Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Portal Edicase
Publicado em 5 de junho de 2025 às 11:09
No mês em que é celebrado o Dia dos Namorados, volta à tona uma pergunta recorrente nos consultórios de psicologia: trair pode salvar um relacionamento? Embora pareça contraditório, essa dúvida revela muito sobre os vínculos afetivos contemporâneos e sobre o mal-estar silencioso que permeia muitos relacionamentos estáveis. >
“A primeira coisa que a psicologia nos ensina é que a infidelidade é um fenômeno complexo e multifatorial. Pode significar algo muito além de impulso sexual”, pondera a psicóloga Laís Mutuberria, especialista em Neurociência do Comportamento. A seguir, ela compartilha os motivos comuns que levam à infidelidade e explica o que essa atitude pode revelar sobre os relacionamentos. Confira! >
Segundo Laís Mutuberria, diversas razões podem levar uma pessoa a trair, muitas das quais estão enraizadas em questões emocionais e na dinâmica do casal. “Os motivos mais frequentes incluem negligência emocional, sensação de invisibilidade, rotina, carência afetiva, ressentimentos acumulados, dificuldade de encarar e comunicar as faltas dentro da relação”, elenca. >
Além dos fatores individuais e relacionais, há também influências mais amplas que vêm da própria cultura contemporânea. “Mas há também um pano de fundo mais amplo, de ordem sociocultural: vivemos em uma era de supervalorização do eu, marcada pelo imediatismo, pelo consumo e busca incessante por satisfação pessoal. Nesse contexto, a infidelidade pode ser compreendida como um sintoma de um individualismo crescente — uma tentativa, muitas vezes inconsciente, de resgatar o desejo, reafirmar a própria identidade ou preencher lacunas internas por meio da novidade e da validação externa”, explica a psicóloga. >
De acordo com Laís Mutuberria, a infidelidade pode até gerar uma ruptura construtiva. Contudo, isso não significa que ela deva ser encarada como solução ou “atalho” para a crise, muito menos como uma maneira emocionalmente madura e responsável consigo e com o outro. >
“A análise aqui não está na traição em si, mas no que ela revela. Em alguns casos, esse impacto pode levar o casal a conversar de verdade pela primeira vez — o que, longe de ser um cenário ideal, evidencia o grau de desconexão e a dificuldade pré-existente em estabelecer um diálogo honesto. A reconstrução pode ser possível, sim, mas ela exige responsabilidade, escuta ativa e um comprometimento mútuo com o processo”, explica. >
Na prática clínica, é comum que casais que optam por permanecer juntos após uma traição enfrentem um processo profundo de ressignificação do vínculo. “Mas isso requer maturidade emocional, disposição para o enfrentamento honesto e um novo pacto relacional claro”, alerta a psicóloga. >
Ela explica que reconstruir a confiança exige empenho do casal. “Não é possível seguir adiante ignorando os conflitos e fragilidades que precederam a infidelidade — muito menos o rompimento prévio da lealdade ao acordo afetivo estabelecido anteriormente. A reconstrução da confiança mútua não acontece espontaneamente; ela demanda tempo, trabalho conjunto e compromisso real com a transformação da relação”, ressalta. >
Para além das dores individuais, o tema também levanta questões sobre os modelos de relacionamento e os contratos afetivos contemporâneos. “Nem todos os casais falam abertamente sobre o que consideram fidelidade. Às vezes, os acordos são presumidos, não explícitos — e isso aumenta a sensação de traição quando há um deslize”, observa Laís Mutuberria. >
Vale destacar que, em um mundo atravessado por incertezas econômicas, avanços tecnológicos acelerados e transformações sociais profundas, a valorização excessiva da individualidade e o imediatismo têm moldado muitos comportamentos desleais nas relações afetivas, indo muito além da traição sexual. >
Cada vez mais, observa-se no consultório que a deslealdade emocional, a falta de compromisso com o outro e a priorização constante do próprio desejo têm sido fontes recorrentes de sofrimento. Em muitos casos, o verdadeiro conflito não está apenas na traição sexual, mas na dificuldade de sustentar vínculos que exijam reciprocidade, responsabilidade e presença. >
Outro ponto relevante, segundo a psicóloga, é como a tecnologia e a cultura digital modificaram a percepção de exclusividade. “Hoje, o afeto é atravessado por redes sociais, aplicativos, mensagens. Isso muda a noção do que é traição para muitas pessoas”, pontua. >
Embora, em casos pontuais, a infidelidade possa funcionar como um gatilho para a transformação do relacionamento, especialistas alertam para o risco de romantizar o sofrimento que uma traição gera em todos os envolvidos. “Não se trata de defender a traição, mas de entender que, quando ela acontece, ela escancara algo que talvez já estivesse em ruínas”, conclui Laís Mutuberria. >
Por Annete Morhy >