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Thais Borges
Publicado em 8 de março de 2019 às 04:30
- Atualizado há 2 anos
“Me acho muito guerreira”, diz, sem se fazer de rogada, a operadora de caixa Fabiana Queiroz, 34 anos. Com a certeza de quem conhece a própria história, essa mãe recém-saída da licença-maternidade sabe que passou por muita coisa. Sabe que, como ela, muitas mulheres precisam enfrentar rotinas de trabalho triplas – seja no trabalho na rua, nos afazeres da casa e ainda na rotina com os filhos. >
Fabiana é como outras tantas baianas guerreiras. As mulheres são mais da metade da população do estado - representam 51,6% do total, ou 7,9 milhões em um universo de 15,3 milhões. Se a mulher baiana pudesse ser representada pela maioria, seria uma mulher parda (como se declaram seis entre cada 10), com idades entre 30 e 39 anos (16,9% da população feminina) e responsáveis pela casa, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma em cada três mulheres baianas é a chefe da família – ou seja, 2,3 milhões. >
São mulheres que, inclusive, estudam mais do que os homens. Em 2017, na Bahia, o número de mulheres com 25 anos ou mais que tinham nível superior incompleto ou completo chegava a 747 mil (15% do total de baianas nessa faixa etária). Na contramão, os homens com esse nível de instrução não chegavam a 500 mil – eram 433 mil (9,9% dos baianos nessa faixa de idade). Além disso, em média, as baianas com pelo menos 25 anos estudaram quase um ano a mais que os homens com a mesma idade – 8,2 anos contra 7,3 anos. >
Serviços Essa mulher baiana está em todos os lugares. É sua tia, aquela prima distante, sua vizinha. Aquela moça que trabalha na portaria do prédio do escritório. Pode ser até que ela esteja lendo este texto agora. É a própria Fabiana, a operadora de caixa. >
Quando engravidou pela primeira vez, Fabiana achou que tinha dado um desgosto aos pais. “Era adolescente, né? Tinha aquela cabeça”, lembra. Disse à mãe que lhe daria orgulho no futuro. Há quatro anos, quando começou a trabalhar na loja de roupas masculinas onde está hoje, as coisas começaram a mudar. “Tudo que tenho hoje veio do meu trabalho. Consegui fazer minha festa de casamento há dois anos e comprei minha casa, tudo com base no meu salário”, conta.Em casa, não há dinheiro ‘dela’ ou ‘do marido’. Tudo é dividido a partir do rendimento dos dois. Ele, que é vigilante, tem outras três filhas. O filho mais velho de Fabiana, Henrique, mora com os avós. Não quer deixar os dois, que já têm quase 80 anos. >
Mesmo assim, todos moram no mesmo bairro – o Engenho Velho da Federação. Só que, ainda com tudo compartilhado, é Fabiana quem segura as pontas na hora do aperto. “A mulher sempre tem o hábito de guardar um pouco. Isso já acaba sendo o dinheiro do pão de todo dia, do leite que faltar para a criança. O homem é mais desligado, enquanto a mulher é o caixa 2”, brinca. >
Agora, o objetivo é comprar um carro. Fabiana diz que se encontrou nas vendas. Perdeu até a timidez. “No início era difícil. Hoje, é disso que eu gosto. De lidar com gente”. >
A maioria das mulheres baianas, de fato, está no setor de serviços. Só na Região Metropolitana de Salvador (RMS), dois terços delas trabalhavam nessa área no ano passado, de acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) na região, desenvolvida pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI). >
Em todo o ano de 2018, houve um aumento do desemprego entre as mulheres – 32 mil não encontraram trabalho. “No ano passado, as mulheres pressionaram muito o mercado de trabalho. Ou seja, 42 mil mulheres foram ao mercado de trabalho em busca de ocupação. Porém, só foram geradas 10 mil vagas”, explica a coordenadora da PED, Ana Simões. >
Mesmo assim, a ocupação feminina cresceu entre 2017 e 2018 – passou de 684 mil mulheres ocupadas na RMS para 694 mil.“A ocupação aumentou mais para mulheres na faixa dos 50 a 59 anos, não-negras e para mulheres nas faixas de extrema escolaridade, sem o fundamental completo, e para aquelas com ensino superior. O principal aumento foi no setor de serviços, que tem dois segmentos em que as mulheres têm maior facilidade de inserção: educação e saúde”, analisa. Saindo do aluguel Do outro lado da cidade, em Pernambués, a diarista Sirlete Santos, 39, enfrenta suas próprias batalhas. Mãe de quatro meninas (a mais velha com 22 anos; a caçula com 9), ela se separou há dois anos. No entanto, antes mesmo disso acontecer, já era a responsável pelas contas da casa. >
“Há muito tempo eu dou conta, desde que meu ex-marido ficou desempregado. Trabalho todos os dias, de segunda a sábado, em vários lugares”, diz ela, que chega a acordar às 3h da manhã, às segundas-feiras. É o dia em que prepara o almoço para a filha mais velha levar para o trabalho, em uma escola particular na Avenida Paralela. >
No resto da semana, peregrina entre Armação, Alphaville e Pituba – cada dia em uma casa diferente. Folga mesmo só aos domingos. São os dias em que tira para cuidar da própria casa, organizar coisas pessoais e ir à missa, já que é coordenadora de uma pastoral na comunidade onde mora. >
Como tem lúpus, não são todos os dias em que está 100%. Às vezes, quando a doença ataca, explica, o cansaço bate. Sirlete é responsável pelas quatro filhas (Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO) “Mas eu fico só um pouco cansada, porque gosto do que eu faço. Sei que sou como a maioria das mulheres baianas, porque tenho várias amigas assim como eu. São mães, são pais, cuidam da casa”, dizAgora, a maior vontade é sair do aluguel. Com a casa própria, ela calcula que conseguiria diminuir um pouco o ritmo e a rotina de trabalho. “Eu conseguiria passear um pouco, curtir um pouco mais as minhas filhas”, diz. >
Mulheres soteropolitanas também são trintonas, pardas e chefes de família Em Salvador, as mulheres representam um percentual maior da população do que no restante da Bahia, onde elas são 51,6% do total. Na capital baiana, há 1,6 milhão de mulheres, num total de 2,9 milhões de soteropolitanos – ou seja, correspondem a 54% da população, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).>
Assim como entre as baianas, a maior parte das mulheres soteropolitanas é negra: 44,7% (713 mil) se declaravam pardas, enquanto mais de uma em cada três (35,7% ou 569 mil) se consideravam pretas. Para o IBGE, são considerados negros aqueles que se declaram pretos ou pardos. Em toda a cidade, em comparação, 18,5% das mulheres se declararam brancas.>
O perfil da soteropolitana tem idade parecida com a baiana: a maior fatia da população feminina na capital tem entre 30 e 39 anos (18,2% ou 289 mil mulheres). Em seguida vêm as que têm entre 20 e 29 anos (15,2% ou 244 mil), praticamente empatadas com aquelas na faixa de 40 a 49 anos (243,5 mil).>
Elas também são ainda mais chefes de família: 34,3% das mulheres soteropolitanas são apontadas como as responsáveis pelos domicílios onde vivem. Isso significa que 547 mil mulheres em Salvador são apontadas como responsáveis.>
Em Salvador, em 2017, uma em cada três mulheres de 25 anos ou mais de idade tinham ensino superior completo ou incompleto (30,4% ou 340 mil mulheres nessa faixa etária), enquanto os homens com esse nível de instrução somavam 231 mil, o que representava 26,5% da população masculina de 25 anos ou mais de idade na capital.>
A média de anos completos de estudo das mulheres de 25 anos ou mais de idade, em Salvador era 11,2 em 2017, frente a 10,8 dos homens - maior do que a média do estado.“O próprio mercado de trabalho vai exigindo o aumento da escolaridade e as mulheres vêm buscando isso cada vez mais. A gente percebe que as mulheres vêm fazendo essa inversão e tendo mais escolaridade do que os homens, buscando espaço”, diz o gerente de planejamento e gestão do IBGE na Bahia, André Urpia. *colaborou Yasmin Garrido com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier>