Judith Butler e os fanáticos

Debora Diniz é antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética

Publicado em 11 de novembro de 2017 às 16:24

- Atualizado há um ano

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Até pensei em sentir vergonha. Mas não era esse o sentimento: era revelação. Eu não poderia dizer isso à Judith Butler, seria difícil explicar como o que viveu poderia ser uma descoberta para mim. Para quem não acompanhou a infâmia, houve de tudo: bonecas queimadas, gritos convulsivos e até mesmo agressão instantes antes de seu embarque. Butler foi acusada de propagar a maldição da ideologia de gênero. Tentei entender o que tanto temiam os perseguidores de Butler, mas entre gritos e grunhidos quase nada restava. Foi aí que entendi o que sentia, quase uma descoberta reveladora.

Não há como se levar à sério ideias ou argumentos de gente que persegue, grita e violenta. Na ausência de inspiração divina, só resta a força bruta, seja do músculo ou do grito. Falta imaginação a essa gente, como diz Amos Oz, por isso fazem uso do mal. Ficamos por aí à procura de palavras para dizer quem são e, na falta de vocabulário, falamos de direita ou esquerda, conservador ou liberal. Me parecem equívocos para descrever quem é essa gente. Esses poucos que perseguiram Butler são fanáticos

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O fanático é pobre de ideias, é medroso, e só acredita que a vida é de um jeito. Não conhece o mundo além de suas próprias escrituras, por isso não tolera quem acredita em outras formas de verdade e bem-viver. O fanático é egoísta, não suporta outro que não ele mesmo e seus iguais. Todo o resto é invenção diabólica, como é o caso de crianças trans ou mulheres na política, homens gays ou filósofas que sabem mais que todos os fanáticos juntos.

Não há como descrever essa gente de outro jeito – um bando de fanáticos. Isso facilita as coisas, por isso meu sentimento de revelação. Não é gente séria com ideias antigas sobre família e que poderiam merecer a consideração em uma conversa democrática. É gente que não sabe viver em comunidade, as regras da convivência não lhe cabem. Por isso, o desfecho deplorável da violência contra Butler no aeroporto. Sinto-me aliviada por não precisar levá-los em consideração para a conversa.

O sentimento de revelação é pelo ridículo que se lançaram ao espetáculo do mundo. Todo fanático é um bufão, e as cenas da perseguição estridente no aeroporto são vulgarmente ridículas. Pode ser um bufão perigoso, por isso é preciso contê-lo. É certo que sinto comiseração pelo incômodo vivido por Butler, mas a cena nos permite atestar o caráter vulgar, maldoso e bufão do fanático.

Amos Oz tem uma saída para o fanático: diz que a literatura é capaz de provocar a imaginação curta e a sensibilidade torta do bufão. Pode até ser que outros mundos ou vidas o inspirem à diversidade, mas enquanto não aprende, pois é lento para novidades, uma alternativa é convocá-lo pelo nome certo: fanático.