Prefeitura de Camaçari vai apurar grilagem em loteamento de Vila de Abrantes

Técnicos da prefeitura devem ir ao local até essa sexta; eles também vão averiguar se o loteamento está regular

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  • Bruno Wendel

Publicado em 2 de outubro de 2020 às 05:15

- Atualizado há um ano

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(Foto: Reprodução) A prefeitura de Camaçari vai apurar a denúncia de grilagem no Loteamento Hilda Malícia, em Vila de Abrantes. Técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente da cidade (Sedur) farão uma vistoria no terreno, que vem sendo cobiçado por milicianos que atuam em várias regiões do município e da cidade vizinha de Simões Filho.   "Vamos averiguar o que aconteceu na área, se procede a formação de grilagem”, declarou o secretário Genival Seixas. Ele disse que os técnicos devem ir ao local até essa sexta-feira (2). A medida foi adotada após denúncia do CORREIO, que teve acesso com exclusividade ao vídeo feito por um dos herdeiros do terreno, Wilson Messias de Souza, o Cidinho.  Na gravação, feita em janeiro deste ano, Cidinho denuncia um esquema de grilagem envolvendo policiais militares e pelo qual vinha sendo ameaçado. Ainda no vídeo, o herdeiro aponta o sócio de uma imobiliária, Cleves Salviano da Silva, como o grileiro, chefe da milícia. Dois meses após a denúncia, Cidinho foi assassinado por uma dupla de motoqueiros em Abrantes. O secretário Seixas disse ainda que vai verificar as condições legais do loteamento. "Vamos averiguar o que aconteceu na área, se procede a formação de grilagem. Vamos também averiguar se há a conclusão do espólio, que é o conjunto dos bens que integra o patrimônio deixado pelo falecido e que serão partilhados no inventário. Somente após esse processo é possível vender as terras. Veremos também se o loteamento é regular, de acordo com os procedimentos da prefeitura", declarou.  Intimidação Na manhã dessa quinta-feira (1), homens que seriam policiais militares ligados a Cleves Salviano amanheceram no Loteamento Hilda Malícia. Mantendo novamente uma certa distância, eles observavam toda a movimentação dos compradores dos lotes, os quais querem expulsar para dar continuidade à exploração imobiliária clandestina. Nas imagens feitas pelas próprias vítimas, aparecem três homens, usando camisas preta, branca e vermelha, cada um, ao lado de um carro branco.  Homens desconhecimentos observam mais uma vez à distância os denunciantes (Foto: Divulgação) Ainda de acordo com eles, esses homens seriam policiais que fazem segurança para Cleves, tendo como o chefe desse grupo armado um subtenente da 52ª Companhia Independente (CIPM/Lauro de Freitas). “ Pois é. O que a gente sabe é que Cleves prometeu a cada um deles um terreno para expulsar todos nós”, disse um dos entrevistados.Vídeo O vídeo ao qual o CORREIO teve acesso com exclusividade já foi analisado pela Polícia Civil. A gravação chegou à reportagem uma semana após as mortes do soldado da PM Ítalo de Andrade Pessoa e do amigo dele, o ex-fuzileiro naval Cleverson Santos Ribeiro, assassinados no dia 11 deste mês em Camaçari. Segundo moradores da região, um dos autores dessas execuções, um sargento da 59ª Companhia Independente (CIPM/Vila de Abrantes), e um outro PM, um tenente da 31ª CIPM de Valéria, fazem parte da mesma milícia que vem atuando no Loteamento Hilda Malícia, intimidando pouco mais de 40 pessoas que compraram terreno no local – uma área de aproximadamente 24 mil metros quadrados –  e ameaçando também Cidinho.

Estes militares estariam a serviço de Cleves, mencionado em vídeo feito pelo próprio Cidinho. “Tem um suposto proprietário, tal de Cleves Salviano da Silva. Esse cara aí está enchendo o meu saco. Fui na corregedoria, na delegacia e nada resolve porque ele disse que compra todo mundo. Compra juiz, compra delegado, agentes policiais, compra até o comandante da PM ... Ele tem dinheiro. Mas é grileiro. É do Belém do Pará.  Saiu de lá para roubar as terras aqui. As minhas terras ele não vai roubar...”, diz a mensagem de Cidinho, gravada dois meses antes de ele ter sido assassinado. 

 

Em 03 de janeiro de 2016, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) denunciou Cleves e outras três pessoas pelos crimes de formação de quadrilha, estelionato e falsificação de documentos. Na denúncia do promotor Francisco Sérgio D’Andrea Espinheira, os quatro entraram com uma ação cautelar contra um dos sócios da Imobiliária Girassol Ltda, apresentando contratos falsos, selos inautênticos, alteração contratual com assinaturas falsas, quebra ilegal de sigilo bancário, de acordo com perícia criminal. O CORREIO procurou o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e aguarda um posicionamento.   Proprietários dos lotes dizem que são ameaçados por policiais militares a mando de grileiro  (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Polícia A assessoria de comunicação da Polícia Civil informou que o assassinato de Cidinho é investigado pela 26ª Delegacia (Vila de Abrantes), unidade onde a vítima já havia registrado um boletim de ocorrência por ameaça contra Cleves e outras três pessoas. Na ocasião, a PM foi acionada para conter um grupo de homens armados, mas nenhuma arma foi apreendida. No entanto, todos foram conduzidos à delegacia. 

Em relação à morte de Cidinho, a reportagem questionou a delegada Daniele Monteiro, titular da 25ª DP, se Cleves em algum momento foi intimado no inquérito que apura o crime. Por meio da assessoria da PC, a delegada respondeu que “a morte de Wilson segue em apuração na 26ª DT, sem autoria definida”. Já sobre a denúncia compartilhada nas redes sociais, a delegada através da assessoria disse que “o vídeo já foi analisado”. Crime Apesar de a polícia não dar detalhes sobre a investigação que apura a morte de Cidinho, parentes da vítima não têm dúvida de que o crime está relacionado com a ação de grilagem comandada por Cleves no Loteamento Hilda Malícia, uma região que foi ainda valorizada com a construção de empreendidos como o Outlet Premium Salvador, em Abrantes. “Cidinho não aceitava o que eles vêm fazendo. Eles querem tomar a terra que é por direito nossa, herança de nossa família. Cidinho foi várias vezes ameaçado pelos capangas de Cleves”, declarou um dos irmãos de Cidinho que preferiu não revelar o nome.  Ele disse ao CORREIO que o loteamento fazia parte da Fazenda Malícia, uma área de 757 mil metros quadrados pertencente ao avô deles, Rufino Bonfim, conforme uma declaração de 05 de fevereiro de 1965. Com o passar dos anos, as terras foram divididas e posteriormente vendidas. Seu Rufino faleceu e deixou oito filhos, que lhe deram netos, entre eles Maria Hilda, que também já morreu. Como ela não era casa e nem teve filhos, os seus irmãos herdaram a sua parte, os cerca de 24 mil metros quadrados, que passaram a ser loteados há pouco tempo na Rua Malícia de Cima. 

No entanto, há cerca de um ano, os herdeiros foram surpreendidos com a chegada dos grileiros que se apresentavam como donos do terreno e ameaçavam com homens armados as pessoas que já adquiriram seus lotes.  “Ele (Cleves) não tem escritura. O documento que ele diz por aí que tem é de uma propriedade no Alto das Pombas, em Salvador”, disse um dos herdeiros exibindo documentos que comprovam a relação de parentesco com Rufino Bonfim e Maria Hilda.  Ele disse que Cidinho era o caçula dos irmãos e, por isso, tinha mais disposição para brigar pela família. Cabia à vítima a função de providenciar a escritura do terreno. "Ele já tinha ido algumas vezes na prefeitura de Camaçari, mas não tinha resolvido nada ainda", contou.   Diante da falta de respostas para suas denúncias formais aos órgãos da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP), Cidinho, um dos herdeiros que vendia os lotes, denunciou o que seria um esquema de grilagem. Então, as intimidações passaram a ser mais constantes, o que levou a vítima a adotar uma atitude extrema. “Ele chegou num bar e atirou contra quatro homens de Cleves, dois deles policiais. Não matou ninguém”, contou o irmão. Neste dia, uma pessoa foi atingida na perna quando passava na hora. 

No dia 12 de abril deste ano, Cidinho estava na Vila Tirantes, em Vila de Abrantes, quando foi surpreendido por dois homens numa moto. “Um deles disse: ‘Cidinho’ sua hora chegou’ e atirou. Ele morreu no local”, contou o irmão.