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Da Redação
Publicado em 10 de março de 2023 às 05:15
- Atualizado há 2 anos
Vinte e nove outros casos vieram à tona após a denúncia de assédio sexual que teria sido praticado pelo relações-públicas Pedro Miguel de Oliveira Silva, 59 anos, contra três menores de idade no restaurante 33 Steakhouse, do qual é sócio. A situação com as adolescentes no estabelecimento, que fica no Salvador Shopping, aconteceu na sexta-feira (3). Pedro foi afastado das atividades da empresa, onde está há 17 anos. >
Com a mobilização feita em redes sociais pela mãe de uma delas, a publicitária Paloma Portela, 37, e pela irmã de outra vítima, a advogada Judith Cerqueira, 24, outras mulheres se sentiram encorajadas para relatar, nas redes sociais, antigas práticas de assédio por parte de Pedro Miguel nas dependências do 33 Steakhouse. >
“Eu e Judith, após ser divulgado na mídia, recebemos contato de diversas meninas que passaram por isso”, informou Paloma, que disse ter sido procurada, também, por, ao menos, quatro ex-funcionárias do relações-públicas. >
“Eu recebi contato de ex-funcionária que trabalhou com ele há mais de 12 anos, e ele já vinha cometendo esse tipo de ação”, relatou a publicitária. O número de vítimas, aliás, pode ser ainda maior. “Essas pessoas que denunciaram falaram que conhecem outras, de diversas idades”, destacou ela. >
Relatos Duas pessoas que se disseram vítimas de Pedro Miguel aceitaram conversar com o CORREIO, com a ressalva de que suas identidades fossem preservadas. Cíntia (nome fictício), 35, passou por situações de assédio com o mesmo homem em duas ocasiões diferentes — a primeira delas, em 2020. >
“Estava jantando e tomando vinho com duas amigas no restaurante 33 e ele se apresentou como sócio e sentou perto da gente. Estávamos sentadas em umas poltronas", começou a contar. Assim como fez com as adolescentes, o suspeito abordou Cíntia e suas amigas oferecendo um convite para a ir à casa dele e passear de lancha. “Quando li a reportagem do Correio no Instagram, tive certeza que se tratava dele." >
Cíntia, então, relembrou o ocorrido. “Quando sentou, ele nos ofereceu uma garrafa de vinho e posteriormente nos convidou para ir ao apartamento dele, que disse que ficava em um village no Rio Vermelho. Mas não fomos”, disse. Mesmo com a recusa, segundo ela, o suspeito pediu seu número de telefone. “Eu dei, por educação.” >
Após o episódio, a mulher retornou ao 33 Steakhouse só em janeiro deste ano. "Desta vez estávamos tomando vinho também numa mesa próxima à saída e ele nos abordou nos perguntando o que faríamos no outro dia”, relembrou ela, que recebeu, à véspera do Dia de Iemanjá, via WhatsApp, um novo convite de Pedro Miguel, novamente recusado. >
Também há três anos, em março de 2020, Verônica (nome fictício), 42, foi ao restaurante. Porém sozinha. “Como era sexta-feira, pedi um gin. Aí, esse Pedro se aproximou e pediu licença pra sentar na minha mesa”, afirmou ela. O pedido do homem foi negado, mas ele não desistiu. “Aí, falou: ‘Tá passeando?”, ao que ela respondeu que tinha ido realizar alguns pagamentos e procurar emprego. >
"Perguntou se eu queria trabalhar pra ele, e eu disse que ‘não’. Aí, pedi pra ele se retirar, porque eu tava esperando uma amiga”, prosseguiu Verônica. De acordo com a mulher, instantes depois, Pedro Miguel tentou passar a mão numa de suas pernas. “Aí, eu peguei e empurrei ele.” >
Apesar disso, o sócio do 33 Steakhouse persistiu e não saiu da mesa. “Ele botou a mão dele nas partes íntimas e começou a fazer gestos”, recorda-se a suposta vítima. “Aí, eu joguei o gin na cara dele. E ele disse: ‘Pra que isso?!’”, contou. Somente após ela ter ameaçado gritar e chamar a polícia foi que o homem resolveu se afastar. >
A reportagem entrou em contato com Pedro Miguel por telefone e rede social, mas ele não atendeu nem respondeu às mensagens. >
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Constrangimento Assustada, Verônica, até então, guardava a história para si. “Só resolvi falar por se tratar de menores de idade”, comentou, em referência ao caso das adolescentes. Ainda assim, ela não pretende formalizar a denúncia. “Eu não quero expor meu filho, e a Justiça aqui nunca é 100%”, justificou. Cíntia também não foi à delegacia, mas disse ter se disposto a ser testemunha das jovens. >
Em casos de assédio e abuso sexuais, é natural que as vítimas tenham dificuldade de denunciar, tanto por aquilo representar um trauma como por outros motivos. Com isso, torna-se comum esse movimento de fazer relatos em redes sociais para, em algumas situações, ir à polícia depois, como no caso do médium João de Deus. >
“Vergonha, impunidade, chacota não só da sociedade como também dos órgãos muitas vezes. Eles têm que estar preparados para receber essas mulheres, e não para afastá-las”, sinalizou a advogada Helaine Marina, pesquisadora na área de gênero, raça e classe, que relembrou que mesmo famosas que foram vítimas de violência sexual, como a atriz Klara Castanho, passam por constrangimentos. >
“Existe um pensamento de que tudo pode ser justificável: como foi que essas meninas se comportaram? Por que elas estavam num restaurante tão caro?”, continuou a exemplificar a advogada. >
Investigações Questionada se sabia dos novos casos que circulam na internet - ou tinha recebido outra denúncia formal -, a Polícia Civil informou que o homem já foi identificado, intimado e prestará esclarecimentos na Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente (Dercca). “Detalhes não podem ser divulgados neste momento”, enfatizou a PC. >
Conforme Helaine Marina, porém, mesmo que o termo ‘denúncia’ se refira à peça feita pelo Ministério Público ao juiz em casos de crimes de ação penal pública, pelo fato de se tratar de crime contra a dignidade sexual, caberia uma ação penal pública incondicionada à representação da vítima. “Basta que a autoridade policial tome conhecimento daquele crime, independentemente do consentimento da vítima”, explicou a advogada. >
Caso a própria vítima queira dar ciência do caso às autoridades, ela tem à disposição, por exemplo, os números de telefone 180 e 190 e a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), que, em Salvador, conta com unidades nos bairros do Engenho Velho de Brotas e Periperi. >
Relembre o caso Segundo Judith Cerqueira, um homem idoso que seria sócio do 33 Steakhouse se sentou à mesa com as meninas e iniciou os assédios. "Começou a insistir para que elas pegassem o número dele. Falou que iria levá-las para fazer um passeio de lancha e chamou para viajar. Falou ainda que iria abrir uma boate e colocaria elas dentro. Chamou outros homens do restaurante para poder mostrar as meninas menores de idade", relatou, indignada. >
As meninas chegaram a comunicar ao homem que todas eram menores, mas ele teria respondido que “não tem problema gostar de menores de idade". Em seguida, ele teria pedido para manter a conversa deles em segredo. Nesse momento, uma mulher na mesa ao lado ouviu toda a conversa e saiu em defesa das garotas, que ligaram para Judith. >
"Eu, como toda irmã mais velha faria, me dirigi até o local e fechei uma briga com este sujeito, na frente de todos do restaurante. Ele, por diversas vezes, deu as costas, fingindo que não era com ele, e tentou me fazer de doida. Repeti, gritando, tudo o que ele disse para as meninas, para todos verem o tipo de verme que é sócio do local", escreveu a advogada na publicação. >
Ao CORREIO Judith contou que, após ser confrontado, o homem negou tudo. "Ele veio tentar explicar, dizendo que não sabia que elas eram menores de idade, sendo que ele sabia... O garçom veio se dirigir até a mesa para falar que esta não era a primeira vez que ele [o sócio] age desta forma. O garçom não disse se era em relação a menores de idade, mas vamos tomar aqui como uma atitude no geral", disse. >
Logo após o caso, a advogada registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Criança e o Adolescente (Dercca), que abriu um inquérito para apurar o caso. A advogada ainda contou que as meninas estão em situação ‘bem delicada’ e passam por acompanhamento psicológico desde o ocorrido. >
"Duas delas já fazem acompanhamento psicológico, inclusive, a gente precisou marcar uma consulta de urgência. E uma passou a fazer o acompanhamento após o ocorrido. Elas estão recebendo todo o apoio e, graças a Deus, a equipe da delegacia tem sido ótima", destacou. >
Restaurante diz manter repúdio; clientes querem boicote >
Logo na primeira denúncia, o 33 Steakhouse, por meio de sua assessoria, declarou que "a empresa e seus sócios repudiam qualquer tipo de assédio e está tomando todas as medidas cabíveis para o melhor esclarecimento da situação. Primamos pela excelência no atendimento, comprovados ao longo da nossa existência, pautados pelo bem servir aos baianos, e fiéis aos nossos valores bem como da sociedade." >
Na oportunidade, o restaurante informou, ainda, que todas as imagens das câmeras de segurança foram fornecidas e que elas "mostram que a conversa não durou mais que dois minutos. Ele [o proprietário] se retirou assim que soube que elas eram menores... Talvez tenha ocorrido uma falha de interpretação." >
Em novo contato feito pela reportagem nesta quinta-feira (9), a empresa afirmou que “mantém a posição de repúdio e segue colaborando com as investigações, que correm em sigilo, por envolver menores, e devem ser apuradas com extremo rigor. Portanto, o relações-públicas, já afastado, esclarecerá os fatos às autoridades”. >
Na internet, muitas pessoas têm anunciado boicote ao 33 Steakhouse e cobrado medidas ao Salvador Shopping. “Aguardar a decisão judicial pode demorar. Agora o boicote ao restaurante 33 Steakhouse pode iniciar imediatamente. A minha parte será feita”, comentou um usuário. >
O restaurante, inclusive, desativou os comentários nas publicações em seu perfil no Instagram. Já o centro de compras tem dado a mesma resposta enviada à imprensa: "Não compactuamos com nenhuma forma de assédio. Entendemos que a denúncia já foi levada às autoridades competentes e o shopping está à disposição para colaborar com a investigação.” >