. O organizador também solicitou no início da passeata que os manifestantes não se referissem ao AI-5 nem ao artigo 142 da constituição federal, citado por Bolsonaro anteriormente para justificar uma intervenção das Forças Armadas. Manifestante admite nas redes sociais que foi pedir intervenção militar em manifestação. (Reprodução/Instagram) Esta não é a primeira vez que profissionais da imprensa são agredidos em manifestações pró-governo. Em maio de 2020, a equipe do jornal "O Estado de S.Paulo" foi atingida por chutes, socos, empurrões e rasteiras, além de incontáveis agressões verbais durante um ato feito em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília. Neste dia, equipes da "Folha de S.Paulo", do jornal “O Globo” e do site "Poder360" também foram xingados e agredidos.
Ao longo dos últimos meses, também foram registradas outras situações de agressão a jornalistas. Este fato fez com que um projeto de lei que propõe “transformar em crime as hostilidades a profissionais de imprensa no exercício de suas funções” fosse apresentado no Senado, estabelecendo uma pena de detenção de um a seis meses, acrescida de multa, a quem praticar hostilidades com o objetivo de impedir ou dificultar a atuação dos profissionais de imprensa.
Outras cidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belém, também tiveram manifestações em prol do governo federal. Assim como em Salvador, todas elas foram marcadas pela aglomeração e por diversas pessoas sem máscara. Em algumas dessas manifestações também foram vistos faixas e cartazes pedindo intervenção militar. Em Feira de Santana, segunda maior cidade do estado, também ocorreu manifestação de militantes bolsonaristas. Nela também foi registrada nas redes sociais pedidos por intervenção militar.
ABI e Sinjorba repudiam acontecimento Os principais coletivos relacionados à imprensa e ao jornalismo do estado da Bahia repudiaram a agressão sofrida por Paula Fróes neste domingo. “É mais uma cena abjeta destes tempos sombrios, em que o ativismo político é rebaixado a isso, com o estímulo da principal autoridade do país. Não podemos banalizar esse tipo de coisa”, afirmou Ernesto Marques, presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
“Desde as eleições de 2018 que o Brasil vem passando por uma regressão do ambiente democrático. O incentivo aos ataques à democracia vem do próprio presidente e de seus filhos, que tentam colocar a imprensa e os jornalistas como opositores, instando seus seguidores a promoverem perseguição e ações contra veículos de comunicação e seus empregados. Em países cujos governos são autoritários, a imprensa é um dos principais alvos, exatamente porque leva informação ao povo. Governantes com perfil ditatorial têm medo do povo informado. Preferem seguidores alienados e violentos. É o que aconteceu neste domingo, na Mouraria, em Salvador”, disse Moacy Neves, presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba).
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lobo