Amazônia pode perder área de floresta equivalente a Costa Rica, alertam ONGs

Decreto presidencial abre área para exploração mineral, enquanto projeto de lei reduz proteção de Floresta Nacional; cortes chegam a 50.500 mil quilômetros

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  • Murilo Gitel

Publicado em 5 de agosto de 2017 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos Públicas/ Agência Pará

Um decreto presidencial que deverá abrir uma área de 47 mil quilômetros quadrados entre o Pará e o Amapá para exploração mineral – área equivalente ao estado do Espírito Santo – e um projeto de lei que pretende reduzir 350 mil hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, se somados, podem suprimir 50.500 km² da Amazônia, quase a extensão do território da Costa Rica. Governo autorizou a abertura de área para exploração mineral na Amazônia (Foto: Fotos Públicas/ Agência Pará) O ciclo hidrológico do bioma amazônico, proveniente da relação floresta-clima, é fundamental para a purificação do ar e para a manutenção e estabilidade climática em todo o mundo, estimam os cientistas. O desmatamento contribui para a liberação de gás carbônico na atmosfera, fator que acelera o aquecimento global e põe em xeque a posição do Brasil junto ao Acordo do Clima, estabelecido em 2015 em Paris.

No final de julho, a ONG WWF-Brasil divulgou relatório cujo conteúdo afirma que o governo já tem concluído o texto do decreto presidencial que deverá desmatar 47 mil km² entre o Pará e o Amapá para exploração mineral. Conforme os especialistas responsáveis pelo estudo, tamanha abertura coloca em risco nove áreas protegidas, além de gerar uma série de conflitos entre a atividade minerária, a conservação da biodiversidade e os direitos indígenas.

Conhecida como Reserva Nacional do Cobre e seus Associados (Renca), a região que será impactada pelo decreto engloba o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este.

A Renca está bloqueada pelo governo brasileiro desde 1984, mas deve ser aberta para mineração como parte dos planos do governo Temer de atrair investimentos internacionais para a região e estimular o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Uma portaria do Ministério de Minas e Energia publicada no início de abril foi o primeiro passo para retomar a exploração mineral na região.e 

O CORREIO Sustentabilidade entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) no dia 1º de agosto, com o objetivo de obter do governo posicionamentos sobre o desmatamento entre o Pará e o Amapá, voltado à exploração mineral, e a redução de floresta na Flona do Jamanxim. A assessoria de imprensa do MMA respondeu, por meio de nota, apenas na tarde da sexta-feira (4/8). Sobre o decreto que permite atividade de mineração na  Renca, a pasta informou aoneas que a proposta está em estudo. O posicionamento sobre a Flona pode ser lidas abaixo. 

Impactos “Apesar do forte apelo econômico, o desenvolvimento da atividade minerária pode trazer impactos indesejáveis para as áreas protegidas inseridas na Renca, tais como explosão demográfica, desmatamento, comprometimento dos recursos hídricos, perda de biodiversidade, acirramento dos conflitos fundiários e ameaça a povos indígenas e populações tradicionais”, adverte Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.O professor de Ecologia da Universidade de Brasília, Bráulio Ferreira Dias, ex-secretário da Convenção da Diversidade Biológica das Nações Unidas, observa ainda que o desmatamento do bioma amazônico prejudica, inclusive, setores da economia que dependem da disponibilidade de recursos naturais, como a agropecuária. “As chuvas que abastecem as grandes zonas produtoras do Cerrado e do Sudeste vêm da Amazônia. Já está demonstrado cientificamente que se você reduzir a cobertura florestal da Amazônia, haverá menos disponibilidade de água nessas regiões”.

As unidades de conservação classificadas pela legislação ambiental brasileira como de proteção integral são destinadas exclusivamente à preservação dos recursos naturais, o que significa que a atividade de mineração é proibida nessas áreas. Já as unidades de uso sustentável podem ser abertas à prática, desde que haja um Plano de Manejo que indique claramente quais as atividades permitidas. Quanto às terras indígenas e reservas extrativistas, a proibição é total. Das nove áreas protegidas existentes na Renca, a legislação atual permite atividade mineral apenas na Floresta Estadual do Paru, já que a prática está prevista no seu Plano de Manejo, e mesmo assim em apenas um trecho.

De acordo com o relatório do WWF, a principal área de interesse para a mineração na Renca coincide justamente com uma área de proteção integral, a Reserva Biológica (Rebio) de Maicuru, onde os dados da Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) apontam fortes indícios da ocorrência de cobre e ouro.

“Uma eventual corrida do ouro para a região poderá causar danos irreversíveis a essas culturas e ao patrimônio natural brasileiro. Se o governo insistir em seguir abrindo áreas para mineração sem discutir as salvaguardas socioambientais, poderá ser questionado internacionalmente”, alerta Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas no WWF-Brasil. Segundo ele, o Brasil não pode repetir os erros cometidos na década de 1970 – quando grandes empreendimentos foram levados para a Amazônia sem nenhum critério que levasse em conta o meio ambiente e os povos da região.

Recuo

A retirada de limites para a exploração mineral na Renca, em plena região amazônica, seria anunciada no dia 25 de julho pelo presidente Michel Temer, durante evento onde foi tornada pública a criação de medidas de aumento dos royalties da mineração (CFEM) e a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM). Entretanto, o anúncio foi postergado poucas horas antes da solenidade, pois, segundo assessores, havia temores de que a notícia pudesse ofuscar as ações referentes aos royaties e a criação da agência. O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, garantiu que a mudança foi postergada, mas não descartada. “A gente tinha expectativa, mas não ficou pronto, faltou passar por outros ministérios e decidimos deixar para outras oportunidades. É uma portaria, é algo mais rápido”, ressaltou.  A modelo Gisele Büdchen se posicionou contra a diminuição da reserva, por meio de sua conta  no Twitter (Foto: Fotos Públicas/ Arquivo) Menor proteção

Outra medida do governo federal que ameaça a floresta amazônica é o Projeto de Lei 8107/2017, que reduz em 350 mil hectares a proteção da Floresta Nacional do Jamanxim (Flona), no Pará. A proposta foi enviada por Temer ao Congresso na primeira quinzena de julho e, segundo ambientalistas, pode vir a liberar mais áreas de vegetação para desmatamento e grilagem. 

Em junho, às vésperas da viagem oficial que fez a Oslo (Noruega), Temer havia vetado as Medidas Provisórias 756 e 758, que reduziam a Flona do Jamanxim em 37%, 813 mil hectares. O presidente chegou a informar sobre os vetos à modelo Gisele Bündchen, em 19 de junho, via Twitter. Ela havia aderido a uma campanha do Ministério Público Federal contra as mudanças nos limites da floresta e chegou a cobrar do presidente, na rede social, que não permitisse a redução da proteção da Amazônia.

Cerca de um mês depois do veto, contudo, Temer enviou ao Congresso o Projeto de Lei que reduz a área atual da Flona do Jamanxim em 27%, uma redução 10% menor em relação ao que pretendia a MP vetada em junho. A proposta transforma parte da Flona em Área de Proteção Ambiental (APA). As APAs têm regras de proteção menos rigorosas que as florestas nacionais, o que permite, por exemplo, atividades de agropecuária, industrial e garimpo. (Imagem: CORREIO Gráficos) O Ministério do Meio Ambiente, na justificativa do texto, alega “impasse político e jurídico” causado pelas medidas provisórias do mês passado. A pasta afirma ainda que a área da Floresta Flona tem sido “palco de recorrentes conflitos fundiários e de atividades ilegais de extração de madeira e de garimpo associados a grilagem de terra e a ausência de regramento ambiental”.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) justificou ao CORREIO Sustentabilidade, por meio de nota, que “a região da Flona do Jamanxim tem sido palco de recorrentes conflitos desde a criação desta unidade de conservação, sendo imperioso o enfrentamento deste problema com ações objetivas do Estado brasileiro.”

Segundo o MMA, o projeto de lei que está sendo apresentado é embasado em estudos técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Para definição do Projeto de Lei foram considerados diversos cenários e alternativas, tendo a decisão final recaído sobre uma proposta elaborada a partir das poligonais apresentadas na MP 756/16. A proposta considera as alterações inseridas no Projeto de Lei de Conversão 04/2017, mas reincorpora à Flona significativas áreas florestais com baixos índices de ocupação. Como resultado, segundo a proposta, será criada a Área de Proteção Ambiental (APA) do Jamanxim, com 349.086 ha e a Floresta Nacional do Jamanxim passará a ter área de 953.613 ha .”

APA do Jamanxim

A criação da APA do Jamanxim, de acordo com o governo, tem por objetivo a proteção da diversidade biológica, disciplinamento do processo de ocupação da região, fomento ao manejo florestal sustentável e a conservação dos recursos hídricos. “Estabelecida nas áreas de maior ocupação da Flona do Jamanxim, a APA poderá permitir a regularização fundiária destas áreas. A área da Flona por sua vez, passará a atender os objetivos que motivaram sua criação, voltados para o manejo florestal sustentável, inviabilizados em função do conflito instalado”, explica a nota do MMA. “O governo brasileiro pretende reduzir os conflitos existentes na região, diminuir acentuadamente o desmatamento, promover o desenvolvimento sustentável e assim contribuir para o alcance dos compromissos estabelecidos internacionalmente no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e da Convenção sobre Diversidade Biológica”, conclui a nota.