Lina Bo Bardi, a arquiteta que atrai o mundo para a Bahia; veja obras

Evento em Salvador destaca legado da ítalo-baiana, referência internacional

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  • Carol Aquino

Publicado em 1 de dezembro de 2017 às 05:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO
A arquiteta ítalo-baiana Lina Bo Bardi por Foto: Pierre Verger

Anualmente, turistas vêm a Salvador com um motivo especial: visitar as obras de Lina Bo Bardi. O público é formado, principalmente, por arquitetos, designers e museólogos de todo o mundo quem têm a arquiteta ítalo-brasileira, que morou na Bahia nas décadas de 1960 e 1980, uma referência. 

É o caso do professor de Arquitetura da Universidade de Florença, na Itália, Giacomo Pirazzoli. Um estudioso da obra de Lina, ele hoje está no Brasil produzindo um documentário sobre um dos projetos emblemáticos dela: a Casa do Benin e o seu diálogo com a Maison du Brésil, no Benin. Ao lado do presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Nivaldo Andrade Junior, eles ajudaram a desvendar o legado deixado por Lina em Salvador. “Ela sacudiu tudo. Ela mexeu com todas as estruturas”, resume Andrade Junior, sobre a primeira estada de Lina na Bahia, entre 1950 e 1964.Para começar, Lina foi chamada pelo governador Juracy Magalhães para projetar o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA).

Diferente do que esperava o governador, Lina queria mesmo era criar um museu de arte popular. Suas primeiras instalações foram no foyer do Teatro Castro Alves (TCA), na época quase destruído por conta de um incêndio. Vendo a movimentação do governo para reformar o equipamento, ela tratou de providenciar um espaço para o seu próprio museu. O ano coincidiu com o da construção da Avenida Contorno. Ela aproveitou que olhos estavam voltados para lá e convenceu o governador a comprar o terreno. 

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Ali surgia uma das obras mais importantes de Lina no país, o Museu de Arte Moderna (MAM), no antigo Solar do Unhão. Ao contrário do que era feito na época, ela preservou todos os galpões do antigo engenho, só demoliu um para a instalação de uma praça.

“Naquela época, só se preservava a parte considerada nobre dos engenhos, o casarão e a igreja”, explica Nivaldo, acrescentando que ela preservou a parte que lembra o trabalho, como os trilhos. 

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Marcas Dentro do Solar, são claras as marcas da arquitetura de Lina, como os grandes espaços vazios. A escada de madeira é icônica. Os degraus são encaixados e não há pregos e parafusos. “O que sustenta são tarugos, parecidos com aqueles usados em carros de boi”, explica Nivaldo.

O museu foi projetado para ser um espaço vivo, com grandes janelas abertas, vista para o mar e ventilação natural. Anos depois, as janelas permanecem fechadas por causa da necessidade da baixa temperatura. Aliás, as janelas foram motivos de briga entre a arquiteta e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Enquanto todas as construções históricas restauradas tinham as janelas pintadas de verde bandeira, Lina as pintou de vermelho”, conta Andrade.  Giacomo Pirazzoli e Nivaldo Andrade Junior, entusiastas da obra de Lina (Foto: Marina Silva/CORREIO) Dessa primeira fase, havia também a Casa do Chame Chame (1964), projetada para um advogado na Rua Plínio Moscoso, na Barra. Com design modernista, ela foi feita no entorno de uma jaqueira. A casa era de formato arrendondado, de cantos curvos, rodeada pela rampa que dava acesso à garagem. Só restaram as fotos. Em 1984, deu lugar a um prédio.

Com o golpe militar, Lina Bo Bardi foi demitida e mudou-se para São Paulo, sob suspeita de ser comunista. Ela só volta na década de 1980, na gestão de Gilberto Gil como secretário de Cultura de Salvador. O plano era fazer projetos para o Centro Histórico, recuperando prédios e criando espaços culturais.  Casa do Benin é parceria de Lina com outros colegas, como Lelé Filgueiras (Foto: Marina Silva/CORREIO) Casa do Benin Nessa época, é forte a parceria de Lina com outros artistas. Com Lelé e outros arquitetos, criou o projeto da Casa do Benin na Bahia, em 1987. O sobrado, no Pelourinho, vira uma mescla de influências históricas, africanas e modernistas. Segundo explica o professor Giacomo Pirazzoli, a ideia era fazer uma Casa do Benin na Bahia e uma Casa da Bahia no Benim. As duas chegaram a ser projetadas, mas só a brasileira foi executada.

A Casa do Benin tem várias marcas do trabalho de Lina Bo Bardi. Apesar de não ter uma assinatura forte, como as linhas curvas de Oscar Niemeyer, nesse equipamento cultural é possível encontrar pistas do trabalho dela.

Gregório de Mattos Dessa segunda passagem de Lina Bo Bardi por Salvador, nasceu também o Teatro Gregório de Mattos. O conceito vanguardista do teatro surgiu da convivência em São Paulo com o teatrólogo José Celso Martinez. Ela projetou as reformas do Teatro Oficina e do prédio que homenageia o “Boca do Inferno”.  No teatro não há palco - para mostrar que ele se confunde com o público. Ela criou cadeiras dobráveis para que o público pudesse se mover no espetáculo.

Outra “arte” de Lina Bo está quase do outro lado da rua. Na Ladeira da Misericórdia há um conjunto arquitetônico de cinco casarões, entre os quais duas ruínas, que tem a intervenção da mulher revolucionária. Da ruína de um casarão surgiu o Bar dos Arcos. Ela construiu um restaurante no entorno de uma árvore, mostrando ali a ousadia na concepção de um espaço circular erguido com as placas pré- moldadas de Lelé Filgueiras.

“Lina era uma referência do que todo mundo queria ser quando crescer. Era linda, elegante, inteligente, tinha personalidade”, resume Nivaldo. 

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ArquiMemória acontece em Salvador até esta sexta Especialistas mundiais em arquitetura e patrimônio edificado se reúnem até esta sexta-feira (1º), em Salvador, para o mais importante encontro da área realizado no Brasil: o ArquiMemória 5, que começou no último dia 27 de novembro e segue até as 19h com apresentações de trabalhos e projetos, mesas-redondas, fóruns, colóquios e lançamentos de livros em diversos pontos da cidade.

Este ano, o tema do encontro é O Global, O Nacional e O Local na Preservação do Patrimônio. O assunto é discutido por pesquisadores, gestores públicos e outros profissionais que atuam na área de preservação do patrimônio edificado. Os participantes do ArquiMemória vêm de mais de 20 países, além de outros estados brasileiros.

A coordenação do evento fica por conta de Nivaldo Andrade Junior, arquiteto baiano que preside o IAB. O ArquiMemória 5 integra a programação preparatória para o 27º Congresso Mundial de Arquitetos, maior evento mundial da área de arquitetura, que acontece em 2020, no Rio de Janeiro, e deve reunir 15 mil profissionais.

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