Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Elaine Sanoli
Publicado em 1 de dezembro de 2025 às 05:00
Em Salvador, tudo acaba em samba. Até mesmo o que, durante grande parte dos dias úteis, é apenas um ponto de ônibus, local onde se passa tempo e estresse antes e depois de cada jornada de trabalho, se torna um grande samba quando a semana chega ao fim e a luz do final de semana aparece cada vez mais brilhante no fim do túnel. Na saída da Estação de Metrô Acesso Norte, no bairro do Cabula, trabalhadores se reúnem para celebrar a chegada do fim de semana com um sorriso no rosto, o latão na mão e o samba na ponta do pé. >
Faz cerca de quatro anos que seu Val, 50, e Romário Santana, 26, decidiram animar ainda mais o ponto de ônibus que fica em frente à estação. Na época, tudo o que eles tinham era uma caixa de som alugada e um sonho. Hoje, com direito a equipamento de som próprio, eles atendem ao menos 500 pessoas nas noites de sexta-feira, que passam e param para curtir o Churrasquinho dos Bonitos (@churrasquinhodosbonitos). A cada semana, uma banda diferente se apresenta.>
Sambas no Acesso Norte
O negócio da família, no entanto, começou antes disso, há cerca de sete anos, quando decidiram montar o quiosque de espetinho em frente ao terminal, onde dividem espaço com outros empreendedores. O espaço, com duas atendentes, é suficiente para suprir a demanda nos quatro primeiros dias úteis da semana, mas, nas sextas-feiras, a barraca muda de lugar e conta com o apoio de mais 13 colaboradores para conseguir atender a todos os clientes. “A gente já vendia o churrasquinho, depois decidimos colocar música também. Então colocamos o som ao vivo, começando devagarzinho. No início, deu pouca gente, mas hoje tem essa multidão aí”, disse seu Val, fazendo referência ao espaço que, mais de uma hora antes de os músicos começarem a tocar, já acumulava pessoas em pé, à espera de um lugar no local que já estava lotado.>
Em meio ao fluxo intenso de veículos e ao vai e vem de muitos ônibus, boa parte dos clientes andavam trajando a roupa de saída do trabalho e uma bolsa ou mochila, como a administradora de Recursos Humanos Thalia Vargão, 27. O caminho entre o trabalho e o ponto do churrasquinho já é um velho conhecido para ela e para a amiga, a consultora de vendas Larissa Farias, 35. Juntas, as duas frequentam o lugar há pelo menos dois anos e, embora hoje saiam mais cedo, costumavam ficar na turma que curte até o último segundo. “É um lugar agradável, a gente dá risada, bebe, resenha, come churrasco e fica todo mundo tranquilo até tarde. Eu já fiquei aqui até 5h da manhã. Já até fui para casa andando uma vez porque não estava achando Uber”, relembrou Larissa, entre os risos e os primeiros acordes da música que se iniciava no local.>
O horário oficial de funcionamento, segundo conta Romário, é até as 4h da manhã, mas clientes como o encanador Delson Campos, 40, podem ficar até os primeiros raios de sol aparecerem no horizonte. Mesmo com um longo caminho a percorrer de volta para sua casa, no bairro de Pirajá, ele afirma não ter hora para ir embora: “Enquanto tiver cerveja, estamos bebendo”.>
“Moro um pouco distante daqui, no bairro da Federação. É longe, mas dá para chegar. Se a galera estiver na disposição de curtir muito e eu não estiver cansado do trabalho, a gente fica aqui até de manhã. Eu já fiquei algumas vezes, inclusive”, explica o eletricista Rafael Pimenta, 32. Religiosamente, toda sexta-feira ele e os amigos são os primeiros a chegar, quando nem sequer é noite. Inventaram até uma desculpa para bater ponto toda semana no Churrasquinho dos Bonitos: “A gente diz que toda sexta é aniversário dele para vir comemorar no samba”, diz, abraçando o amigo Márcio.>
O local é um grande ponto de encontro de amizades. O encarregado José Roberto Souza, 57, se reúne com amigos para tomar aquela gelada e comer o churrasquinho de cupim, carro-chefe da casa, a cada quinze dias. A companheira, Andreia Abreu, 44, também acompanha. “Não pode deixar ele só, não, filha”, brinca, enlaçada no abraço do marido. Para ela, a melhor parte de estar lá é acabar com o estresse da semana dançando depois do trabalho, e nada melhor que fazer isso no caminho de casa. “Hoje eu não trouxe ninguém, mas sempre estou trazendo alguém também. Geralmente saio do trabalho e venho para cá”, comenta.>
Embora muitas pessoas que vão até a estação para curtir se concentrem no local onde fica o Churrasquinho dos Bonitos, a poucos passos de distância outra atração musical movimenta a saída da estação de metrô. O Boteco do Sandro (@botecosandro) fica do lado direito após a saída do terminal. Lá está Elessandro dos Santos, 41, há cerca de dois anos. Entre uma entrega e outra das latas de cerveja estupidamente geladas, ele relembra como começou a história do seu samba: “Eu queria inovar e vi que tinha como por causa do movimento. Pensei: ‘Vou criar um samba para ver no que dá’, e acabou dando certo”. No estabelecimento, os eventos não se restringem apenas à sexta-feira. No início de cada mês, é certo encontrar programação de bandas também aos sábados.>
Ao longo do ponto de ônibus, acumulam-se barracas e quiosques vendendo alimentos e bebidas para todos os gostos. Entre o rapaz que passa gritando “Olha o queijo!”, o senhor que oferece uma porção de amendoim para degustar como convite à compra e as centenas de pessoas aglomeradas no curto espaço, o público não se contenta em cantar a plenos pulmões as letras mais clássicas do gênero e encontra minúsculas lacunas para colocar para jogo todo o talento que tem nos pés. E de novo na sexta-feira seguinte.>