Grupo protesta contra fechamento de hospitais psiquiátricos na Bahia

Pacientes contaram histórias e fizeram apelos emocionados; veja relatos

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  • Tailane Muniz

Publicado em 31 de outubro de 2017 às 16:40

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

Um abraçaço reuniu cerca de 100 pessoas, na manhã desta terça-feira (31), no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, no bairro de Narandiba, em Salvador. O ato simbólico foi organizado por funcionários, familiares e pacientes da unidade de saúde, que corre o risco de ser fechada após determinação da Justiça. Além do Juliano, a Bahia tem outros três hospitais referência em psiquiatria. O Afrânio Peixoto, em Vitória da Conquista, o Lopes Rodrigues, em Feira de Santana, além do Mário Leal Ferreira, no IAPI, na capital.

Conforme a administradora Maria Figueiredo, 64 anos, o fechamento das unidades seria uma tragédia. Irmã de dois pacientes esquizofrênicos, ela disse a sensação é de desespero. "Uma vez interrompido o atendimento, os danos causados são irreparáveis", conta ela, que é presidente do Grupo Beija-Flor de Apoio à Saúde Mental. 

A Justiça determinou 60 dias para que o governo se posicione quanto ao projeto a ser adotado após a interrupção dos atendimentos. Em nota enviada ao CORREIO, na semana passada, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) diz que "está se adequando à Política de Saúde Mental do Brasil".  No entanto, segundo os manifestantes, a legislação é de 2001.

Com dois irmãos esquizofrênicos, o professor Sérgio Bacelar, 45, disse que a proposta do Estado é que os pacientes sejam transferidos para os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que são da administração dos municípios.  Familiares, pacientes e funcionários se reuniram para abraço simbólico ao Juliano Moreira (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) "O problema é que os Caps não têm estrutura ambulatórial 24 horas, as farmácias não dispõem dos medicamentos necessários para os pacientes graves, ou seja, é um tiro nos pés", lamenta.

Embora a saúde dos irmãos de Sérgio esteja estabilizada, ele afirma que eles são atendidos periodicamente no Juliano e no Mário Leal. "São duas ferramentas importantes a qualquer família que tem um doente mental", completou.

Segundo a Sesab, o Juliano Moreira fez, em 2016, 33,3 mil atendimentos - 15.741 na ala de psiquiatria e 17.640 nas outras categorias. A unidade tem 44 pacientes institucionalizados.

Relatos de pacientes Ao CORREIO, a paciente Bárbara Pinto Costa, 55, contou emocionada do apoio que encontra no Juliano Moreira há mais de 20 anos, quando se descobriu esquizofrênica. "Eu tenho dois filhos, mas não tenho ninguém. Só as pessoas aqui do hospital. Não podem fechar isso aqui. Eu preciso conversar com meu médico, tomar meus remédios e viver minha vida", disse, afirmando não ter consciência da idade dos filhos.Com as mãos trêmulas, ela disse ainda que prefere conversar com o psiquiatra do que com o psicólogo. "Aqui nós temos os dois, mas só um me passa remédio", contou ela, orgulhosa de nunca ter precisado se internar. 

Espontaneamente, o aposentado Antônio Rodrigues Santos, 54, abordou a equipe do CORREIO e pediu para relatar sua experiência no local."Eu sou muito antigo aqui. E graças ao tratamento, estou melhor. Se fechar, vai ser ruim para mim", afirmou Antônio.Deficiente mental, ele contou que atualmente chega a resolver algumas coisas sozinho.

Morador do Arenoso, Antônio explicou que adquiriu um transtorno ainda jovem. "Eu trabalhei no Estado, me aposentei porque perto dos 30 anos passei por uma grande frustração. Mas agora, eu já posso me virar, não em tudo, mas consigo".   A paciente Bárbara Pinto Costa é um das mais antigas do Juliano Moreira (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Após dez internamentos na unidade, a paciente Celidalva Conceição, 52, é uma das mais antigas da unidade. Emocionada, ela falou sobre como lida com a doença, as tentativas de suicídio e o tratamento do transtorno bipolar que descobriu aos 20 anos de idade."Eu já estive no fundo do poço, fiz muitas besteiras comigo. Aqui eu encontrei abrigo, apoio e amor. Eles não podem fazer isso com a gente", desabafou ela, aos prantos.Longe de dois filhos, Celidalva disse que é comum que as famílias se afastem. "Eu fiz besteira, larguei eles e eles não me viram mais. Queria ver eles de novo, mas minha família não vai deixar. Não sei onde estão", relatou.

O Juliano Moreira dispõe de 136 leitos de internação e outros 20 de emergência. Além de Salvador, a maioria dos pacientes vem de Lauro de Freitas, Camaçari e Simões Filho.